Antecedentes da primeira revolução agrícola

O fim da Idade Média, a Europa já havia conhecido três revoluções agrícolas. Eram elas as revoluções agrícolas do neolítico, antiga e medieval, que geraram três grandes tipos de agricultura: os sistemas de cultivo temporário de derrubada – queimada, os sistemas com alqueive e tracção leve, os sistemas com alqueive e tracção pesada. Do século XVI ao século XIX, a maioria das regiões da Europa foi palco de uma nova revolução agrícola: a primeira revolução agrícola dos tempos modernos, assim denominada por ter-se desenvolvido em estreita ligação com a primeira revolução industrial.

Nas novas rotações, as forragens alternavam-se quase continuamente com os cereais, de modo que as terras cultiváveis passavam a produzir, reunidas, tanto a forragem quanto as pastagens e os campos de ceifa. O desenvolvimento dessas rotações caminhou lado a lado com as criações de herbívoros, que forneciam mais produtos para os animais, força de tracção e esterco. O acréscimo de esterco animal conduziu, por sua vez, a um forte progresso nos rendimentos dos cereais e permitiu até a introdução de outros cultivos nas rotações, cultivos esses mais exigentes em matéria de fertilidade.

Na medida em que se desenvolviam, as novas rotações se enriqueciam de “plantas mondadas” alimentares como é o caso do nabo, o repolho, a batata e o milho ou de plantas industriais como é o caso do linho, o cânhamo, a beterraba açucareira etc. Além disso, a melhoria da alimentação animal e da fertilização dos cultivos permitia iniciar a selecção das raças animais e as variedades de plantas mais exigentes e mais produtivas, capazes de tirar partido de tais melhorias.

Assim, a partir do fim do século XIX, mais da metade da população activa dos países industrializados pode consagrar-se às actividades não agrícolas, mineiras, industriais e de serviços então em pleno desenvolvimento. Esses ganhos de produção e de produtividade puseram fim à crise dos sistemas com alqueive, que surgiu no século XIV e se prolongou até o século XVIII.

A nova revolução agrícola só progrediu na medida em que o desenvolvimento industrial, comercial e urbano permitiu absorver o excedente agrícola comercializável muito importante que ela permitia produzir. Indirectamente, o desenvolvimento da nova agricultura foi também condicionado pela supressão dos obstáculos ao desenvolvimento da indústria, tais quais os monopólios feudais e corporativistas, além da supressão dos obstáculos ao desenvolvimento do comércio, como as alfândegas de província e as concessões locais.

O êxito combinado das revoluções agrícola, industrial e comercial só aconteceu nos países após um vasto conjunto de reformas que instaurava o livre uso da terra, a liberdade de empreender e comercializar, e a livre circulação de pessoas e de bens. Conduzidas pelas monarquias esclarecidas ou constitucionais, ou pelas assembleias revolucionárias, essas reformas ocorreram sob a pressão, muito desigual conforme o país, dos grupos sociais directamente envolvidos como a burguesia, os proprietários da terra e o campesinato.

 Mas foram igualmente preparadas pelos espíritos esclarecidos do Século das Luzes. Testemunhas dos êxitos da agricultura sem alqueive em Flandres e na Inglaterra, agrónomos e economistas (os fisiocratas) assumiram seu papel de teóricos e propagandistas dessa nova agricultura e das reformas necessárias a sua implementação.

Características da primeira revolução agrícola

Redução da lixiviação

Num alqueive de quinze meses, trabalhado três ou quatro vezes, além de frequentemente pastado e pisoteado pelo gado, a vegetação espontânea não podia enraizar-se, densa e profundamente, e produzir uma biomassa significativa, isso se confirmava no caso de um pequeno alqueive de oito a nove meses. A quantidade de minerais fertilizantes que esta magra vegetação espontânea absorvia e fixava era relativamente pequena. Por essa razão, uma parte importante dos minerais da solução do solo não era absorvida e fixada por esta vegetação, e encontrava-se submetida a uma drenagem intensa por ocasião das chuvas de Outono, de inverno e de primavera.

Inversamente, nas novas rotações, as pastagens artificiais e as plantas “mondadas” forrageiras que substituíam o alqueive se desenvolviam rapidamente, num terreno bem-preparado para esse fim. Suas raízes estendiam-se em largura e em profundidade, exploravam intensamente a solução do solo e absorviam grandes quantidades de minerais fertilizantes, que escapavam assim à drenagem e à desnitrificação.

