Um composto iónico é constituído por iões positivos (catiões) e iões negativos (aniões). Assim, o composto iónico é formado quando estes iões no estado gasoso se atraem electrostaticamente:
Am+(g) + Bn-(g) → AnBm(s)
Durante este processo ocorre a libertação de certa quantidade de energia, de modo que o composto iónico formado é mais estável que os seus iões separados.
A energia libertada quando iões no estado gasoso se atraem para formar 1 mol de composto iónico sólido denomina-se energia reticular (U).
A energia reticular é uma medida quantitativa da estabilidade de um composto iónico. Quanto maior for a energia reticular mais estável é o composto iónico. No entanto, não é possível determinar experimentalmente a energia reticular.
Assim, uma maneira indirecta de determiná-la é através do Ciclo de Born-Haber.
O ciclo de Born-Haber foi desenvolvido pelos cientistas alemães Max Born e Fritz Haber em 1917 e consiste numa série de etapas que mostram como é formado um composto iónico sólido a partir dos seus elementos constituintes.
Consideremos, por exemplo, a reacção entre o sódio metálico e o gás cloro para formar o cloreto de sódio sólido:
Na(s) + ½Cl2(g) → NaCl(s) ; ∆Hf = – 411 KJ/mol
Podemos imaginar este processo ocorrendo através das seguintes etapas:
1a etapa: Sublimação do sódio sólido em vapor de sódio:
Na(s) → Na(g) ∆H1 = + 108 KJ/mol
Durante este processo há absorção de +108 KJ/mol de energia, sendo um processo endotérmico.
2a etapa: Dissociação de ½ mol de Cl2 para formar 1 mol de átomos de cloro:
½ Cl2(g) → Cl(g) ∆H2 = + 121,5 KJ/mol
Durante este processo há absorção de +121,5 KJ/mol de energia, sendo um processo endotérmico.
A energia de dissociação de 1 mol de Cl2 é de 243 KJ/mol, mas aqui estamos a considerar a dissociação de ½ mol de Cl2 pelo que dividimos 243 por 2 que dá 121,5 KJ/mol, que corresponde a energia de dissociação de ½ mol de Cl2.
3a etapa: Ionização de 1 mol de Na(g) para formar 1 mol de iões Na+ no estado gasoso
Na(g) → Na+(g) + 1e– ∆H3 = + 495,9 KJ/mol
Neste processo há absorção de +495,9 KJ/mol de energia que corresponde a primeira energia de ionização do sódio.
4a etapa: Recepção de 1 mol de electrões por 1 mol de átomos de cloro no estado gasoso para formar 1 mol de iões Cl– no estado gasoso
Cl(g) + 1e– → Cl–(g) ∆H3 = – 349 KJ/mol
Durante este processo exotérmico, há libertação de – 349 KJ/mol de energia, que corresponde a afinidade electrónica do cloro.
5a etapa: Combinação de 1 mol de Na+ no estado gasoso com 1 mol de Cl– no estado gasoso para formar 1 mol NaCl sólido.
Na+(g) + Cl–(g) → NaCl(s) ∆H5 = ?
Neste processo há libertação de certa quantidade de energia, a chamada energia reticular, a qual pretendemos calcular.
Efectuando a soma de todas as etapas e simplificando espécies comuns nos reagentes e produtos chegaremos a uma equação global do processo:
Aplicando a Lei de Hess podemos determinar a entalpia global da reacção somando os valores das energias envolvidas em cada uma das etapas deste processo:
∆Hglobal = ∆H1 + ∆H2 + ∆H3 + ∆H4 + ∆H5
A entalpia de formação de NaCl(s) a partir de Na(s) e Cl2(g) conforme vimos acima, é de -411 KJ/mol, que corresponde na realidade a entalpia global deste processo (∆Hglobal = – 411 KJ/mol).
Portanto, como se vê, praticamente todos os valores das energias envolvidas no processo de formação de NaCl(s) são conhecidos uma vez que podem ser determinados experimentalmente, excepto a energia reticular, que é o que pretende-se determinar. Então temos:
∆Hglobal = ∆H1 + ∆H2 + ∆H3 + ∆H4 + ∆H5
– 411 KJ/mol = + 108 KJ/mol + 121,5 KJ/mol + 495,9 KJ/mol – 349 KJ/mol + ∆H5
– 411 KJ/mol = + 376,4 KJ/mol + ∆H5
∆H5 = – 411 KJ/mol – 376,4 KJ/mol
∆H5 = – 787,4 KJ/mol
Portanto, o ∆H5 corresponde a energia reticular do NaCl. Isso significa que durante a combinação de Na+(g) e Cl–(g) para formar 1 mol de NaCl(s) libertam-se – 787,4 KJ/mol de energia. Um valor muito alto, o que explica a alta estabilidade do cloreto de sódio.
Por outro lado, se considerarmos uma outra definição de energia reticular também muito usada que diz:
Energia reticular (U) é a energia necessária para separar iões de 1 mol de um composto iónico em iões na fase gasosa.
Podemos então concluir que para separar Na+(g) e Cl–(g) a partir do NaCl(s) é necessário fornecer no mínimo cerca de 787,4 KJ/mol de energia.
Esquematicamente:
Ciclo de Born-Haber do NaCl