OS SABERES LOCAIS NA ACADEMIA, CONDIÇÕES E POSSIBILIDADES DE LEGITIMA
Castiano afirma que a Filosofia nada mais que seja um pensar de fundamentação das nossas condições e as possibilidades de existência. Apoiando-se no pensamento de Ngoenha, ele engendra que a filosofia deve se salvar da própria história do pensamento filosófico sobre o objecto em causa para poder fundamentar as condições da existência (CASTIANO, 2013:5). Ele afirma que a filosofia contempla e conceptualiza o tempo vivido como já afirmara a dois séculos preteridos Hegel.
Castiano nesta obra está empenhado em explorar condições e possibilidades de legitimar as micro-narrativas no contexto institucional da produção e propagação do conhecimento científico. Ele parte do pressuposto de que, em todas as sociedades humanas existem pessoas que vicejam seus pontos-de-vista, que são críticos em relação as tradições e aos valores próximos e que são sujeitos argumentativos capazes de se confrontarem com a hermenêutica sobre os eventos, processos e valores locais/endógenos. Castiano diz encarar o termo “crítico” para elucidar pontos-de-vista que concebem a realidade envolvente como uma das possibilidades da existência.
O filósofo constatou que, no continente Africano existe um discurso filosófico formal profissional nas escolas e nas Universidades que concebe o saber filosófico endógeno como sendo tradicional e periférico, solapado de legitimidade para circular nas instituições formais de ensino e na Academia. Mas este vê uma das razões desta problemática acoplada ao facto de
haver a necessidade de fundamentar as condições e possibilidades epistémicas de legitimação destes saberes para a sua “integração” e “valorização” no contexto do ensino e da formação científica e filosófica nas academias” (Ibidem:10).
Para ele, a “fundamentação epistémica” não passa de uma tentativa de explicar as condições sobre as quais podemos vicejar o tipo de saberes a considerarem-se como sendo de índole científica. Esta é uma luta sem precedentes para que os saberes tomados como locais sejam validados e tomarem-se em conta nas escolas e universidades.
Ao discorrer sobre saberes locais ele está falando exactamente de todo tipo de saberes consequentes da confrontação criado por sujeitos das comunidades culturais em jeito de resposta a sua exposição ao conhecimento por eles não produzido (importado), isto é, importação de práticas e valores da modernidade que, posteriormente, se impõem em uma determinada cultura. Castiano engendra que a legitimidade de um saber local depende não tão-somente das condições de sua “epistemicidade” mas também das condições da historicidade do sujeito produtor deste saber (Ibidem:13).
Castiano ao abordar esta questão da legitimidade dos saberes locais na Academia começa por descrever as possíveis condições e possibilidades para tal, e, por fim discorre sobre a legitimação recorrendo a intersubjectivação.
Sobre as condições
Para Castiano falar de “condições de legitimação” é sincronicamente falar sobre um conjunto de elementos estruturais que podem influenciar o curso de debate e as atitudes resultantes ao esforço de integração dos saberes locais/endógenos no contexto académico (Ibidem:14). Ele enumera assim 4 condições possíveis para tal objectivo:
- Primeira Condição:
Diz respeito a existência nos países africanos de dois discursos aparentemente antagónicos que não se cruzam em termos de valores e conceitos (Filosofia profissional africana e saberes filosóficos tradicionais), onde o primeiro é estudado, praticada no âmbito escolar e o segundo visto como tradicional e assim condenado a ser periférico.
O segundo lhe é recusado a possibilidade de ser também considerado científico. Castiano reconhece existir movimento que reivindica a integração dos saberes locais nos currículos de ensino, mas baseados em motivações éticas e convicções políticas.
Castiano engendra que, é assaz difícil que os discursos de “integração” ao invés dos de legitimação dos saberes locais, possam transpor a sua natureza político-apelativa. Quer dizer, estes discursos da necessidade de integrar os saberes locais nas academias não passam de um discurso vazio, que jamais chegará a efectivar-se, daí a necessidade de batalhar em busca de condições e possibilidades que nos ajudarão a legitimá-los.
Por outras palavras, Castiano exorta o tal movimento a cessar com os discursos de integração e pelejar por uma narrativa de legitimação que vá para além dos apelos a favor da sua integração, pois para ele,
ideologicamente, continua a colocar-se estes saberes locais/endógenos numa posição de “vítima” de um conluio universal” (Ibidem:16).
