Fatores da guerra civil esponhola

A Espanha ainda na decada 30, era um anacronismo histórico. Enquanto a Europa ocidental já possuía instituições políticas modernas, no mínimo a um século a Espanha era um oásis tradicionalista, governada pela “trindade reacionária” (O Exército, a igreja católica e o Latifúndio), que tinha sua expressão última na monarquia burbônica de Afonso XIII. Vivia nostálgica do seu passado imperial grandioso, ao ponto de manter um excessivo número de generais e oficiais (general para cada 100 soldados, o maior percentual do mundo), em relação às suas reais necessidades.

A igreja, por sua vez, era herdeira do obscurantismo e da intolerância dos tribunais inquisitoriais do santo Oficio. E no campo, finalmente, existiam de 2 a 3 milhões de camponeses pobres, los braceros, submetidos às práticas feudais e dominados por uns 50 mil hidalgos, proprietário de metade das terras do país.

Como resultado da grave crise econômica de 1929 (iniciada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque), a ditadura do Gen. Primo de Rivera, apoiada pelo caciquismo (sistema eleitoral viciado que sempre dava seus votos ao governo), foi derrubada e, em seguida, caiu também a monarquia. O Rei Afonso XIII foi obrigado a exilar-se e proclamou-se a República em 1931, chamada de “República de trabajadores”.

A esperança era que doravante a Espanha pudesse alinhar-se com seus vizinhos ocidentais e marchar para uma reforma modernizante que separasse estado e igreja e que introduzisse as grandes conquistas sociais e eleitorais recentes, além de garantir o pluralismo político e partidário e a liberdade de expressão e organização sindical. Mas o país terminou por conhecer um violento enfrentamento de classes, visto que à crise seguida por uma profunda depressão econômica, provocando a frustação generalizada na sociedade espanhola.

As origens da Revolução Espanhola estão intimamente ligadas às origens do anarquismo espanhol, que data das influências de Proudhon e Bakunin, no século XIX, e foi aumentada com os embates entre Bakunin e Marx no seio da Panorama Internacional. No Congresso da Basiléia, por exemplo, em 1869, havia dois delegados espanhóis que tomaram o partido de Bakunin. A partir da década de 1880, os escritos de Kropotkin também começaram a chegar à Espanha e contribuíram muito para o desenvolvimento dos ideais libertários neste país. A influência de Kropotkin se fez sentir principalmente nas zonas rurais, enquanto a de Bakunin foi sentida nas áreas urbanas.

Outro fator que contribuiu para a Revolução Espanhola e para o predomínio das ideias libertárias foi a fundação de uma central sindical de orientação anarcossindicalista, a Confederação Nacional do Trabalho, criada em outubro de 1910. Quando se iniciou a Revolução a Confederacao Nacional do Tribunal, tinha uma extraordinária influência sobre o movimento operário, principalmente na região da Catalunha, e em especial em Barcelona, como sugere

A Confederacao Nacional do Tribunal adquiriu uma importância singular no processo revolucionário, desempenhando, porém, um papel dúbio: ao mesmo tempo em que ela impulsionava os processos de coletivização, ela também ajudou a freá-los na medida em que a guerra se tornava mais importante do que a própria Revolução.

A Revolução foi catalisada pela tentativa de golpe fascista, como observou muito bem Pierre Broué ao dizer que “A iniciativa da contra-revolução desencadeou a Revolução” (BROUÉ, 1992). Talvez, sem a tentativa de golpe, a Revolução não tivesse ocorrido, ou demorasse um tempo maior para eclodir.

Causas da guerra civil esponhola

O conflito tem origem na crise econômica espanhola, que, entre 1929 e 1936, impulsiona grande número de greves, manifestações e levantes de direita e de esquerda. Em 1931 a monarquia foi derrubada e foi proclamada a República, mas as reformas que ela promove não conseguem sanar a economia, deixando descontentes vários setores da sociedade. Durante todo esse tempo, explodem pelo país revoltas e manifestações antigovernamentais.

