ÁFRICA E A GUERRA FRIA
 
Em 1945, terminada a 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) passaram a dominar as relações políticas internacionais.
 
A aliança decisiva entre os EUA e a URSS na vitória dos Aliados sobre o Nazismo, não resistiu até o termo da guerra. Em nome da defesa do Capitalismo e do Socialismo, os EUA e a URSS opuseram-se com tal violência, que cavam uma profunda divisão entre o Ocidente e o Leste da Europa.
 
Nos países libertados pelo Exército Vermelho, a URSS impôs a constituição de governos pro-soviéticos (Roménia, Bulgária, Hungria, Polónia e Checoslováquia).
 
No ocidente, os EUA receosos com o avanço comunista na Europa do Leste, tomam medidas para conter essa influência e isolar a URSS e seus aliados; com esse objectivo, o governo americano anuncia a Doutrina Truman e o Plano Marshall.
 
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Doutrina Truman
Plano Marshall: auxílio económico e técnico prestado pelo governo americano à Europa saída da 2ª Guerra Mundial, destinado a apoiar a sua reconstrução.
Deve o seu nome ao do general americano George Marshall (1880-1959) que propôs em Junho de 1943. Foi aplicado em 1947. O plano beneficiou 16 países, todos da Europa Ocidental.
O objectivo último deste plano era evitar que, numa Europa em crise, surgissem tensões sociais que favorecem a proliferação de ideias comunistas.
 
Como resposta a estratégia americana (Plano Marshall) para conter o Comunismo, a URSS cria a Kominform em Setembro de 1947, órgão coordenador e dirigente dos partidos comunistas europeus contra o imperialismo ocidental.
 
Em 1947, a ruptura entre os Aliados é um facto, a Europa fica dividida em duas zonas de influência: a Ocidental sob a protecção dos EUA e a Oriental sob o controlo da URSS.
 
Além da Europa, as superpotências lutavam por estender a sua influência e apoio nos novos estados pós-coloniais da Ásia e África.
 
Desde então, cresce a rivalidade entre os dois campos antagónicos, as superpotências passam a opor-se por vezes violentamente, mas sem se envolverem directamente num confronto militar. Esta oposição político-ideológica entre os mundos capitalista e comunista liderados pelos EUA e URSS ficou conhecida por Guerra Fria.
 
A guerra permaneceu fria porque a URSS não era expansionista e menos ainda agressiva. Esta potência desmobilizou as suas tropas, reduzindo a força do Exército Vermelho de quase 12 milhões, em 1947, para 3 milhões em fins de 1948
 
O confronto entre os dois blocos inicia em 1948 com o bloqueio de Berlim (1948-49) e atinge o auge com a guerra da Coreia (1950-53).
 
Bloqueio de Berlim (1948)
 
Em 1945, a Conferência de Ialta decide a divisão de Berlim em 4 zonas, repartidas pelos EUA, França, Inglaterra e União Soviética. Em Junho de 1948 (após a unificação das três zonas das potências ocidentais), Estaline ordena o corte de comunicações da cidade de Berlim com o resto da Alemanha (o Bloqueio de Berlim). Em resposta, os EUA organizam o abastecimento da cidade por avião (a ponte aérea).
 
Nos finais da década de 1940 e quase toda década de 1950, a confrontação entre os EUA e a URSS intensifica-se. Vive-se uma época de medo, de violenta competição a nível da espionagem e da propaganda.
 
Guerra da Coreia (1950-53)
 
Em 1945, conforme as decisões da Conferência de Potsdan, a Coreia é ocupada a norte do paralelo 38° pela URSS e a sul pelos EUA. Em 1950 (após a evacuação das tropas ocupantes), os dois estados entram em guerra; a Coreia do Norte é apoiada pela China comunista (que usou 150 aviões que na verdade eram aviões soviéticos com pilotos soviéticos) e a Coreia do Sul pelos EUA. Em 1953, é assinado o armistício, que fixa a demarcação entre as duas Coreias.
 