Adubo verde

De resto, não era indispensável que o suplemento de biomassa produzido pelos novos cultivos fosse consumido pelo gado para melhorar a fertilidade do solo. Esta biomassa podia ser directamente enterrada no solo, onde ela constituiria então o que se chama de adubo verde. Desde que fossem tomadas algumas precauções para facilitar sua decomposição (trituração e secagem prévias, enterramento em dois tempos: superficial primeiro e depois mais profundo), o adubo verde não era menos eficiente que o esterco. Ao contrário, permitia evitar as exportações de elementos minerais, pouco importantes, mas reais, que ocorriam através dos produtos da criação, bem como as perdas ocasionadas pelo transporte e pela conservação da forragem e do esterco.

O caso das leguminosas

É necessário acrescentar que quando as leguminosas forrageiras faziam parte das novas rotações, o que era frequente, elas ainda reforçavam muito sensivelmente a fertilidade das terras cultivadas. Com efeito, sabe-se que as leguminosas apresentam a particularidade de abrigar nas nodosidades de suas raízes bactérias fixadoras de nitrogénio, que absorvem o nitrogénio do ar para sintetizar os compostos nitrogenados com os quais a planta se nutre directamente.

Assim, as leguminosas, não ressentindo a falta de nitrogénio, como ocorre com os demais cultivos, podem se desenvolver mais vigorosamente, absorvendo quantidades maiores de minerais fertilizantes de todo tipo. Em resumo, a biomassa produzida era em maior quantidade e as disponibilidades minerais exportáveis pelas colheitas ainda eram acrescidas.

Condições que ditaram o desencadeamento da Revolução Agrícola

Condições jurídicas

O direito de cultivar o alqueive o mais absoluto e frequente desses obstáculos residia no direito dito de “livre pastejo” dos alqueives. Isso não era nada mais do que o direito de cada um deixar seus animais pastarem no conjunto dos alqueives da vizinhança e, em contrapartida a esse direito, cada um era obrigado a abrir seu próprio alqueive ao gado de outrem. Esse direito de uso “comum” marcava de fato o limite do direito de uso “privado” das terras cerealíferas: cada agricultor tinha o direito de trabalhar o solo, de semear e de colher seu grão em “suas” áreas de cultivo, mas uma vez terminada a colheita, essas parcelas caíam no direito comum, e cada um podia, então, levar seus rebanhos para que ali pastassem. O direito de uso do proprietário ou do arrendatário estava longe de ser um direito de uso absoluto, ou seja, um direito de usar e de abusar, privado e exclusivo.

Enquanto essas disposições prevaleceram, ninguém podia cultivar “seu” alqueive, sob pena de ver o fruto de seu trabalho pisoteado e devorado pelo gado de outrem. O único modo de escapar a isso era proibir o uso comum de suas terras, a fim de reservar para si o uso exclusivo e, com isso, a possibilidade de cultivá-las a seu bel-prazer. Essa defesa podia ser imposta pela força de um poderoso, que privava seus vizinhos de seus direitos de uso, mas podia também ser “consentida” pelos vizinhos beneficiados por esse direito às vezes mediante o pagamento de uma taxa. A decisão colectiva de abolição do “livre pastejo” não era vantajosa somente para os grandes produtores, mas o era também para todos os lavradores que desfrutassem de equipamento, gado e terra para se engajar na nova agricultura.

Condições económicas da primeira revolução agrícola

se o duplo movimento de recuo das obrigações colectivas e de progressão da propriedade e do direito de uso privado do solo era uma condição necessária ao desenvolvimento da nova agricultura, isso estava longe de ser uma condição suficiente. Em certas regiões meridionais como a região da Província, onde o direito romano havia deixado algumas marcas, o movimento de apropriação começara muito precocemente, ainda na Idade Média, e, no entanto, ali a agricultura somente se transformou profundamente no século XIX.

Assim, o aumento da demanda de produtos agrícolas, em decorrência da industrialização e da urbanização, aparece como um elemento motor do vasto movimento de desenvolvimento que é a primeira revolução agrícola, enquanto as condições jurídicas, por mais necessárias que fossem, não são nada mais que a supressão de obstáculos institucionais e consuetudinários desse desenvolvimento.

Condições sociais da revolução agrícola

Todavia, essa revolução era de difícil alcance para os pequenos agricultores mal providos de material, de terra e de rebanhos, demasiado pobres para investir, e que frequentemente foram afastados do processo e submetidos ou ao trabalho assalariado ou ao êxodo. Esse foi o caso particular de pequenos camponeses minifundiários da Europa oriental e meridional, marginalizados pelas grandes propriedades latifundiárias. Porém, nessas mesmas regiões, os mestres absentistas dos grandes latifúndios, que tinham a possibilidade de investir de forma mais rentável fora da agricultura, também não realizaram a revolução agrícola. Vejamos mais precisamente em que condições sociais particulares a primeira revolução agrícola ocorreram na Inglaterra, na França e em outros países da Europa.

