Por: Neima José Sequeira

A mecânica: espaço e tempo

 

A mecânica

 

O espaço e tempo


Greene (2010: 34) inicia o debate espacial parafraseando Einstein quanto a questão da complexidade que a palavra espaço acarreta; Einstein argumenta ser mais fácil compreender quando alguém utiliza palavras cuja relação com experiência psicológica é mais directa, como a palavra “vermelho”, “duro” ou “desapontamento”, no entanto, o mesmo não se verifica quando se utiliza a palavra “espaço” ou “tempo” que devida a sua distância abismal em relação a experiência psicológica causa incerteza na interpretação.

É, justamente, esta relação indirecta com a experiência psicológica e incerteza interpretativa que fez urgir ao longo dos séculos diversas concepções e compreensões em relação ao termos: espaço e tempo, desde a antiguidade com Demócrito, Epicuro, Lucrécio, Pitágoras, Platão e Aristóteles, passando pela emergência da física clássica com Galileu Galilei, René Descartes e Isaac Newton, até as perspectivas mais actuais, como de Einstein no século XX.

O presente texto não tem como intenção trazer as concepções e os desdobramentos históricos do debate espaço - temporal, aliás, de nenhum dos termos propostos (espaço, tempo, lugar e movimento), e sim trazer algumas contribuições que, porventura, possam tornar clarividente estes mesmos termos.

Após a ressalva acima, concentremo-nos no debate espaço – temporal, primeiramente no âmbito científico, com uma das figuras mais proeminente da física clássica, Isaac Newton, que a partir das leis por ele formuladas sobre o movimento, recoloca a questão espaço – tempo, na medida que acredita ser fulcral para a compreensão das equações que descrevem o movimento deixar claro onde e quando o movimento ocorre. É neste contexto que em Principia Mathematica Newton ira conceber tanto o espaço, quanto o tempo, como

entidades absolutas e imutáveis que proporcionavam ao universo um cenário rígido e constante. […] o espaço e tempo constituíam uma armação invisível que deixa a forma e a estrutura do universo”. (idem: 18)


Após a perspectiva científica, abordar-se-á a filosófica, com Leibniz, Hegel e Schopenhauer. Não obstante Leibniz, o contemporâneo de Newton, apresenta um entendimento semelhante acerca do espaço, na medida que o concebe numa perspectiva de ordem; para este filósofo o espaço resume-se numa ordem de coexistências.

(…) o espaço assinala em termos de possibilidades, a ordem daquelas coisas que existem no mesmo tempo, enquanto estas [coisas] existem juntas. Eis como os homens chegam a formar o conceito de espaço. Estes consideram que mais coisas existem juntas, e encontram entre elas uma ordem de coexistência, de acordo com o qual a relação de umas com as outras é mais ou menos simples: é sua situação ou distância. (ROVICHI, 2002: 406).


Partindo da ordem de coexistência de Leibniz, Hegel na sua obra Enciclopédia de ciências filosóficas, entende o espaço como uma das unidades do ser-fora-de-si, especificamente, entende como a unidade positiva do ser-fora-de-si, ideal e contínuo, isto é,

ele é o totalmente ideal ao lado–um-do-outro, porque é o ser-fora-de-si e simplesmente contínuo, porque este fora-um-do-outro ainda é totalmente abstrato e não tem em si nenhuma diferença determinada” (HEGEL, 1997: 47).


Segundo este filósofo ainda, o espaço é constituído por “aqui”, isto é, pela possibilidade de lugar, um ao lado do outro, sem se perturbarem, numa perfeita ordem. Estes “aqui”, contudo, não são semelhantes em si, e sim diferentes, mas a diferença é, justamente nenhuma, isto é, diferença abstracta.

Uma das questões centrais do debate espacial tem a ver com a possibilidade do espaço ser real por si ou apenas uma propriedade das coisas. Um dos filósofos que respondeu a questão foi Hegel (idem: 49) que defende a impossibilidade de ter espaço por si, uma vez que ele é sempre preenchido e nunca diverso de seu enchimento. As coisas naturais estão no espaço, mas quando se retiram estas coisas, as relações espaciais permanecem.

