A Pólis, a Cidade-Estado grega, constitui uma unidade variável em termos políticos, possuindo múltiplos formatos que podem ser resumidos em apenas dois, simbolizados por Atenas e Esparta.

A sua origem remonta aos genos, sociedades tribais do inicio do período de povoamento da Grécia, por volta do ano 2.000 a.C., quando povos indo-europeus vindos da Europa Central invadiram a península Balcânica, notadamente helenos, aqueus e eólios.

Os genos eram organizações políticas de viés familiar, daí o termo contemporâneo genética; agregando parentes sanguíneos e gerações reunidas em torno de um patriarca.

Para fortalecer os genos contra constantes disputas por terras e recursos, formaram-se as fratias, lideradas por reis; cujo crescimento populacional, contraposto a um aumento lento do ritmo de produção agrícola, conduziu a uma crise.

A desagregação do geno como unidade política fez aparecer a Cidade-Estado, a partir da união de fratias, compondo a Pólis; cidade fortificada, onde a população rural se reunia em caso de perigo, com estruturas públicas destinadas ao governo, religião e comercio.

No inicio, todas as Pólis eram governadas por reis, que tinham como função o comando do exercito e a realização de cerimonias religiosas; auxiliado por um conjunto de nobres na administração da cidade.

Depois, em algumas Pólis o sistema político evoluiu para o governo de um magistrado por um período de um ano; em outras, o governo foi entregue ao conselho de notáveis também por um prazo de tempo determinado.

Nestes sistemas políticos, as pessoas comuns só podiam optar por literalmente aplaudir ou não as decisões, demonstrando aprovação ou reprovação.

O que, no entanto, evoluiu para uma participação efetiva do cidadão, originando o modelo político ateniense.

A geografia da região onde hoje temos a Grécia contemporânea, repleta de montanhas, com um litoral recortado e cercado por pequenas ilhas, contribuiu para gerar um isolamento inicial entre as cidades.

Algo que, associado com a intensa rivalidade entre as Pólis, impediu a continuidade da evolução do sistema político para a formação do sentimento de nação.

Isto, a despeito do contato com o mar Mediterrâneo facilitar as comunicações, transporte e comercio.

Não obstante, a continuidade da evolução política, da estrutura da Pólis, resultou em uma multiplicidade de modelos, os quais, apesar da variedade, podem ser resumidos a dois simbolizados por Atenas e Esparta.

A Pólis ateniense

Em Atenas surgiu a democracia, em sua forma mais acabada por volta do ano 500 a.C., cujo termo deriva da palavra demo, denominação das camadas populares em oposição a aristocracia, significando literalmente governo do povo.

A cidade foi fundada em uma região de passagem, favorecendo o comercio e a navegação, nomeada em homenagem a deusa da sabedoria,

Inicialmente, vivendo principalmente do cultivo de cereais, a sociedade ateniense estava dividida em quatro estamentos:

  1. Eupátridas, os nobres, guerreiros e grandes proprietários de terras.
  2. Georghois, pequenos agricultores.
  3. Demiurgos, comerciantes e artesãos.
  4. Thetas, trabalhadores assalariados.

Nesta época havia poucos escravos e a política estava subordinada aos reis e aristocracia, reunidos no Areópago, uma assembleia de eupátridas que nomeava Arcantes, responsáveis pela magistratura, zelando pelo cumprimento das leis, ainda de cunho oral.

O aumento do comercio conduziu a concentração de renda, pequenos proprietário rurais se endividaram e acabaram escravizados pelo não pagamento de hipotecas, resultando na reorganização social.

Após inúmeros comícios, greves e choques armados, nasceu uma sociedade formada por cidadãos, em oposição a uma base demográfica em sua maioria formada por escravos, enquanto estrangeiros estavam a margem da estrutura social.

O processo que conduziu a democracia passou pela transição da oralidade para a escrita, com a promulgação de um código de leis escritas promulgado por Dracon, em 621 a.C.

O aristocrata publicou um conjunto de leis que ficou conhecido pelo seu rigor, alguém que roubasse um pedaço de pão seria condenado à morte; cunhando a expressão draconiano para designar medidas rígidas e sem possibilidade de desobediência.

Em 594 a.C., com Atenas a beira de uma guerra interna devido ao processo de endividamento dos georghois – ainda constituindo a maioria da população -, o aristocrata Sólon assumiu o governo, estabelecendo reformas políticas que posteriormente influenciaram todo o mundo Ocidental.

As reformas de Sólon determinaram a divisão social pela renda ao invés do nascimento, criando a sociedade da meritocracia, a qual impera até hoje; fazendo comerciantes e artesãos enriquecidos passarem a pertencer à elite da cidade, junto com grandes proprietários de terras.

O Areópago, o conselho de nobres, foi dividido em dois: Bulé e Eclesia.

