Entre 1820 e 1860, foram criadas as bases para uma reestruturação do poder económico e político do vale do Zambeze. Dessa reestruturação e dos escombros dos antigos estados e chefaturas do vale, nasceram os Estados Militares, uma versão mais complexa e amplificada dos antigos prazos. A expressão Estados Militares destina-se a captar essa enorme empresa de caça ao escravo que foi cada Estado com a sua fortificação mãe (a Aringa) e uma série de fortificações mais pequenas espalhadas pelo território governado por cada família reinante.

Com exércitos de milhares de cativos chamados A-Chicunda, palavra originada do verbo Chona Kukunda que significa vencer, armados com mosquetes e com espingardas. Os Estados Militares viviam essencialmente do comércio de escravos e em menor escala do comércio de marfim.

Três foram os factores que na origem do processo de formação dos Estados Militares do Vale do Zambeze:

– Entre 1820 e 1835, o exército do decadente Estado dos Mwenemutapa lançou vários ataques aos prazos da margem esquerda do Zambeze, provocando o abandono da maioria desses prazos quer por parte dos prazeiros, quer por parte dos A-Chicunda e das populações em geral;

– Entre 1830 e 1844, dois grupos nguni, os de Zwangendaba e o de Nguana Maseko, atacando as populações, raptando homens e mulheres e cobrando tributos. O primeiro atravessou o Zambeze em 1835 perto da Cachomba (Província de Tete) e o segundo fez a travessia em 1839 por Tambara. A sua presença contribuiu para o abandono das feiras do Zumbo e de Manica, que tinham sido reabertas após a investida do Changamire Dombo em 1693. Cerca de 1840, os Nguni tinham ocupado 28 dos 46 prazos que ainda existiam, bem como algumas chefaturas independentes;

– O tráfico de escravos no vale do Zambeze, o qual dependia do mercado brasileiro. Milhares de camponeses foram exportados e os prazeiros principiaram também a exportar o próprio sustentáculo dos prazos: A-Chicunda. Estes fugiram para reinos e Estados vizinhos.

Estes três factores contribuíram para a eclosão das dinastias dos senhores de escravos. Áreas dos antigos prazos foram ocupadas e milhares de A-Chicunda foram reagrupados a troco de tecidos, de bebidas e de armas de fogo. Enquanto isso, o Governo português, temeroso da presença Nguni no vale do Zambeze, resolveu conceder patentes administrativos e militares a alguns dos novos reis, fazendo-os defender o vale do Zambeze contra os Nguni, o que eles fizeram com as patentes de capitão-mor ou de sargento mor.

Porém, o primeiro Estado a surgir foi o de Macanga a norte da província de Tete, fundado por Gonçalo Pereira, que tinha a alcunha de Dombo-Dombo que significa terror. Um segundo Estado é o de Massangano que estava situado a sul da confluência dos rios Luenha e Zambeze em território dos antigos prazos. Havia ainda os Estados de Zumbo, de Massingir, da Maganja da Costa, de Makololo, fundado por carregadores de Livingstone, no baixo Chire.

A estrutura social destes era no fundo a mesma dos antigos prazos, se bem que mais complexa. Os camponeses das Mushas eram forçados a dar com regularidade uma renda em géneros diversos (cereais, mel de abelha, marfim), a que se chamava mussoco. Controlando os camponeses estavam os antigos Mambos e Fumos independentes, vigiados pelos Chuangas, cativos que faziam o papel de inspectores administrativos e fiscais.

Para garantir a reprodução das relações de produção ao nível das Mushas e caçar escravos, havia os A-Chicunda. Estes A-Chicundas estavam divididos em regimentos chamados Butacas e formavam unidades militares básicas. Cada Butaca estava sob as ordens de um Mucazambo ou de um Cazembe. Cada Butaca subdividia-se em pelotão designado ensaca.

As principais tarefas dos A-Chicundas consistiam em proteger as fronteiras dos Estados contra as ameaças externas, em sufocar revoltas internas e em capturar escravos para a venda.

Uma das características das classes dominantes dos Estados foi a sua progressiva africanização, o que não é provavelmente dissociável de uma estratégia política visando diluir a distinção entre intrusos e súbditos locais. Por outro lado muitas das dinastias adoptaram os rituais e os símbolos da realeza local, como nos casos de Massangano, Macanga e Canhemba.