- Segunda Condição:
Esta ligado com a crença segundo a qual “o contexto discursivo tradicional africano está imbuído de considerandos de natureza mítica (mitos) ”. Para Castiano, neste ambiente de prática discursiva que agencia os fenómenos e processos à casualidade metafísica é assaz difícil trabalhar com noções de direito positivista para minguar os conflitos sociais, ou seja, os saberes de índole científicos são incapazes de trazer respostas plausíveis aos problemas desta sociedade.
Por exemplo, a ciência afunda no mar de incapacidade quando se confronta com uma situação social que diz que o fulano X ou Y matou o Senhor X usando sua trovoada. Para Castiano (Ibidem:20) Tempels e Mbiti nas suas literaturas, procuraram mostrar que os africanos olham para os fenómenos naturais e sociais com uma certa espiritualidade, com um acentuado respeito aos espíritos que estão por detrás destes factos.
Quer dizer que o Africano é incapaz, como o ocidental, olhar para o objecto de conhecimento com frieza e, analisar isoladamente este fora do seu contexto. Então, segundo Castiano, a filosofia profissional africana ao almejar incluir nos seus programas estes saberes locais sofre uma tentação unanimista e, pois, aquele que tentar se ocupar destas matérias lhe atribuído o nome de filosofia impura. Para suprir esta problemática, Castiano diz:
[…] o nosso dedo acusador deve virar-se para as condições e possibilidades epistémicas para uma abertura conceptual na própria ciência; […] olhar-se para a possibilidade de uma prática de intersubjectivação, para um diálogo conceptual entre filosofia profissional e o saber filosófico dos sages locais” (Iidem:24)
- Terceira Condição:
viceja da corrente hermenêutica da filosofia africana que considera a existência de três pressupostos sob os quais a possibilidade de um saber filosófico africano é inócuo defender que são a língua, a questão axiológica e a questão oral.
A problemática reside no facto de saber se o saber local pode passar para o saber formal através da tradução ou interpretação? Será que a verdade deve-se submeter aos considerandos ético-morais? Qual é o tratamento a dar ao texto oral – em que se expressam a maioria dos sábios locais – no contexto formal de uma cultura institucional que usa a escrita?
Para Castiano, sobre a primeira questão existe uma unanimidade entre os filósofos profissionais africanos que diz que a língua não é nenhum “empecilho” para desenvolver o pensamento filosófico no contexto africano.
Pensa-se ainda que, para recuperar o pensamento filosófico latente nas tradições africanas para um contexto institucional da prática filosófica é mister confrontar os conceitos fundamentais veiculados nas línguas vernaculares africanas e europeias (Ibidem:27).
Isso pressupõe fazer uma análise crítica comparativa do sincretismo (harmonia) existente entre os conceitos e as devidas realidades. Castiano diz que a filosofia profissional africana deve solapar-se e solapar os africanos do problema da língua como condicionante do seu desenvolvimento, pois
a desculpa para não introduzir os saberes locais nas instituições formais de ensino não deve repousar na questão da língua” (Ibidem:28).
Como solução a esta problemática, Castiano diz que o intelectual africano é um “alcoviteiro” (intermediário) entre os falantes das línguas nativas e a língua de origem colonial e, isto o coloca em condições de traduzir as díspares línguas e por conseguinte, fazer uma hermenêutica e confrontar os conceitos veiculados nas duas línguas que no mínimo deve dominar. Este passa a ser sincronicamente tradutor e hermeneuta.
Outra dificuldade inerente a disseminação dos saberes locais tem a ver com os valores e crenças. Alega-se que os nossos cientistas tradicionais escolhem os aprendizes da sua profissão na base de critérios como o segredo e o conhecimento. Para Castiano, o sigilo profissional destes sages tradicionais não deve ser vista como uma intenção de camuflar os conhecimentos, pois esta é uma forma tradicional de salvaguardar os conhecimentos.
A única saída que Castiano vê para o pesquisador ser desvendado os saberes locais pelos sages é fazer com eles uma longa estadia, convivendo por muito tempo com eles no sentido de tecerem-se laços de amizade e de irmandade. E sobre a questão da oralidade vista como uma barreira para a legitimação institucional dos saberes locais ou endógenos, Castiano exorta ao
filósofo profissional a entrar em diálogo com os seus colegas filósofos não-profissionais” (Ibidem:36)
Pois, para ele é tão fácil além de pedir por dados estatísticos, solicitar o “tell me your story” (conta-me a sua historia).
