A epistemologia de Imre Lakatos metodologia dos programas de pesquisa é apresentada. Um “programa de pesquisa” constituí-se de um “núcleo firme”(conjunto de hipóteses ou teoria, considerado como irrefutável pelos cientistas), de uma “heurística” que instrui os cientistas a modificar o “cinturão protetor” (conjunto de hipóteses auxiliares e métodos observacionais) de modo a adequar o programa aos fatos.

Um programa é “progressivo” quando prevê fatos novos e alguma dessas previsões é corroborada; ele é “regressivo” quando não prevê fatos novos, ou, os prevendo, não são corroborados.

A história da ciência é a história dos programas em concorrência; as chamadas “revoluções científicas” constituem-se em um processo racional de superação de um programa por outro.Implicações da epistemologia de Lakatos e Popper ambos racionalistas críticos para o ensino de ciências são discutidas.

A avaliação objetiva do crescimento do conhecimento científico deve ser realizada em termos de mudanças, progressivas ou regressivas, para séries de teorias científicas dentro de um "programa de pesquisa".

A própria ciência como um todo pode ser considerada um imenso programa de pesquisa com a suprema regra heurística de Popper: arquitetar conjecturas que tenham maior conteúdo empírico do que as suas predecessoras. Assim, a história da ciência deve ser vista como a história dos programas de pesquisa e não das teorias isoladas.

Um programa de pesquisa pode ser caracterizado por seu "núcleo firme": teoria ou conjunção de hipóteses contra a qual não é aplicada a "retransmissão da falsidade". O núcleo firme é 'convencionalmente' aceito (e, portanto, 'irrefutável' por decisão provisória)".

O programa pesquisa de Copérnico continha em seu "núcleo firme" a "proposição de que as estrelas constituem o sistema de referência fundamental para a física".

O programa de pesquisa de Newton continha as três leis do movimento e a Lei da Gravitação Universal. No de Piaget encontrava-se a "hipótese de equilibração". No de Pasteur, a hipótese de que "a fermentação é um fenômento correlacionado com a vida. Os cientistas que trabalharam ou trabalham nesses programas não descartariam tais hipóteses, mesmo quando encontrassem fatos problemáticos ("refutações" ou anomalias).

Por exemplo, quando foi observado pelos newtonianos que a órbita prevista para Urano era discordante com as observações astronômicas, eles não consideraram que a Mecânica Newtoniana estivesse refutada; Adams e Leverrier, por volta de 1845, atribuíram tal discordância à existência de um planeta ainda não conhecido - o planeta Netuno - , e portanto, não levado em consideração no cálculo da órbita de Urano. Essa hipótese permitiu também calcular a trajetória de Netuno, orientando os astrônomos para a realização de novas observações que, finalmente, confirmaram a existência do novo planeta.

O que Lakatos afirma é que a "heurística negativa" do programa proíbe que, frente a qualquer caso problemático, "refutação" ou anomalia, seja declarado falso o "núcleo firme"; a falsidade incidirá sobre alguma(s) hipótese (s) auxiliar(es) do "cinturão protetor.

O "cinturão protetor" é constituído por hipóteses e teorias auxiliares -"sobre cuja base se estabelecem as condições iniciais" e também pelos métodos observacionais. Ele protege o "núcleo firme", sendo constantemente modificado, expandido, complicado.

No programa de Newton o "cinturão protetor" continha modelos do sistema solar, a forma e a distribuição de massa dos planetas e satélites, a ótica geométrica, a teoria sobre a refração da luz na atmosfera, etc. Quando os cientistas se deparam com algum fato incompatível com as previsões teóricas -uma "refutação" ou anomalia - a "heurística positiva" orienta, parcialmente, as modificações que devem ser feitas no "cinturão protetor" para as superar.

"A heurística positiva consiste num conjunto parcialmente articulado de sugestões ou palpites sobre como mudar e desenvolver as ' variantes refutáveis ‘ do programa de pesquisa, e sobre como modificar e sofistificar o cinto de proteção ' refutável.

Um programa é "teoricamente progressivo" quando cada modificação no "cinturão protetor" leva a novas e inesperadas predições ou retrodições. Ele é "empiricamente progressivo" se pelo menos algumas das novas predições são corroboradas.

Sempre é possível, através de convenientes ajustes no "cinturão protetor", explicar qualquer anomalia. Por exemplo, sempre era possível no programa de Ptolomeu compatibilizar os dados astronômicos sobre os planetas pela introdução de um novo epiciclo. Estes ajustes são "ad-hoc" e o programa está "regredindo" ou "degenerando" quando eles apenas explicam os fatos que os motivaram, não prevendo nenhum fato novo, ou, se prevendo fatos novos, nenhum é corroborado.

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A METODOLOGIA DOS PROGRAMAS DE PESQUISA: A EPISTEMOLOGIA DE IMRE LAKATOS

Fernando Lang da Silveira Instituto de Física, UFRGS

Publicado na revista Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, v.13, n.3: 219-230, dez. 1996 e na Revista de Enseñanza de la Física, Cordoba, v. 10, n. 2: 56-63, 1997.