Guerra Fria gerou consequências a nível social e político. No que concerne ao primeiro, ela produziu movimentos internacionais de paz, essencialmente dirigidos contra as armas nucleares, quanto ao nível político, paralisou o mundo controlado pelas superpotências em dois blocos francamente hostis – anti-comunista e pro-comunista:
 
a) a nível político
 
Os EUA com os seus aliados europeus constituem, em 1949, uma grande aliança defensiva, a NATO ou OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte), pacto de defesa militar constituída pelos seguintes países: EUA, Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, mais tarde a Grécia, a Turquia (1952), Alemanha (1954) e Espanha (1982).
 
Em réplica à aliança ocidental, a URSS assina com os países do leste, em 1955, um tratado de assistência mútua, o Pacto de Varsóvia – acordo militar. Faziam parte do tratado, os seguintes países: URSS, Albânia até 1968, Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polónia e Roménia e a República Democrática Alemã (1956).
  
b) a nível económico
 
Os países da Europa Ocidental criaram em 1948, OECE (Organização Europeia de Cooperação Económica) para administrar os fundos do Plano Marshall.
 
Os países do Leste criam, em 1949, o COMECON (Conselho de Ajuda Económica Mútua) para coordenar as suas economias.
 
A Coexistência Pacífica, década de 1960
 
No início dos anos 60, a Guerra Fria pareceu dar alguns passos hesitantes em direcção à sanidade, ficando conhecido este período de Coexistência Pacífica.
 
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Ao longo dos anos 50, os EUA detêm a supremacia no domínio das armas estratégicas. Já na década de 1960, o poderio do arsenal atómico de cada superpotência é tão considerável que ambos estão em condição de se destruírem mutuamente – é o chamado equilíbrio de terror, corrida ao armamento por parte das superpotências no sentido de conseguirem tal poderio militar, nomeadamente, a nível nuclear que, constituísse um factor de dissuasão de um ataque armado por parte de outra potência. Em caso de conflito directo, as perdas para ambas partes (e para o mundo) seria de tal modo elevadas que ninguém sairia verdadeiramente vencedor.
Em 1963, após momentos de grande tensão entre o Leste e o Ocidente – a construção do Muro de Berlim (1961) e a Crise de Mísseis em Cuba (1962) – inicia-se uma nova etapa nas relações internacionais, a Coexistência Pacífica, novo relacionamento entre o Ocidente e o Leste, inaugurado pelo líderes soviético e americano, Nikita Krutchev (1894-1971), 1º Secretário do Partido Comunista Soviético e Eisenhower, presidente dos EUA entre 1953-1961, respectivamente, em que se pretendeu fomentar o diálogo e o entendimento entre os EUA e a URSS.
Krutchev e Eisenhower reunem-se pela primeira vez em Genebra (1955). O líder soviético visita os EUA (1959). Em 1963, Moscovo e Washington ligam-se pelo telefone vermelho para uma rápida discussão dos problemas internacionais.
 
Alguns factores que contribuíram para abaixar as tensões da Guerra Fria:
 
ü  O ocidente capitalista sentia estar a perder terreno para as economias comunistas que haviam crescido mais rapidamente que a sua nos anos 50;
 
ü  A URSS estava preocupada não só com as ameaças demasiada belicosa de Washington, mas também com a ruptura fundamental com a China que acusava Moscovo de amolecimento face ao capitalismo;
 
ü  A súbita aceleração da descolonização e revolução no Terceiro Mundo pareceu favorecer os soviéticos. Os EUA nervosos, mas confiantes, enfrentavam assim uma URSS confiante, mas nervosa na questão de Berlim, do Congo, de Cuba.
 
A década de 60 marcou o período de aproximaçãodiálogo e acordos entre os EUA e a URSS:
 
ü  foi nesta década que houve a instalação  da linha quente telefónica (1963) que então passou a ligar a Casa Branca ao Kremlin;
 
ü  a construção do muro de Berlim (1961) fechou a última fronteira indefinida entre o Oriente e Ocidente na Europa;
 
ü  os americanos aceitaram uma Cuba comunista;
 
ü  as pequenas chamas de guerra e de guerrilha acendidas pela Revolução Cubana na América Latina, e pela onda de descolonização na África, não se transformaram em incêndios, antes pareceram extinguir-se;
 
ü  os anos 60 e início dos 70 testemunharam realmente algumas medidas significativas para controlar e limitar as armas nucleares: um Tratado de Armas Estratégicas (SALT-1972 e 1979) entre os EUA e a URSS;
 
ü  alguns acordos sobre os Mísseis Anti-balísticos (ABMS)[1] de cada lado;
 
ü  o comércio entre os EUA e a URSS politicamente estrangulado de ambos lados por tanto tempo, começou a florescer à medida que os anos 60 viravam para os 70: Conferência de Helsínquia (1975), capital da Finlândia – declaração de princípios sobre cooperação económica e técnica, segurança internacional e respeito pelos direitos humanos, assinado pelos países membros da NATO e do Pacto de Varsóvia.
 