Sobre as possibilidades
O problema de legitimação aqui tratado diz respeito a questão de inferiorização de certo tipo de saberes produzidos em condições de periferia e que, amiúde, são tidos com um “bairrismo”, mito etc. Castiano busca através dos níveis de intersubjectivação, as possibilidades de fundamentar alguns princípios de organização de um currículo de formação de cientistas em saberes locais/endógenos a partir das seguintes possibilidades epistemológicas:
- Possibilidade moderna:
Castiano parte do pressuposto de que a modernidade criou uma imagem positivista do conhecimento que é científico. Para este modelo, só é conhecimento científico àquele que se baseia na experiência, na observação e classificação do observado, na verificação/falsificação das hipóteses, no método da amostra. Entretanto essa forma de olhar a ciência não se adequa com a forma africana de conceber a realidade e tornar-se-á difícil
a possibilidade de encaixar […] aqueles saberes no contexto institucional, sem correrem o risco de serem considerados como sendo especulativos, folclóricos, exóticos, etc.” (Ibidem:40).
Os saberes locais por não serem possíveis de demonstrar, verificar estariam condenados a um “ostracismo” num ambiente e contexto de prática científica e académica. E para Castiano, galgando na senda moderna, a única forma que podemos encontrar para legitimar os saberes que a modernidade subalterniza é desmistificar os mecanismos epistemológicos sobre a qual a ciência moderna elide os outros saberes e, por outro lado, “cavar” uma nova dimensão crítica da prática científica de os legitimar no contexto africano (Ibidem:42).
Esta tese apoia-se no Asante que tece uma tremenda crítica ao cânon da ciência moderna, asseverando a possibilidade de ver o mundo a partir de um novo centro. Este engendra que a única forma de desenvolver uma ciência baseada no contexto africano passa por um desligamento em relação aos mitos da ciência moderna.
Ele da ênfase ao “place” [local], afirmando ser este a única perspectiva capaz de informar ao mundo sobre os nossos conhecimentos e por isso, acredita que o compromisso crucial e a responsabilidade de um cientista é evidenciar ao mundo o seu local epistemológico.
- Possibilidade Pós-Moderna
Castiano parte da ideia de que a modernidade pretendeu estruturar-se como o âmago da ciência olhando o resto como periferia, ou melhor,
no campo das ciências, a modernidade cria o espistemecidio de outras regiões do mundo diferentes da Europa” (Ibidem:46).
Lyotard é considerado como o responsável pela ruptura com esta concepção moderna da ciência ao declarar que a “condição pós-moderna” não passa por uma incredulidade plena em relação com as meta-narrativas e declara a eficácia do saber como principal critério que o legitima nesta condição. Mas Sousa Santos é tido como quem diagnosticou acuradamente este período e chega a afirmar que:
o resultado do desenvolvimento científico é uma hegemonia incondicional do saber científico e uma marginalização de outros saberes vigentes como o religioso, artístico, literário, mítico, poético e político” (Ibidem:48).
Neste âmbito, este propôs uma dupla ruptura epistemológica que consiste, por um lado, em romper com a ideia moderna de criar um conhecimento novo e autónomo em confronto com o senso comum e; por outro lado, romper com a arquitectónica de que o conhecimento científico não se destina a transformar o senso comum ou tornar-se nele. Esta ideia de dupla ruptura epistemológica conduz-nos a ideia de uma abertura da ciência formal aos saberes locais/endógenos (Ibidem:49).
Segundo Castiano (Ibidem:49-50) a pretensão de Sousa Santos é de um “casamento” entre as micro-narrativas e macro-narrativas. Como forma de emancipar total e completamente os saberes locais, é mister que as iniciativas emancipatórias vicejam do interior dos próprios sujeitos do saber local/ endógenos. Castiano vê ainda que
[…] a verdadeira possibilidade de legitimação destes no quadro institucional somente pode ser alcançada a partir da busca das possibilidades intrínsecas a própria condição periférica destes saberes” (Ibidem:52).
- Possibilidade Trans-Moderna:
Com seu grande defensor filósofo latino-americano, Enrique Dussel, a trans-modernidade é encarada como um contra-discurso da modernidade e da visão eurocêntrica da modernidade. Este entende que o ano 1492 é o marca-passo da modernidade como um processo de encobrimento do outro não Europeu e a filosofia da trans-modernidade emerge como filosofia da libertação e da interculturalidade.
