INTRODUÇÃO


 
O artigo tem como tema  A indução em David Hume. Este facto é devido à grande relevância que a indução tem tanto nas ciências da natureza, assim como na filosofia – em especial na filosofia das ciências e filosofia da natureza – em que a indução é imprescindível para a pesquisa objectiva dos factos, pois ela é o princípio que dirige todos os demais processos da observação, quantificação, enumeração, mensuração e análise, na medida em que dirige suas atenções, primeiro, para os dados particulares, para prosseguir, posteriormente, para conclusões mais gerais – este é o processo que é feito nas ciências.

 
Sendo de capital importância para as ciências, decidimos estudar a indução especificamente no pensamento de David Hume, pois este filósofo apresenta uma postura que não é de aceitação ou de total aceitação perante a indução, mas sim uma atitude crítica e cética em relação a ela. Duvidar da existência da indução, ou pelo menos duvidar de seus fundamentos ou de sua validade, é algo que deve ser avaliado e tomado em consideração por todos aqueles que pretendem fazer um estudo sobre as ciências. É neste sentido que nossa pesquisa se mostra relevante, na medida em que aborda um dos pensamentos mais controversos em relação a um dos fundamentos e métodos da ciência: a indução.

 
Nosso problema reside na legitimidade dos argumentos por indução, e pode ser colocado da seguinte maneira: em que condições se pode pensar na necessidade da conexão causa-efeito se abordarmos isoladamente a causa do efeito?
 
 
Pretendemos reflectir sobre a crítica de Hume em relação a indução. E, de modo específico, apresentar a proposta de Bacon de exaltação da indução como método adequado às ciências da natureza; explicar o empirismo de Hume em relação a distinção entre impressões e ideias; e, analisar a crítica de Hume referente a indução.

 
Para a realização do artigo usaremos o método bibliográfico, que consiste na recolha e exame de obras científicas referentes ao tema. O método é suportado pelas técnicas de hermenêutica e de comparação, que consistem, respectivamente, na interpretação e compreensão dos conteúdos referentes ao tema e na analogia dos mesmos textos.

 

A indução nas ciências naturais


 
Conforme se estuda em gnosiologia, o termo “empirismo” significa uma posição filosófica que toma a experiência como guia e critério de validade de suas afirmações, sobretudo nos campos da teoria do conhecimento e da filosofia da ciência. Este termo é derivado do grego empiria, que significa uma forma de saber que surge da experiência sensível e de dados acumulados com base nessa experiência, permitindo a realização de fins práticos.
 

Os empiristas rejeitam a noção de ideias inatas ou de um conhecimento anterior à experiência ou independente dela. Ele constituiu-se a partir do século XVI – juntamente com o racionalismo – como uma filosofia das principais correntes formadoras do pensamento moderno em sua fase inicial.

 
De acordo com Marcondes (1997: 177), um dos iniciadores do pensamento moderno foi Francis Bacon, que defendia o método experimental e a indução contra a ciência teórica e especulativa clássica. Bacon defendia um pensamento crítico e o progresso da ciência e da técnica.

 
No aforismo LVI, Bacon (2002: 23) lança aquilo que são suas primeiras indicações para a consideração do empirismo como fonte de um conhecimento claro e preciso para as ciências na época moderna. Sua colocação começa por indicar que não devemos somente apontar os pontos maus, ou somente apontar os pontos bons de uma determinada época; mas sim optar por um meio termo: ser capaz de ver os pontos bons e maus, e que isto é vantajoso tanto para a ciência quanto para a filosofia. E segue sua argumentação dizendo que  averdade não deve, porém, ser buscada boa fortuna de uma época, que é inconstante, mas à luz da natureza e da experiência, que é eterna1. Em vista disso, todo entusiasmo deve ser afastado e deve-se cuidar para que o intelecto não se desvie e seja por ele arrebatado em seus juízos (BACON, 2002: 23). Com isto percebe-se que Hume acredita que os fenômenos da natureza e da experiência são eternos, ou seja, eles são constantes, repetem-se incessantemente: por exemplo, se o Sol nasceu hoje, e ontem também nasceu, e antes de ontem também, então nascerá amanhã, e depois de amanhã também, e assim por diante a este tipo de pensamento é chamado de “indução”.