Os partidos políticos

As esquerdas, obedecendo a uma determinação do Comintern (a Internacional Comunista controlada pela URSS), resolveram unir-se aos democratas e liberais radicais num Fronte Popular para ascender ao poder por meio de eleições. As esquerdas espanholas estavam divididas em diversos partidos e organizações, entre as quais:

  1. PSOE(Partido Socialista Obreiro Espanhol) Socialistas
  2. PCE(Partido Comunista Espanhol) Comunistas
  3. POUM(Partido Obreiro da Unificação Marxista) Comunistas-trotsquistas
  4. UGT(União Geral dos Trabalhadores)  Sindical Socialista
  5. CGT(Confederação Geral dos Trabalhadores) Sindical Anarquista
  6. FAI(Federação Anarquista Ibérica) Anarco-Sindicalista

Elas aliaram-se com os Republicanos (Ação republicana e Esquerda republicana) e mais alguns partidos autonomistas (Esquerda catalã, os galegos e o Partido Nacional Basco). Essa coligação, venceu as eleições de fevereiro de 1936, dominando 60% das Cortes (O parlamento espanhol), derrotando a Frente Nacional, composta pelos direitistas.

A Direita por sua vez estava dividida agrupada na CEDA (Confederação das Direitas autônomas), no partido agrário, nos monarquistas e tradicionalistas (carlistas) e finalmente pelos fascistas da Falange espanhola (liderados por José Antônio).

Grupos que atuaram

Para entender a Guerra Civil Espanhola é importante conhecermos as forças politicas que atuavam e disputavam o poder na Espanha momentos antes do conflito e quais eram seus objetivos.

Frente Nacionalista ou forças da direita – Francisco Franco

De tendência fascista e comandados pelo general Francisco Franco, tinham como objetivo eliminar o crescente movimento comunista na Espanha. Tiveram o apoio dos setores tradicionais e conservadores da sociedade espanhola (Igreja, Exército e grandes proprietários rurais). Contam também com a ajuda militar da Alemanha nazista e da Itália fascista. Para a Direita espanhola tratava-se de uma Cruzada para livrar o país da influência comunista e da franco-maçonaria e restabelecer os valores da Espanha tradicional, autoritária e católica. Para tanto era preciso esmagar a República, que havia sido proclamada em 1931, com a queda da monarquia.

Frente Popular ou forças da esquerda

De tendência esquerdista, contavam com o apoio dos sindicatos, partidos políticos de esquerda e defensores da democracia. Queriam combater o nazi-fascismo, que estava crescendo na Espanha e outros países da Europa. Defendiam o Governo Republicano e tiveram o apoio externo da União Soviética.

Para as Esquerdas era preciso dizer – um basta – ao avanço do fascismo que já havia conquistado Itália (em 1922), a Alemanha (em 1933) e a Áustria (em 1934). Segundo as decisões da Internacional Comunista, de 1935, elas deveriam aproximar-se dos partidos democráticos de classe média e formarem uma Frente Popular para enfrentar a maré de vitorias nazi-fascistas.

A questão religiosa na Guerra Civil

A perseguição anticatólica durante a Guerra Civil apenas continuou um padrão já existente: nos só quatro meses que precederam a guerra civil já 160 igrejas teriam sido incendiadas. Durante a Guerra, pela repressão republicana, segundo o historiador Hugh Thomas, foram mortos 6861 religiosos católicos (12 bispos, 4.184 padres, 300 freiras, 2.363 monges); uma obra mais recente, de Anthony Beevor, dá números muito semelhantes (13 bispos, 4.184 padres seculares, 283 freiras, 2.365 monges).

Quando qualquer política de tendências totalitárias, seja de esquerda ou direita, tenta estabelecer-se num país, sempre ataca a Religião Católica, ou qualquer outra, por ser a única força organizada capaz de se lhes opor. No fundo nunca tem que ver, com o ser ou não religioso.

De acordo com o artigo espanhol, foram destruídas por volta de 20.000 igrejas, com perdas culturais incalculáveis pela destruição concomitante de retábulos, imagens e arquivos. Diante disto, é pouco surpreendente verificar que a Igreja Católica, tenha chegado, na sua generalidade a propagandear a revolta contra o governo e chegado a compará-la, numa declaração colectiva de todo o episcopado (1 de Julho de 1937) com uma cruzada moderna.

O golpe militar e a guerra civil

O clima de turbulência interna motivado pela intensificação da luta de classes, especialmente entre anarquistas e falangistas que provocou inúmeros assassinatos políticos contribui para criar uma situação de instabilidade que afetou o prestígio da Frente Popular. Provavelmente as desavenças internas dos integrantes do Fronte Popular mais tarde ou mais cedo fariam com que o governo desandasse.