O âmago desta filosofia gravita sobre a ideia de que, nenhum ser humano de qualquer quadrante do mundo pode jactar-se em assumir-se como sujeito possuidor de um saber absoluto (Ibidem:55)
Filósofos desta escola são orientados por uma e única linha, a questão do outro, da alteridade ou do outro como sofredor que lhe é mister uma solidariedade. Para estes filósofos ainda, nas filosofias ocidentais há uma alteridade, um Outro a quem não se lhe reconheceu e não se lhe reconhece a condição de sujeito de saber nomeadamente o Outro-oprimido da periferia.
Mas este outro subalternizado deve, segundo a filosofia da libertação ser libertado das algemas a que se encontra enjaulado, pois o Outro deve deixar de ser tratado como sendo um “forasteiro” nas facetas essências da modernidade. Em outras palavras breves: A filosofia da libertação está preocupada com o grito de Interpelação (Apel) e sofrimento (Roty) para que o Outro seja ouvido e considerado no plano mundial (Ibidem:60).
Castiano entende que a Filosofia de interculturalidade (perfilhada por Raul Fornet-betancourt) busca mostrar os caminhos a trilhar para legitimar os saberes locais/ endógenos no contexto de contacto entre díspares culturas. Aqui a interculturalidade é vista como a maneira pela qual o ser humano se capacita para ver suas referências identitárias em relação com os outros. Isto pressupõe erigir a nossa identidade em relação com o Outro, o que não aconteceu com o eurocentrismo na Modernidade.
Para Betancourt, a interculturalidade pressupõe renunciar da sacralização das nossas tradições, da conversão das tradições num guia de acções rigidamente pré-estabelecidos; das pretensões de expansão da própria cultura para as outras zonas de influência, do olhar para a identidade de forma demarcada, da consideração do próprio como núcleo estanque, de harmonizar as diferenças a partir de uma e única cultura (Ibidem:62).
Castiano alimenta a suas esperanças nesta filosofia ao ponto de afirmar que
[…] vejo a filosofia de intercultura como uma espécie de preparação para uma filosofia da intersubjectivação” (Ibidem:63).
Mas para ele é possível um diálogo entre sujeitos só na perspectiva do eu [eu penso que…].
- Legitimação pela Intersubjectivação.
Castiano assevera que os filósofos da geração crítica (Hountodji, Oruka, Ngoenha, Appiah e outros) são unânimes em afirmar que uma filosofia que queira considerar-se como africana deve ostentar uma função crítica.
Para este, é a tarefa específica da filosofia profissional africana a busca de textos orais ou escritos de índole crítica no interior dos discursos locais/endógenos. Mas ele adverte que esta labuta (empreendimento) de intersubjectivação não é análoga (não podendo ainda se comparar) com a etnofilosofia na medida em que, a etnofilosofia considera filósofo, o profissional que vai buscar a essência e o segredo da ontologia do pensamento filosófico africano, ao passo que, a perspectiva da intersubjectivação, no seu programa de pesquisa, vai buscar o pensamento ou discurso de natureza crítica do interior dos próprios saberes locais/endógenos (Ibidem:67).
Entrementes, segundo o filósofo moçambicano, o discurso crítico buscado dentro dos saberes locais/endógenos pode ser proferido por sujeitos duplamente críticos, isto é, por um lado sujeitos capazes de criticar as próprias tradições culturais e crenças colectivas e; por outro lado, sujeitos capazes de criticar a invasão dos valores e princípios modernos (Ibidem:67).
Para Castiano, os filósofos profissionais africanos devem mostrar uma atitude e predisposição intercultural para poderem indubitavelmente reconhecer as lacunas explicativas existentes nos conceitos por si aprendidos nas academias em relação a realidade sócio-cultural local. Entretanto, ao querer buscar os saberes locais e integrá-los nas academias, interessa tão-somente o texto (oral ou escrito) proferido por um sujeito crítico em relação as próprias interpretações disponíveis no interior de cada local e que interpele o discurso exógeno (Ibidem:69).
Fazendo um estudo profundo sobre a possibilidade pós-moderna e trans-moderna, com as quais ele mais se simpatiza, Castiano reconhece que estas precisam de um acréscimo da perspectiva da intesubjectivação.