Apesar de um nítido esforço de apaziguamento e entendimento nas relações américo-soviéticas, ocorrem ainda alguns conflitos regionais:
 
ü  a Guerra do Vietname (1960-1973), travada entre o Vietname do Norte, abastecido em armamento pela URSS e China e o Vietname do Sul, apoiado maciçamente em armas e soldados pelos EUA;
 
ü  a Guerra do Afeganistão (1979-1988);
ü  a Guerra Irão-Iraque (1980-1988).
 
Neutralismo do Terceiro Mundo
 
Nas décadas de 1950 e 1960, a maioria das colónias europeias na Ásia e em África ascendem à independência. Os novos países assumem uma posição de neutralismo face ao afrontamento entre os blocos americano e soviético (BURNS, 1979).
 
O não-alinhamento nasceu efectivamente na época da Guerra Fria, no momento dos mais rudes enfrentamentos entre o Oeste e o Leste. Em 1961, realizou-se em Belgrado (Jugoslávia), a Primeira Conferência dos Países Não-alinhados, que convergiam na busca de um caminho próprio nas relações internacionais. Tendo como principais articuladores Tito (Jugoslávia), Nasser (Egito), Nehru (Índia) e Sukarno (Indonésia), os participantes da reunião elaboraram as bases de sua orientação política. Eles rejeitavam a divisão do mundo em dois blocos feita pela Guerra Fria e postulavam uma nova ordem económica internacional mais justa. O Movimento dos Não-Alinhados fez reuniões sucessivas, para aprofundar suas convicções políticas (luta contra o imperialismo, colonialismo, neocolonialismo, racismo, bem como contra qualquer tipo de agressão ou dominação externa) e debater questões económicas, como o preço das matérias-primas, o desenvolvimento e a dívida externa. Diversos países africanos participaram destas actividades. Ele tornou-se, muito rapidamente, o ponto de união para o conjunto dos países do Terceiro Mundo, os quais totalizavam 95 representantes por ocasião da conferência de Havana, em 1979. Na África, o não-alinhamento desenvolveu-se precocemente em razão do fracasso do movimento afro-asiático, após a conferência de Bandung (1955). O não-alinhamento está explicitamente inscrito na Carta da OUA (1963). Entretanto, os critérios do não-alinhamento − “seguir uma política independente, fundada na coexistência pacífica” − eram suficientemente indefinidos a ponto de ter sido possível interpretá-los com tal flexibilidade que ele, ao contentar gregos e troianos, enfraqueceu singularmente o seu próprio significado, em razão de uma aplicação cada vez mais laxista (assim, a interdição do estabelecimento de uma aliança militar bilateral com uma grande potência era, naqueles tempos, pouco respeitada do lado Oeste e Leste) (COQUERY-VIDROVITCH, 2010:367-368).
 
Percurso do fim da Guerra Fria
 
 Em meados da década de 1980, com a subida de Mikhail Gorbatchev ao poder na URSS que inicia com suas reformas Perestroika (reestruturação) que, visava entre outros: acelerar o progresso económico e social da URSS; aprofundar a democracia, instituir a transparência (Glasmost) nas relações entre o Estado e os cidadãos; encorajar a iniciativa privada e a criatividade individual – e, a reeleição de Ronald Reagan presidente dos EUA, afirma-se disposto a iniciar uma era de entendimentos nas relações com a URSS. Então, realizam-se uma série de cimeiras que conduziram à aproximação sem precedentes entre os EUA e a URSS:
 
ü  a Cimeira de Washington (Dezembro de 1987) em que se assina o Acordo INF[2] que põe fim aos mísseis intermédios na Europa;
 
ü  a Cimeira de Malta (Dezembro de 1989), que marca o estreitamento decisivo da cooperação EUA-URSS a todos os níveis de intervenção e actuação.
 