A Bulé possuía quatrocentos representantes eleitos, cem para cada tribo que fundou a cidade, referente à antiga divisão social; formulando leis e opinando sobre o governo da Pólis.

A Eclesia era formada por todos os cidadãos da Pólis, instituição a qual eram submetidas às medidas promulgadas pela Bulé para aprovação, não podendo deliberar ou propor mudanças nas decisões, apenas votar sim ou não.

A organização política influenciou, depois, os romanos e, através destes, evoluiu resultando hoje na Câmara dos Deputados e no Senado.

Sólon criou também um tribunal chamado Heliaia, ao qual os cidadãos podiam apelar caso não concordassem com alguma lei ou sentença dos magistrados, o que contemporaneamente originou o Supremo Tribunal.

As reformas geraram insatisfação entre os eupátridas, conduzindo a um período de tirania, um novo modelo político organizativo que precedeu a democracia.

A tirania era um governo ilegítimo, contrário à lei vigente, por isto impopular, não apoiado pela maioria; onde um aristocrata, apoiado por tropas, assumia o papel de tirano, tomando decisões individualmente – sem respeito à vontade de outros, as leis ou a tradição -, pensando, no entanto, no bem do coletivo a longo prazo.

O período da tirania durou pouco menos de cem anos, abrindo caminho para a democracia, foi derrubado em 500 a.C., com a ajuda de tropas espartanas, permitindo a ascensão de Clístenes e a extinção definitiva dos eupátridas e do Areópago.

Clístenes dividiu Atenas em dez tribos, misturando em cada uma elementos dos diversos estamentos sociais.

Por sorteio, determinou a escolha de cinquenta membros de cada tribo para compor a Bulé – então com quinhentos representantes no total -, com mandato de um ano.

A Eclesia continuou agregando todos os cidadãos.

A reforma instituiu remuneração para o exercício de cargos públicos, o que antes não acontecia, para permitir a participação popular dos despossuídos, que precisavam trabalhar para se mater.

Instituiu também que o cargo de juiz podia ser ocupado por qualquer cidadão, mediante eleição; um sistema político que influenciou a magistratura anglo-saxã, a qual funciona assim até hoje.

Em qualquer caso, cargos públicos só podiam ser exercidos por um período de um ano.

Para proteger a democracia da tirania foi criada a lei do ostracismo, qualquer pessoa que fosse considerada uma ameaça para o regime político podia ser exilada por dez anos, sem perda dos bens.

A proposta de ostracismo deveria partir da Bulé, podendo ser efetuada em qualquer época, mas anualmente votada obrigatoriamente pela Eclesia.

A votação dos cidadãos, inicialmente era registrada através de cascas de ostras, depois em pedaços de cerâmica chamados óstratos; da onde deriva o termo ostracismo, hoje significando isolamento politico.

Posteriormente, o crescimento populacional exigiu mudanças – Atenas chegou a ter vinte mil cidadãos -, passando a utilizar sementes ou pedras negras e brancas, depositadas em jarros de cerâmica para registrar sim ou não.

Cada cidadão escolhia a sementes ou pedra de uma cor e depositava no jarro, depois estas eram contadas, referendando a decisão do povo.

A população se reunia uma vez por ano na Ágora, termo que significa local de reunir ou Assembleia, o espaço de reunião dos cidadãos, um amplo espaço aberto rodeado de edifícios públicos, que servia também para feiras comerciais e festejos, que era o centro da Pólis.

Reunido o povo, qualquer um podia indicar um nome para o ostracismo, o mais votado era submetido à aprovação da Bulé e, depois, novamente a votação da Eclecia.

Porém, a Bulé podia indicar um nome para o ostracismo em qualquer época do ano, o qual era submetido à aprovação da Eclesia.

Todo o sistema educacional ateniense estava voltado para a formação da cidadania, em um contexto ligado com o surgimento da filosofia e da pedagogia.

A educação estava centrada na Paidéia, a construção da cultura democrática pela educação, sistematizando o conhecimento através da filosofia.

A palavra deriva de pais (criar os meninos), a partir da qual decorre paidos (criança), de onde temos pedagogo, soma de paidos com agogôs (aquele que conduz), significando literalmente a condução das crianças.

É interessante notar que o conceito de cidadania era, até certo ponto, a rigor, distinto do contemporâneo.

Mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não participavam da política, pois não tinham cidadania.

Apenas os homens adultos livres, nascidos na cidade e descendentes de seus habitantes já presentes ali em gerações anteriores, participavam da vida política da Pólis.

No século V a.C., por exemplo, dentre uma população de quatrocentos mil habitantes em toda a região da Ática, apenas quarenta mil possuíam cidadania em suas respectivas Pólis somadas.

 A Pólis espartana

Esparta representou o sistema político em oposição ao ateniense.

A Pólis espartana foi fundada pelos aqueus, longe do mar, sob influencia da cultura micênica, no ano 1.100 a.C., reduzindo o povo que já habitava o local à servidão.