A peleja que ele combate é de tentar abrir a filosofia para um enriquecimento conceptual a partir dos saberes de índole local, onde chega a afirmar que “casamento” da filosofia profissional com os saberes locais/endógenos é possível realizar-se em 4 níveis de interpretação, nomeadamente:
- Nível de interpretação de factos e processos:
Aqui o filósofo profissional deve sair fisicamente a uma determinada comunidade com objectivo principal de conversar com os sages locais e confrontar-se, sincronicamente, com os eventos, factos e processos que constituirão o “tecido” de conversa (Ibidem:71). Nesta fase, o filósofo descreve os eventos, factos e processos que se observam ou toma conhecimento na base dessas conversas, pois, essa toda labuta responde a questão “como?”.
Depois da busca da descrição dos fenómenos sociais é preciso imergir no mundo das interpretações localmente disponíveis sobre os mesmos fenómenos, factos e processos, o que só é possível mediante as conversas. Quer dizer, é na base da conversa que compreendemos os “pontos-de-vista” dos sujeitos de saber local/endógeno.
Segue-se então a ideia de que é mister que o filósofo organize “locus” de conversas de forma individual e colectiva para discernir como é que as pessoas pensam sobre distintos assuntos que marcam a pauta colectiva de uma determinada sociedade.
2. Nível do encontro:
Esta fase viceja da preparação das entrevistas e conversas que o filósofo profissional organiza, com o nítido alvo de inteirar-se e aperceber-se dos tipos de conhecimentos por ele considerados de tácitos e latentes. Castiano não nega a possibilidade de, o nosso “amante da sabedoria” profissional deparar-se com explicações aduzidos por nossos sábios para os fenómenos sociais estarem recheados de considerandos metafísicos, para ele só pode ser evitado tão logo na preparação das conversas por parte do filósofo profissional, pois este deve vicejar questões que devem ser em si mesmas filosóficas, no sentido de
poder inspirar respostas com possibilidades de serem aceites como sendo filosóficas” (Ibidem: 75).
Isto pressupõe que questões devem ser plenamente enquadráveis nos domínios da metafísica, da ética etc.
Depois deste processo, ao querer elaborar o seu texto filosófico, o filósofo profissional deve se servir das suas “bagagens” conceptuais para integrar os prismas dos sages. Mormente, ele devera saber seleccionar, das respostas e prismas obtidos quais são metafísicas, éticas, epistemológicas, sucessivamente. Para não tornar difícil a compreensão, é inócuo posicionar-me assim.
Castiano entende que, no nível de encontro, há possibilidade para uma abertura conceptual por parte da filosofia e tomar a atitude de deixar-se sugerir novas significações para os seus conceitos clássicos (Ibidem:78). Então, o filósofo moçambicano engendra que é só com a abertura conceptual intercultural que a filosofia profissional africana pode galgar para a solução desta problemática.
3. Nível da crítica-crítica:
Este é o nível em que peleja-se no sentido de atribuir aos sages locais a propriedade intelectual com intuito de elidir o “anonimato” e, consequente o não-reconhecimento da paternidade deste saber. Castiano parte do pressuposto de que
[…] o saber como resultado de uma elaboração de significações simbólicas é o resultado da elaboração individual dos membros de uma determinada comunidade e não de uma elaboração colectiva” (Ibidem:81).
Entretanto, é no processo de anonimização do conhecimento e na ausência de registo da propriedade intelectual onde gravita o primeiro ponto autocrítico da filosofia profissional africana. Neste sentido Castiano é da ideia de que é cogente que, o filósofo imergido no mundo das suas investigações possa sistematizar os pontos-de-vista críticos expressos pelos sujeitos das comunidades culturais.
São alguns trilhos que filosófico deve seguir na elaboração dos seus trabalhos:
- (I) citar o texto escrito ou oral, resultado da entrevista com os sábios ou sages locais;
- (II) deve elidir as expressões unanimistas (por exemplo: Os bitongos são parcos) e
- (III) pôr em confrontação os pontos-de-vista díspares (distinguir os pontos-de-vistas individuais e pô-los em debate, evidenciando o alcance explicativo e significativo dos juízos emitidos pelos sábios sobre vários assuntos que assanham a comunidade).
Uma escrita ancorada em estes pressupostos (citar o autor do texto, elidindo expressões unanimistas e confrontando os pontos-de-vista) tende a desvincular-se das tendências de mistificação e exaltação dos saberes tradicionais, pois
ao individualizar a fonte da elaboração de um determinado saber, o nosso filósofo estará a dar um passo em frente no sentido de ultrapassar o carácter místico com que os cientistas africanos e europeus olham para certas práticas e ritos tradicionais africanos. Passa-se do domínio da “mistificação” para o predomínio da “explicação” do sentido e significação das práticas ou ritos em causa” (Ibidem:85)
4. Nível da (auto) reflexão meta-teórica:
Neste, a luta é de os filósofos africanos entenderem a capacidade que cada conceito mobiliza argumentos para compreendermos os eventos, factos ou processos. Nesta fase, não interessa a origem de qualquer que seja o conceito. Entretanto a filosofia africana deve abrir-se para uma crítica conceptual que abre novos horizontes conceptuais.