A adopção, por Moscovo, de uma política de abertura e desanuviamento provocou profundas transformações na Europa:
ü  o colapso dos regimes comunistas da Europa do Leste (2º semestre de 1989), sob pressão popular e com o beneplácito de Moscovo, os governos comunistas do Leste europeu caem um a um. No seu lugar começam a ser estabelecidos regimes democráticos do tipo ocidental na Polónia, Hungria, Checoslováquia;
 
ü  a queda do Muro de Berlim (09 de Dezembro de 1989) assinala para a posteridade o fim da Guerra Fria e do conflito Leste-Oeste.
 
A nível da política interna, a queda do muro conduziu ao fim do próprio regime comunista na República Democrática Alemã e, a 03 de Outubro de 1990, à reunificação da Alemanha (BURNS, 1979).
 
ÁFRICA E A GUERRA FRIA: MANIFESTAÇÕES
 
A crise económica que abalou a África na década de 70 foi acompanhada por uma epidemia de conflitos armados, entre e nas próprias sociedades africanas, que agravou a tendência em direcção à instabilidade e insegurança no continente. Dois destes confrontos, a guerra civil no Chade e a rivalidade entre Marrocos e Argélia sobre o antigo Saara Espanhol reduziram a cinzas o ideal pan-africano da inviolabilidade das fronteiras e da soberania dos estados pós-colonial. Pior ainda, o novo despertar de violência nos anos 70 teve como consequência a situação que a OUA lutara com tanta força (e sucesso) para evitar: a expansão da Guerra Fria para a África. Repentinamente, a União Soviética surgiu no cenário africano, sendo inevitavelmente seguida pelos Estados Unidos, o que levou, em breve, ambas as superpotências a cortejar os seus clientes e a empregar procuradores à medida que a sua rivalidade global se expandia para o continente (KEYLOR, 2001:470).
 
A descolonização política da África finalmente provocou o enfraquecimento do protectorado da OTAN, transformado em hegemonia da OCDE. Contribuíram, a este respeito, dois vectores principais. Primeiramente, enquanto os Estados africanos diversificavam as suas relações económicas com o restante do mundo, outros países capitalistas membros da OCDE, embora não pertencentes a OTAN (como a Suíça, a Irlanda, a Suécia e o Japão), estabeleceram sólidos laços económicos com a África. Em segundo lugar, fornecendo apoio material aos movimentos africanos de descolonização, o bloco soviético adquiriu crescente influência na África, influencia a actuar, parcialmente, em detrimento do protectorado da OTAN. Nos anos 1960, inicialmente apoiado sobre a declarada amizade, embora verbal, dos regimes radicais no poder em Gana, na Guiné e no Congo Brazaville, o bloco soviético havia, posteriormente, em meados dos anos 1970, estabelecido sólidas pontasdelança na Etiópia, em Angola e Moçambique, autoproclamados Estados Socialistas ou marxistas pro-soviéticos (CHINWEIZU, 2010:933).
 
Acções dos países ocidentais no combate contra a instalação de regimes pro-soviéticos em África
 
Os temores, suscitados no Ocidente pela influência do bloco soviético na África, tiveram sérias repercussões nas relações afroocidentais. As acções e intenções soviéticas tornaramse elemento crucial dos cálculos dos ocidentais e dos africanos, em referência a todos os aspectos das suas relações (CHINWEIZU, 2010:933).
 
Os países ocidentais esforçaram-se para isolar a África da influência do bloco soviético, ao passo que o nacionalismo africano estava distante de ignorar a ajuda que este mesmo bloco poderia concederlhe em seu combate contra a supremacia dos colonos rodesianos no Zimbabué, contra o colonialismo português em Angola, na Guiné-Bissau e Moçambique, contra o domínio sulafricano na Namíbia e contra o apartheid e o poder dos colonos brancos na África do Sul.
 