Quanto a questão do tempo, que em Hegel também pode ser designado por “verdade do espaço” é entendido como:

(…) a unidade negativa do ser-fora-de-si, é igualmente um, sem mais ou menos, abstrato ideal. – Ele é o ser, que enquanto é, não é, e, enquanto não é, é: ele é o vir-a-ser intuído, isto é, [tal] que são determinadas as diferenças simplesmente momentâneas, isto é, [as que] imediatamente se suprassumem como exteriores, isto é, que são apesar disso exteriores a si mesmas. (idem: 54)


De acordo com Hegel o tempo é um produto do espaço, e justifica retomando a questão da diferença abstracta do espaço. O tempo surge desde o instante em que o estado da indeferenciabilidade do espaço cessa e se instaura a diferença que é para si-essente, é o negativo em si mesmo; então o negativo do espaço é o tempo e o positivo, o ser das diferenças do tempo, é o espaço, por isso que o tempo é entendido como a superfície do espaço. E este mesmo tempo por ser um produto espacial, partilha com este a qualidade de continuidade, uma vez que

(…) ele é a negatividade abstracta referindo-se a si, e nesta abstração ainda não há nenhuma diferença”. (idem: 55)


Existem três dimensões do tempo, o passado, o presente e o futuro, que são uma possibilidade, um potência, ou ainda um, na linguagem hegeliana um vir-a-ser. Porém, segundo Hegel (idem: 57 – 58) na natureza existem somente uma única dimensão que é o presente, o agora, e as demais (passado e o futura) são apenas representações subjectivas, na recordação (passado) e no temor ou na esperança (futuro) e essas mesmas dimensões constituem o espaço, uma vez que este é o tempo negado.

Uma perspectiva totalmente contrária das já apresentadas é do filósofo alemão Athur Schopenhauer, que entende tanto o espaço, como o tempo, junto com a casualidade como as formas ou figuras particulares do princípio de razão, e estas já estão subentendidas no mundo como representação e inclusive constituem uma das metades essenciais, necessárias e inseparáveis deste mundo, isto é, constituem o objecto do mundo como representação.

Portanto, o mundo como representação, único aspecto no qual agora o consideramos, possui duas metades essenciais, necessárias e inseparáveis. Uma é o OBJETO, cuja forma é espaço e tempo, e, mediante estes, pluralidade. A outra, entretanto, o sujeito, não se encontra no espaço nem no tempo, pois está inteiro e indiviso em cada ser que representa. (SCHOPENHAUER, 2005: 46)


Portanto, Schopenhauer entende o espaço, tempo e casualidade como os que dão origem a pluralidade, na medida em que o mundo inicia com estes e culmina com o sujeito que os conhece e que sem o conhecimento desses “objectos” por parte do sujeito faz com que na consciência resida o a priori. E é partindo deste cenário que este filósofo defende a existência de uma relação de interdependência entre as metades, segundo ele

tais metades são, em consequência, inseparáveis, mesmo para o pensamento: cada uma delas possui significação e existência apenas por e para a outra; cada uma existe com a outra e desaparece com ela” (ibidem).


Schopenhauer, assim como Hegel, procura solucionar partindo da ideia do tempo, a questão da existência ou não do espaço em si. Recorrendo a tradição filosófica, especificamente de Heráclito com fluxo eterno das coisas, Platão que entende o objecto como o eterno vir-a-ser, Espinosa com acidentes da substância única, e principalmente Kant com a epistemologia do fenómeno, Schopenhauer (idem: 47 - 48) concebe o tempo como “forma arquetípica" da finitude, que só existe na medida em que aniquila, anula o momento precedente para também ser anulado como se de um “círculo vicioso” se tratasse.

Ainda como Hegel, este filósofo, não dá o protagonismo da existência nem ao passado nem ao futuro, para ele estes momentos são nulos e entre essa nulidade encontra-se o presente que é o limite sem extensão e contínuo entre ambos. Schopenhauer estende esse entendimento do tempo para todas as formas do principio de razão e isso implica afirmar que tanto o tempo quanto o espaço tem apenas uma existência relativa, isto é, eles não existem por si.

Apresentados as concepções em relação ao espaço e tempo, partindo de quatro pensadores, Newton, Leibniz, Hegel e Schopenhauer, em diante abordar-se-á a questão do lugar e movimento, concentrando somente no pensamento hegeliano.

Lugar e movimento


A partir do espaço e do tempo, segundo Hegel, derivam o lugar e o movimento, sendo o primeiro, o resultado que expressa o que é a verdade entre o espaço e o tempo; o lugar é a unidade do aqui (espaço) que é igualmente agora (tempo), pois o agora é o ponto da duração. Esta relação entre o espaço e o tempo no lugar é descrita quanto segue:

o lugar é a singularidade espacial, e também indiferente, e é isto somente como agora espacial, como tempo, de modo que o lugar é imediatamente indiferente entre si, como este exterior a si, a negação de si e um outro lugar”. (HEGEL, 1997: 62)


Hegel ainda entende o lugar como o aqui universal que suprassume-se a si mesmo e vem a ser um outro, isto é, no acto do mover-se altera a matéria ocupa um lugar, que em seguida altera-o em direcção ao vir-a-ser um lugar, mas sem nunca alterar a seta do seu lugar e muito menos o lugar universal, o inalterado em toda alteração – a duração; a este processo do mover-se e vir-a-ser, nosso filósofo denomina de dialéctica do lugar, que é constituído por três momentos: o agora, o que deve ser ocupado a seguir e o deixado.