Para manter o controle sobre a imensa massa de servos, os espartanos, a minoria da população, desenvolveram uma cultura militarizada que tinha como centro o culto ao corpo e a arte da guerra.

A sociedade espartana possuía limitada mobilidade, dividida em três estamentos:

  1. Espartanos, a categoria dominante que possuía um estilo de vida militarizado.
  2. Piriecos, homens livres que exerciam funções remuneradas ou que se dedicavam ao artesanato e comércio, além de pequenos proprietários rurais donos das terras menos férteis, descendentes dos dórios. A origem do termo pirieco é justamente periferia, habitante de terras distantes do centro da Pólis.
  3. Hilotas, originários dos povos que habitavam a região antes da chegada dos aqueus, servos fixos às terras de propriedade dos espartanos, que não podiam ser vendidos ou trocados, constantemente oprimidos e massacrados.

Para manter um controle populacional, um equilíbrio entre estamentos, periodicamente, pelo menos uma vez por ano; os espartanos declaravam guerra aos hilotas, considerados inferiores, quando podiam ser abusados e assassinados sem punição para os agressores.

No restante do tempo, os hilotas, da onde deriva o termo idiota, eram vigiados de perto pela Kriptéia, uma espécie de polícia policia militarizada composta por espartanos.

Tamanha a truculência da Kriptéia que a palavra originou kripta (cripta), significando local de repouso dos mortos.

O regime político em Esparta era de natureza oligárquica, ou seja, poucos participavam das decisões que afetavam a Pólis.

A monarquia evoluiu para uma diarquia, dois reis eram escolhidos entre as duas principais famílias espartanas, comandando o exercito, mas não desempenhando tarefas administrativas.

O controle político da cidade era exercido pela Gerúsia, uma assembleia formada pelos dois reis e pelos anciãos, vinte e oito espartanos com mais de sessenta anos.

A qual era responsável pela instituição de leis, nomeando cinco Éforos, magistrados que aplicavam a justiça, e demais cargos públicos.

As decisões da Gerúsia precisavam ser aprovadas pela Apella, assembleia em que todos os espartanos considerados cidadãos participavam.

Funções públicas só podiam ser ocupadas por cidadãos plenos espartanos, mas o simples nascimento não garantia a cidadania, a qual deveria ser conquistada mediante o mérito e a passagem por etapas com um rígido sistema educacional militarizado.

Ao nascer, a criança era examinada por um grupo de anciãos, constatada deficiência física seria atirada do alto do monte Taigeta para morte.

Aos sete anos os meninos eram separados das mães, passando a viver nas escolas organizadas como quartéis.

Adestravam os corpos em jogos, recebendo instrução militar, sendo submetidos a situações extremas de fome e um rígido código de conduta, que punia infrações com severos castigos físicos e até morte.

Em determinadas épocas do ano eram deixados sem comida e roupas, obrigados a roubar para sobreviver, mas se fossem pegos roubando eram espancados, em alguns casos até a morte.

Até os dezoito anos, os meninos só podiam falar se perguntados, a partir desta idade iniciavam uma fase de transição para a vida adulta; recebendo armas e adquirindo direitos políticos de participação na Apella, ingressando no exercito aos vinte anos.

No entanto, não podiam ocupar cargos administrativos, somente militares.

A partir dos vinte anos até os trinta recebiam permissão para casar, sendo obrigados a desposar uma mulher em um casamento arranjado pelos pais ou avós, permanecendo vivendo em quartéis.

Somente aos trinta anos adquiriam o direito de possuir a própria casa, vivendo com a esposa e a família, não podendo se afastar da cidade sem autorização e sendo obrigados a participar diariamente de um jantar com os companheiros de destacamento militar.

A cidadania plena só era adquirida aos sessenta anos, com a dispensa do serviço militar, quando o cidadão passava a ocupar cargos públicos administrativos, passando a zelar pela conservação das tradições e a educação das crianças e jovens.

O rigor da educação militar cunhou o termo rigidez espartana, significando uma aplicação severa de normas simples que precisam ser seguidas a risca, ao pé da letra, sem espaço para discussão ou debate.

As mulheres não possuíam direito a cidadania, mas também recebiam uma rígida educação desde a infância, sendo treinadas para ser boas esposas e mães de guerreiros.

O que também envolvia a manutenção de um físico saudável, cultivado através de exercícios diários.

Embora as meninas fossem igualmente inspecionadas ao nascer para verificar defeitos físicos, que podiam acarretar no infanticídio, eram criadas junto às mães.

 

Bibliografia

ALFÖLDY, Géza.  A História Social de Roma.  Lisboa: Presença,1989.

ANDERSON, Perry. Passagens da antigüidade ao feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1987.

ARIÉS, Philippe. (Orgs.) História da Vida Privada. Do Império Romano ao ano mil, v. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.