Para ganhar influência nesta região de africana, Ocidente apoiou, integralmente e com toda a sua força, os sobreviventes regimes colonialistas de Portugal, da Rodésia e da África do Sul
 
Nos Estados africanos independentes, o protectorado da OTAN foi preservado de diversas maneiras: campanhas de propaganda destinadas a promoverem o clima político e cultural proocidental e anti-soviético; apadrinhamento político dos regimes africanos através das embaixadas ocidentais; intervenções políticas secretas e, caso fracassassem estas acções, intervenções militares directas, em apoio aos regimes proocidentais vacilantes ou intuindo derrubar regimes pro-soviéticos cujo estabelecimento estivesse consumado. Estas actividades culminaram com as múltiplas intervenções militares “anti-comunistas”, executadas na África por forças ocidentais ou subservientes. Entre estas intervenções, devemos citar: a operação da ONU na República Democrática do Congo (exZaire), entre 1960 e 1964, cujo objectivo consistia em banir Patrice Lumumba, a oeste considerado pro-soviético e comunista, instalando assim um regime proocidental; as intervenções britânicas no Quénia e na Tanganyika (1964), com o intuito de reprimir sublevações contra os regimes proocidentais; o golpe de Estado contra Nkrumah em Gana (1966), objectivando derrubar um chefe de Estado progressivamente anti-ocidental; as operações do Shaba em 1977 e 19781979, com vistas a proteger o regime de Mobutu contra os inimigos congoleses; numerosas intervenções francesas visando apoiar os regimes pró-Paris (na Costa do Marfim em 1964 e 1968, por exemplo) ou para substituírem aqueles não mais aceitos pela França, como o Golpe de Estado contra o imperador Bokassa (1979); além de múltiplas expedições de mercenários, cujo plano consistia em derrubar governos africanos “esquerdizantes”, a imagem da Guiné (1970) e das Seychelles (1979 e 1982). Estes procedimentos permitiram preservar, em termos gerais, um statu quo proocidental nos países em questão (Chinweizu, 2010:934-935).

 

A rivalidade entre o leste e o oeste na África Austral
 
O anti-comunismo e a hostilidade em relação a União Soviética, na África Austral tiveram o apoio dos regimes racistas da Rodésia e da África do Sul. Em Fevereiro de 1956, o governo de Pretoria fechou os consulados soviéticos na União Sul-Africana. A tendência em identificar o comunismo interno com uma “traição” tornou-se característica da paranóia dos regimes da África Austral. Na África do Sul, ela provocou ruidosos processos, por “traição”, e outros que tais contra o comunismo. O poder organizou, notadamente, processos colectivos por “traição” envolvendo africanos, asiáticos e europeus em luta contra o apartheid. Abram Fischer, advogado da Coroa, julgado e condenado a prisão perpétua, em Março de 1966, na cidade de Pretória, por comunismo (CHANAIWA, 2010:329-330).
 
Apesar da retirada dos consulados soviéticos da União Sul-Africana, um após o outro, os países africanos que acabavam de conquistar a sua independência, estabeleceram relações diplomáticas com a URSS. No transcorrer deste período a presença diplomática soviética no continente deslizou inexoravelmente para o sul. Em meados dos anos de 1960, a União Soviética estava representada em Lusaka, na linha de frente. Em meados dos anos 1970, a presença diplomática soviética ganhara ainda maior força rumo ao sul, alcançando uma estatura antes jamais vista. Maputo e Luanda tornaram-se, por algum tempo, dois dos mais confiáveis aliados africanos da URSS e, não sem hesitação, repúblicas marxistas-leninistas autoproclamadas. Do ponto de vista estratégico ocidental, a África Austral estava novamente ameaçada.
 
A rivalidade entre o leste e o oeste cristalizou-se em torno da questão da presença soviética e cubana em Angola. A guerra entre o MPLA, no poder, e a UNITA, liderada por Jonas Savimbi, se internacionalizara; Cuba e a União Soviética apoiando o partido no governo, cabendo a África do Sul e aos Estados Unidos da América, por sua vez, financiar e tentar fortalecer a UNITA. O futuro da Namíbia encontrava-se sob fogo cruzado, sobretudo quando a África do Sul e os Estados Unidos da América subordinaram publicamente a sua independência a retirada das tropas cubanas de Angola. O MPLA considerou esta condição como uma afronta a soberania angolana. Quanto a SWAPO, naturalmente, ela replicou argumentando que o direito da Namíbia a autodeterminação não poderia depender, como um refém, do jogo das superpotências na vizinha Angola. Até o fim dos anos 1980, a questão da independência da Namíbia permaneceu em um total impasse, em virtude do jogo de xadrez estratégico que opunha, na África Austral, a União Soviética aos Estados Unidos da América. Somente a política da perestroika, conduzida por Mikhail Gorbatchev e a política de distensão dos conflitos regionais, sustentada pela perseverança do americano Chester Crocker, permitiram, finalmente, as partes alcançarem a conclusão de um acordo em 1988-1989 (Ibid:330).
 