Castiano faz entender que a “verdadeira filosofia é aquela que opera com o nível de conceitos”, isto é, as armas para a peleja filosófica devem ser os argumentos e conceitos. A filosofia africana para posicionar-se como pensamento crítico é necessário que ela esteja apta para criar espaços de intersubjectivação (espaço de diálogo que se baseia no reconhecimento do outro como sujeito do conhecimento) e por outro lado, ela deve abrir-se para um diálogo cultural filosófico que tem como pivô o potencial crítico e autocrítico sugerido pelos saberes locais/endógenos no sentido um enriquecimento conceptual mútuo (Ibidem:88).
O nervo do pensamento de Castiano sobre o tema em ventilo encontra-se na tese seguinte: A legitimação dos saberes locais/endógenos no contexto das Academias verdadeiramente africanas, só poderá efectivar-se através de um diálogo entre-sujeitos epistémicos (inter-sujeitos) que ultrapassam a tentação objectivadora do sujeito, que já está no interior do inerente conceito inter-culturalidade (Ibidem:88).
CONCLUSÃO.
Como forma de ilação, vale afirmar que Castiano que diante do discurso filosófico formal profissional nas escolas e nas universidades que concebe o saber filosófico endógeno como sendo tradicional e periférico, solapado de legitimidade para circular nas instituições formais de ensino e na Academia é necessário fundamentar as condições e possibilidades epistémicas de legitimação destes saberes para a sua “integração” e “valorização” no contexto do ensino e da formação científica e filosófica nas academias.
Para Castiano, a tarefa específica da filosofia profissional africana a busca de textos orais ou escritos de índole crítica no interior dos discursos locais/endógenos. Este engendra que o empreendimento de intersubjectivação não se pode comparar com a etnofilosofia na medida em que, a etnofilosofia considera filósofo, o profissional que vai buscar a essência e o segredo da ontologia do pensamento filosófico africano, ao passo que, a perspectiva da intersubjectivação, no seu programa de pesquisa, vai buscar o pensamento ou discurso de natureza crítica do interior dos próprios saberes locais/endógenos.
Entretanto, o discurso crítico buscado dentro dos saberes locais/endógenos pode ser proferido por sujeitos duplamente críticos, isto é, por um lado, sujeitos capazes de criticar as próprias tradições culturais e crenças colectivas e; por outro lado, sujeitos capazes de criticar a invasão dos valores e princípios modernos.
A luta que ele trava é de, tentar abrir a filosofia para um enriquecimento conceptual a partir dos saberes de índole local, onde chega a afirmar que “casamento” da filosofia profissional com os saberes locais/endógenos é possível realizar-se em 4 níveis de interpretação, nomeadamente:
- (i) Nível de interpretação de factos e processos onde o filósofo profissional sai fisicamente a uma determinada comunidade com objectivo principal de conversar com os sages locais e confrontar-se, sincronicamente, com os eventos, factos e processos que constituirão o “tecido” de conversa;
- (ii) Nível do encontro, onde preparação das entrevistas e conversas que o filósofo profissional organiza, com o nítido alvo de inteirar-se e aperceber-se dos tipos de conhecimentos por ele considerados de tácitos e latentes e,
- (iii) Nível da crítica-crítica, onde peleja-se no sentido de atribuir aos sages locais a propriedade intelectual com intuito de elidir o “anonimato” e, consequente o não-reconhecimento da paternidade deste saber e,
- (iv) Nível da (auto) reflexão meta-teórica: os filósofos africanos devem entenderem a capacidade que cada conceito mobilizar argumentos para compreendermos os eventos, factos ou processos.
A legitimação dos saberes locais/endógenos no contexto das academias verdadeiramente africanas, só poderá efectivar-se através de um dialogo entre-sujeitos epistémicos.(inter-sujeitos).
texto adaptado Filosofando em Africa
BIBLIOGRAFIA
CASTIANO, José P., Os saberes locais na Academia: Condições e Possibilidades da sua Legitimação, Universidade Pedagógica/CEMEC, Maputo, 2013.