 
A indução tem como base a experimentação e a observação, pois, conforme assinala Bacon (2002: 32), “a melhor demonstração é de longe, a experiência, desde que se atenha rigorosamente ao experimento”. Neste sentido, trata-se de usar a indução na medida em que ela permite o conhecimento do funcionamento da natureza e, observando a regularidade entre os fenômenos e estabelecendo relações entre eles, a indução permite formular leis científicas que são generalizações que partem de casos particulares.

 

 O empirismo de Hume: impressões e ideias  



Dado que Bacon introduziu o método experimental adequado para a fundação da ciência da natureza na modernidade, que foi acolhido por grandes físicos e cientistas da época (dentre eles, Newton), alguns filósofos pensaram: “por que não percorrer profundamente esse caminho para fundar definitivamente a ciência do homem em bases experimentais?”. Foi esta tarefa que o filósofo escocês, David Hume, tomou como sua missão. Ele pensava poder ser o Newton da “natureza humana”.
 
Aliás, alguns podem até dizer que Hume vai além de Newton, pois a “ciência da natureza humana” é, supostamente, ainda mais importante do que a física e as outras ciências, pelo facto de que todas essas ciências dependerem, de algum modo, da natureza do homem. É neste sentido que Hume põe-se a investigar a natureza humana e, conforme Russell (1957: ), escreveu sua principal obra intitulada Tratado da Natureza Humana. Porém, ninguém tomou conhecimento do livro. Depois desse acontecimento, Hume pôs-se a escrever vários ensaios e, alguns anos depois da publicação de seu livro, “abreviou o Tratado deixando de lado as melhores partes e quase todas as razoes de suas conclusões; o resultado foi a Investigação Sobre o Conhecimento Humano, obra que foi, durante muito tempo, mais conhecida que o Tratado” (RUSSELL, 1957: 570).
 
 
Nas Investigações, que é o livro que tivemos à nossa disposição, Hume começa por estabelecer uma distinção entre impressões e ideias. Na segunda secção, Hume define o termo “impressão” do seguinte modo: “entendo pelo termo impressão, portanto, todas as nossas percepções mais vívidas, sempre que ouvimos, vemos, ou sentimos, ou amamos, ou odiamos, ou desejamos ou exercemos nossa vontade” (HUME, 2003: 34).  Com a citação acima, podemos notar que as impressões englobam todas as sensações humanas, paixões e emoções. Estas impressões são um tipo de percepção. No pensamento de Hume, existem dois tipos de percepção, sendo a impressão o tipo que penetra com maior força e violência no ser humano. O segundo tipo de percepção é o que Hume chama de ideias. “Por ideias entendo as débeis imagens destas no pensar e no raciocinar” (HUME, 2003: 34).
 
 
As ideias, pelo menos quando são simples, assemelham-se às impressões, porém são mais débeis. Todas as ideias simples, em seu primeiro aparecimento, derivam de impressões simples, que lhes são correspondentes, e que elas representam de modo exacto. As ideias complexas, por outro lado, não precisam assemelhar-se a impressões. Podemos imaginar, por exemplo, um cavalo com asas sem nunca ter visto um, mas os constituintes desta ideia complexa derivam, todos eles, de impressões. Russell (1957: 571), que é a favor de Hume, argumenta dizendo que a prova de que as impressões vêm primeiro do que as ideias, deriva da experiência; como é o caso de um homem que nasce cego, este não tem ideia das cores, pois nunca teve uma experiência delas. Logo, conclui-se que as ideias derivam de impressões – segundo estes empiristas.
 
 

A crítica de Hume perante a indução

 
 
Em nenhum momento Hume usa o termo “indução” nas Investigações, mas sim trata da reação entre causa e efeito, que é também o problema da indução usando outros conceitos para falar do assunto. Neste sentido, Hume (2003: 97) afirma que não há entre as ideias que ocorrem na metafísica, outras mais incertas e obscuras que as de poderforçaenergia ou conexão necessária (causa e efeito). Estas ideias são deveras obscuras, conforme o empirismo de Hume.
 