Propriedade e modo de exploração

A posse privada do solo aparece, em princípio, como um meio de recolher os frutos do trabalho que ali era investido. Assim, para o camponês, o acesso à propriedade era um meio seguro de garantir o benefício de seu próprio trabalho, mas o açambarcamento do solo por alguns era também um meio de se apropriar de uma parte dos frutos também o direito dos grandes e dos menores proprietários de alugar suas terras, mediante pagamento, ou a arrendatários ou a meeiros.

De modo geral, o arrendatário possuía seu equipamento, seu gado e todo o capital necessário para exploração. Alugava do proprietário apenas a terra e os imóveis, cujos usos exigiriam uma renda fundiária em geral fixa, frequentemente em dinheiro, mas que também poderia ser em produtos; Uma renda da terra que variava em função da qualidade das terras e do excedente que se podia obter. Já o meeiro, este, só possuía uma pequena parte do capital de exploração: o proprietário lhe fornecia não só a terra e os imóveis, mas também uma parte do capital, assim como uma parte das despesas correntes da exploração. A renda paga pelo meeiro compreendia então, além da renda fundiária, o pagamento do direito de uso do capital fornecido pelo proprietário, incluindo os juros. Essa renda, ao mesmo tempo fundiária e financeira, era geralmente paga em produtos e proporcional à colheita.

As Consequências da Primeira Revolução Agrícola

globalmente, a primeira revolução agrícola levou à duplicação da produção e da produtividade do trabalho agrícola, com um aumento muito expressivo das disponibilidades alimentares e do excedente agrícola comercializável. No final das contas, esses ganhos condicionaram um aumento da demografia, uma melhoria da alimentação e um desenvolvimento industrial e urbano sem precedentes. Mas o desenvolvimento dos sistemas sem alqueive e a multiplicação dos cultivos e dos rebanhos decorrentes exigiram, primeiramente, muito trabalho suplementar.

O crescimento demográfico e a melhoria da alimentação

Distintamente das revoluções agrícolas anteriores, cujos resultados eram muito grosseiramente estimados, dispõe-se para acompanhar o desenvolvimento da primeira revolução agrícola da Idade Moderna, de registos bastante confiáveis relativos à evolução das superfícies e dos rendimentos dos cultivos, à progressão do tamanho dos rebanhos e de sua produção e ao aumento das populações rurais e urbanas.

A produtividade bruta do trabalho agrícola duplicou. E foi essa duplicação da produtividade agrícola que permitiu à população não agrícola francesa, naquela época, passar de menos de 10 para mais de 20 milhões de pessoas. Uma evolução análoga da produção e da população ocorreu nos países da Europa atingidos pela revolução agrícola, começando pela Inglaterra desde o século XVIII, seguida pela França no século XIX, norte da Itália, Alemanha, países escandinavos etc. De 1750 a 1900, a população do oeste e do centro da Europa passou de aproximadamente 110 para 300 milhões de pessoas.

O progresso industrial e urbano

Pela primeira vez na história, com a primeira revolução agrícola aparece uma agricultura capaz de produzir permanentemente um excedente agrícola comercializável representando mais da metade da produção total.

Pela primeira vez, a agricultura do Ocidente pôde então suprir as necessidades de uma população não agrícola mais numerosa que a população agrícola em si e as actividades de extracção mineral, industriais, comerciais, puderam se desenvolver a ponto de ocupar mais da metade da população activa total. Na agricultura antiga, o excedente agrícola não ultrapassava, em média, 25% da produção e sujeito ainda a uma má colheita nos anos ruins, o excedente era de facto inexistente, o que se traduzia às vezes pelo surgimento de penúria e por uma suspensão das actividades não agrícolas. Ou seja, enquanto o excedente agrícola médio se mantivesse baixo e incerto, como na Idade Média, o desenvolvimento industrial continuava também, não apenas muito limitado, mas ainda bastante frágil.

 

Bibliografia

ANDRADE, Manuel Correia de. Modos de produção agrícola, São Paulo, Ciências Humanas, 1979.

MAZOYER, Marcel, & ROUDART RoudartHistória das agriculturas no Mundo, São Paulo, UNESP. S/d.

MESQUITA, Tierzmann. Geografia e Questão Ambiental. Rio de Janeiro: IBGE, 1993.

OLIVEIRA, Júnior. “História da agricultura através do tempo”. Rio de Janeiro.1989.

ROMEIRO, Juan Ignácio. Questões agrárias: Latifúndio ou agricultura familiar. São Paulo, 1998.

VEIGA, J.E., “O desenvolvimento agrícola: uma visão histórica”. São Paulo, Edusp.