A partir do lugar, mas concretamente da duração, tem-se em Hegel o movimento, na medida que este filósofo o identifica com a duração, ou seja, com o lugar inalterado na alteração. E define o movimento como o

desaparecer e regenerar-se do espaço no tempo e do tempo no espaço, de modo que o tempo para si é posto espacialmente como lugar, mas esta espacialidade indiferente do mesmo modo e de imediato é posta temporalmente”. (ibidem),


Com esta passagem pode-se entender que para Hegel o movimento é a constante relação entre o espaço e o tempo, num processo onde passa-se deste para aquele e vice-versa, sendo que os “aqui” são tomados de forma efectiva, isto é, na sua realidade, e isso faz destas unidades positiva (espaço) e negativa (tempo) do ser-fora-de-si, não so os constituintes do movimento junto com a velocidade, mas a própria essência do movimento, o que leva Hegel afirmar que o

movimento é o conceito da verdadeira alma do mundo”. (idem: 64)


Diferentemente de todas unidades aqui apresentadas, o movimento é o único que a sua existência, a sua materialização pressupõe sempre a existência de uma matéria, não existe nenhuma matéria sem movimento, assim como não há movimento sem matéria, sem esta primeira realidade, o em-si-essente e ser-para-si.

Reavendo a identificação da duração com o movimento, Hegel afirma que este na sua essência é encontrado no movimento circular, que é:
A unidade espacial ou subsistente das dimensões do tempo. O ponto vai para um lugar, que é seu futuro, e deixa um pouco que é passado; mas aquilo que ele tem depois de si é ao mesmo tempo o aonde ele primeiro chegará; e no antes, ao qual ele chega, já estava ele. Seu alvo é o ponto que é seu passado. (idem: 65)

Portanto, o movimento circular é visto como a essência do movimento em Hegel, uma vez que, é o único em que o restabelecendo a duração é imediata a auto – extinção dos seus momentos (ser – extinto no centro, ele próprio, e o relacionar-se com o extinguir-se, os raios do circulo), ou seja, porque é o único que suprassume a diferença do antes, do agora e do depois, suas dimensões e conceito, formando um, o uno, a unidade que em si mesmo se condensou.

CONCLUSÃO


Ao longo da exposição sobre o tema em análise pode-se reforçar a ideia de que por mais que as unidades mecânicas sejam intrínsecos a natureza e o ser humano seja o habitante desta mesma natureza, este sempre encontrará um obstáculo na compreensão tanto das unidades quanto da própria natureza devido a distância que há entre estas realidades e a experiência psicológica, dita por Einstein, e a veracidade desta conclusão pode ser vista olhando o percurso histórico do debate, que abrange mais pensadores que mencionados no corpo do trabalho, uma dessas figuras não incluídas foi o próprio Einstein.

Quanto aos filósofos abordados, caso particular Hegel, fica subentendido que o espaço é a unidade originária é o espaço, ou seja, é o espaço o que dá origem as demais três unidades (tempo, lugar e movimento), na medida em o tempo só surge quando a indiferençabilidade espacial cessa, ou seja, o tempo é o produto da diferença do espaço. Por sua vez, da relação de igualdade entre o espaço (aqui) e o tempo (duração) surge o lugar como o agora espacial. E a constante tentativa de dominação, do espaço face a tempo e vice-versa dá origem ao movimento, ou seja, a efectivação de ambos; mantendo uma relação de dependência das restantes três unidades face ao espaço.

Schopenhauer entende tanto o espaço quanto o tempo como unidades ou figuras particulares do princípio de razão como entidades relativas e carentes de sentido, que necessitam do sujeito representacional para dar sentido, significado a eles. Uma visão contraria a dos outros pensadores, como Hegel, que entendem que estas unidades por sim já tem sentido, por isso, que primeiro pensa-se a respeito delas, cabendo apenas a elas se adequarem ao nosso pensamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


GREENE, Brian. (2010). O Tecido do cosmo. José Viegas Filho (Trad.). São Paulo, Companhia de letras.

HEGEL, George W. (1997). Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio. José Machado (Trad.). São Paulo, Loyola.

ROVIGHI, Sofia V. (2002). História da Filosofia moderna: da revolução científica à Hegel. 5 ed., São Paulo, Loyola.

SCHOPENHAUER, Arthur. (2005). O Mundo como vontade e como representação. Jair Barboza (Trad.). São Paulo, UNESP