 
A ideia de existir uma conexão necessária entre os objecto que seja capaz de nos fazer perceber, através de casos particulares verificáveis empiricamente, as generalizações mais abstractas que podem ser tidas como constantes, constitui a ideia de indução. E, contra a indução (conexão necessária entre objectos: conexão de causa e efeito), Hume lança sua crítica usando o exemplo de bolas de bilhares, conforme segue-se:

 
Quando olhamos para os objectos ao nosso redor e consideramos a operação das causas, não somos jamais capazes de identificar, em um caso singular, nenhum poder ou conexão necessária, nenhuma qualidade que ligue o efeito à causa e torne o primeiro uma consequência infalível da segunda. De facto, tudo o que descobrimos é que o efeito realmente se segue à causa. O impulso da primeira bola de bilhar é acompanhado do movimento da segunda, e isso é tudo o que é dado a nossos sentidos externos. Quanto a algum sentimento ou impressão interna essa sucessão de objectos não faz a mente experimentar nada deste tipo. Não há, consequentemente, em nenhum caso particular, isolado, de causa e efeito, nada que possa sugerir a ideia de poder ou de conexão necessária (HUME, 2003: 98-99).

 
De facto, nós não somos capazes de imaginar qual efeito resultará de um dado objecto na primeira vez que vemos tal objecto. Nós sempre sabemos o efeito das coisas porque tivemos antes uma experiência de seu efeito.
 
 
Com o exemplo da bola de bilhar percebemos que não é possível à mente encontrar o efeito de uma tal causa que supostamente lhe diz respeito, nem mesmo com a investigação e o exame mais acurados seriamos capazes de realizar tal acto, pois o efeito é totalmente diferente da causa e, consequentemente, não pode nunca ser descoberto somente olhando na causa isolada. Tal é o que sucede quando uma bola de bilhar atinge a outra bola, dizemos que a primeira bola causou o movimento da segunda; no entanto, o movimento da segunda bola de bilhar é um fenômeno completamente diferente do movimento da primeira bola de bilhar, e não está incluído na primeira bola de bilhar de modo a priori.
 
 
 
Sendo assim, devemos dizer que o fundamento de todas nossas conclusões sobre a causa e o efeito é a experiência, porque nós só conhecemos os efeitos porque tivemos uma experiência deles. Mas com isto surge um outro problema: “qual é o fundamento das conclusões que extraímos da experiência?”. Isto é, conforme demos o exemplo do nascer do Sol, de que ele sempre nasceu e por isso sempre nascerá, assim somos levados também a inferir que outras coisas deverão acompanhar efeitos análogos. A resposta de Hume para este problema é que o fundamento destas conclusões é a crença, um sentimento, uma operação da alma, que é inevitável.
 
 
 

CONCLUSÃO


 
A escolha do método indutivo para as ciências, na modernidade, surge com Francis Bacon, que via na experiência, a fonte da qual o homem podia extrair todas as verdades, pois acreditava que os fenômenos da natureza e da experiência fossem eternos, isto é, constantes. A indução tem como base a experimentação e a observação, pois, Bacon acreditava que a melhor demonstração é de longe, a experiência, desde que se atenha rigorosamente ao experimento.
 
 
Neste sentido, o que era necessário, era usar a indução nas ciências, na medida em que ela permite o conhecimento do funcionamento da natureza e, observando a regularidade entre os fenômenos e estabelecendo relações entre eles, permite formular leis científicas que são generalizações que partem de casos particulares.
 
 
Com Hume nós encontramos uma postura diferente da de Bacon. Pois, Hume elabora uma crítica à indução, argumentando que não é possível ao homem descobrir somente por olhar a um dado objecto qual efeito esse objecto irá causar sem que tenha tido antes uma experiência em relação ao mesmo objecto. Logo, conclui Hume, que o fundamento daquilo que chamamos de “indução” é a experiência.
 
 
Em última análise, o fundamento dessa indução por experiência, não é racional, mas sim baseado na crença, que é um sentimento. Este sentimento é que nos faz pensar que um fenômeno que ocorreu ontem, hoje, ocorrerá amanhã também. Neste sentido, a indução não passa de uma crença com base num fundamento que não é a razão nem a experiência, mas um sentimento (irracional). 8
 
 
 

BIBLIOGRAFIA

 

 
BACON, Francis. Novum Organum. Trad. José Aluy Sio Reis de Andrade. São Paulo, Lê Livros, 2002.
 
 
HUME, David. Investigações Sobre o Entendimento Humano e Sobre os Princípios da Moral. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo, UNESP, 2003.
 
 
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos à Wittgenstein. 6.ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.
 
 
RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Trad. Brenno Silveira. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1957.
 
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