A presença soviética na região, no entanto, estimulava os EUA a apoiar o regime ditatorial de Mobutu no Zaire, a guerrilha da UNITA em Angola e o Apartheid na África do Sul (SILVA, 2005:10).
 
Depois da derrota da batalha de Cuito-Cuinavale sofrida pelos sul-africanos para tropas cubano-angolanas, em 1988, os EUA e a África do Sul decidiram negociar a pacificação. Os Estados Unidos propuseram a retirada cubana em troca da independência da Namíbia (que era ocupada pela África do Sul e utilizada como ponta de lança para atacar Angola)[3]. Em 1989, os cubanos retiraram-se de Angola e da Etiópia e iniciou-se o processo de independência da Namíbia, concluído em 1990 (SILVA, 2005:12-13).
 
A URSS, Cuba e outros países socialistas, apoiaram os países da linha de frente[4] que, depois da independência da Rodésia do Sul tinham como objectivos a eliminação do Apartheid e da agressão sul-africana e o desenvolvimento das jovens nações africanas de forma independente (SILVA, 2005:10).
As tentativas ocidentais visando impedir a instalação de regimes pro-soviéticos, nas derradeiras antigas colónias, obtiveram êxito muito inferior. Nestas condições, o nacionalismo africano, com o decisivo apoio do bloco soviético, infringiu derrotas ao Ocidente.

 

Bibliografia
BURNS, Eduard McNall. História da Civilização Ocidental. 22ª edição. Porto Alegre: Globo. 1979.
COQUERY-VIDROVITCH, Catherine. As mudanças económicas na África em seu contexto mundial (1935-1980).  In: In: MAZRUI, Ali A., WONDJI, Christophe (Ed.). História Geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010. pp. 337-376.
SILVAAndré Luiz Reis da. África contemporânea: os novos desafios da segurança, desenvolvimento e autonomia (1960-2005). Monographia, Porto Alegre, n. 1, 2005. Disponível em:<http://www.fapa.com.br/monographia>


[1] Um míssil anti-balístico é um míssil projectado para destruir mísseis balísticos, também sendo chamado de mísseis de defesa de mísseis ou míssil antimísseis. Um míssil balístico é utilizado para intoxicação em massa, ou até mesmo destruição em massa usando ogivas que podem ser nucleares, mas o comum são químicasbiológica, apresentando uma trajectória de voo balístico pelas camadas mais altas da terra e até mesmo pelo espaço, não dando chances para aviões impedir ou até mesmo detectar o ataque. O termo "míssil anti-balístico" descreve qualquer sistema de mísseis antimísseis projectado para combater mísseis balísticos. No entanto, o termo é usado mais comummente para os sistemas destinados a combater à longa distância o míssil balístico intercontinental lançado pelo adversário.
 
[2] O acordo de Forças Nucleares Intermediárias (INF, na sigla em inglês) foi assinado entre Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan em 1987. Previa a remoção de parte do arsenal nuclear de EUA e União Soviética com fins de conter a ameaça para a segurança global representada pelas duas superpotências. Considerado o "começo do fim da Guerra Fria," o Tratado INF proibiu possuir, produzir e testar mísseis nucleares de distância intermediária (entre 500 e 5,5 mil km).
 
[3] Ver resolução 435 das Nações Unidas.
[4] Após a descolonização da África portuguesa em 1974/75, formou-se um grupo de países de orientação progressista, denominado países da linha de frente (envolvendo Zâmbia, Angola, Botsuana, Moçambique e Tanzânia) cujo objectivo central era a critica aos regimes racistas da Rodésia e da África do Sul, que também ocupava a Namíbia e, através dela, promovia ataques aos outros países da região