Mas a direta espanhola estava entusiasmada com o sucesso de Hitler (aplastamento das esquerdas na Alemanha, remilitarização da Renânia, etc…) que se somou ao golpe direitista de Dolfuss na Áustria, em 1934. Derrotados nas eleições os direitistas passaram a conspirar com os militares e a contar com o apoio dos regimes fascistas (Portugal, com Oliveira Salazar, Alemanha com Hitler e a Itália de Mussolini). Esperavam que um levante dos quartéis, seguido de um pronunciamento dos generais, derrubariam facilmente a República.

No dia 18 de julho de 1936, o Gen. Francisco Franco insurge o Exército contra o governo republicano. Ocorre que nas principais cidades, como a capital Madri e Barcelona, a capital da Catalunha, o povo saiu as ruas e impediu o sucesso do golpe. Milícias anarquistas e socialistas foram então formadas para resistir o golpe militar.

O país em pouco tempo ficou dividido numa área nacionalista, dominado pelas forças do Gen. Franco e numa área republicana, controlada pelos esquerdistas. Nas áreas republicanas ocorreu então uma radical revolução social. As terras foram coletivizadas, as fábricas dominadas pelos sindicatos, assim como os meios de comunicação. Em algumas localidades, os anarquistas chegaram até a abolir o dinheiro.

Em ambas as zonas matanças eram efetuadas através de fuzilamentos sumários. Padres, militares e proprietários eram as vítimas favoritas dos “incontroláveis”, as milícias anarquistas, enquanto que sindicalistas, professores e esquerdistas em geral, eram abatidos pelos militares nacionalistas.

Bombardeio a Guernica

Um dos episódios mais cruéis da guerra civil foi o bombardeio a cidade de Guernica, patrocinado por aviões de guerra da Alemanha e Itália. O bombardeio ocorreu em 26 de abril de 1937 e matou cerca de 125 civis espanhóis. O painel intitulado Guernica, pintado por Pablo Picasso, mostra a crueldade do ataque aéreo sobre os civis da cidade espanhola.

A intervenção da Itália e Alemanha

Como o golpe não teve o sucesso esperado, o conflito tornou-se uma guerra civil, com manobras militares clássicas. O lado nacionalista de Franco conseguiu imediato apoio dos nazistas (Divisão Condor, responsável pelo bombardeamento de Madri e de Guernica) e dos fascistas italianos (aviação e tropas de infantaria e blindados) enquanto que Stalin enviou material bélico e assessores militares para o lado republicano.

A pior posição foi tomada pela França e a Inglaterra que optaram pela “Não-Intervenção”. Mesmo assim, não foi possível evitar o engajamento de milhares de voluntários esquerdistas e comunistas que vieram de todas as partes (53 nacionalidades) para formar as Brigadas Internacionais (38 mil homens) para lutar pela defesa da República.

O fim da guerra e consequenciais

Após quase três anos de conflito bélico, a Guerra Civil Espanhola considerada uma das mais violentas e cruéis da história, terminou com a vitória dos falangistas que conseguiram derrubar o Governo Republicano do poder. Francisco Franco assumiu o poder em abril de 1939, implantando um regime ditatorial de direita na Espanha.

A superioridade militar do Gen. Franco, a unidade que conseguiu impor sobre as direitas, foi factor decisivo na sua vitória sobre a República;

Em 1938 suas forças cortam a Espanha em duas partes, isolando a Catalunha do resto do país;

Em janeiro de 1939, as tropas do gen. Franco entram em Barcelona e, no dia 28 de março, Madri se rende aos militares depois de ter resistido a poderosos ataques (aéreos, de blindados e de tropas de infantarias), por quase três anos;

As baixas da Guerra Civil oscilam entre 330 a 405 mil mortos, sendo que apenas 1/3 ocorreu na guerra;

Meio milhão de prédios foram destruídos parcial ou inteiramente e perdeu-se quase metade do gado espanhol;

Destruicao de igrejas e casas em várias cidades;

A renda percapita reduziu-se em 30% e fez com que a Espanha afundasse numa estagnação econômica que se prolongou por quase trinta anos.

Referências Bibliográficas

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