Por: Duarte Augusto Amaral
Antes de mais, importa em primeiro lugar encontrar o significado de anarquismo e em segundo lugar abordar o anarquismo apresentado pelo filósofo. De um modo geral, o anarquismo é uma doutrina que nega a existência a existência de qualquer tipo de hierarquia. O anarquismo epistemológico é uma teoria, tal como anunciamos antes, na qual, Feyerabend combate contra a hegemonia da ciência positivista e suas derivações na teoria do conhecimento, ou seja, nela, o filosofo em abordagem faz critica ao método da ciência.
A ciência é um empreendimento essencialmente anárquico: o anarquismo teorético é mais humanitário e mais susceptível de estimular o progresso do que suas alternativas representadas por ordem e lei (1997: 9).
O método experimental baseado no indutivismo que foi proposto pelos renascentistas e tendo-se auto-afirmado até aos neopositivistas, para Feyerabend, limita o desenvolvimento do conhecimento. Entende ainda que a proliferação de teorias é benéfica para a ciência, ao passo que a uniformidade debilita o poder crítico da mesma. A uniformidade, além disso, ameaça o livre desenvolvimento do indivíduo. Não pode existir uma única metodologia, visto que tudo é falível.
O anarquismo epistemológico preconiza, primeiro o combate contra a hegemonia da ciência, contra hegemonia metodológica, depois defende a existência do pluralismo metodológico e por fim defende a falibilidade metodológico. Feyerabend diz que a ciência pede uma epistemologia anárquica. Ele afirma ainda que a ciência não é mais sacrossanta, isto é, tão superior que não se pode violar.
Segundo o nosso autor, o debate levantado desde os tempos remotos sobre ao conhecimento mais superior entre a ciência e mito terminou sem vencedor. Ou seja, nem os mitos, nem a ciência é superior que o outro. E isso contribuiu para com maior força para o anarquismo epistemológico. O nosso autor diz que se olharmos para o histórico da ciência, iremos perceber que na maioria dos casos, a ciência moderna é mais opaca e muito mais decepcionante do que o foi no renascimento.
Para ele, há condições para violar o método porque o mesmo possui limitações. Daí que ele vai nos trazeres um novo princípio que não limita o progresso científico, o princípio de que tudo vale. Sendo assim, Cabe, por exemplo, recorrer a hipóteses que contradizem teorias confirmadas e/ou resultados experimentais bem estabelecidos. É possível fazer avançar a ciência, procedendo contra-indutivamente (1997: 37). É neste âmbito que vai dizer qualquer ideia, embora antiga e absurda, é capaz de aperfeiçoar nosso conhecimento. Qualquer metodologia, qualquer teoria, qualquer conhecimento pode resolver um determinado problema.
Nenhuma teoria está em concordância com todos os fatos de seu domínio, circunstância nem sempre imputável à teoria. Os fatos se prendem a ideologias mais antigas, e um conflito entre fatos e teorias pode ser evidência de progresso. Esse conflito corresponde, ainda, a um primeiro passo na tentativa de identificar princípios implícitos em noções observacionais comuns (1997: 77).
Tipos de contra-regra
Feyerabend faz um exame de dois tipos de contra regras. O primeiro contra-regra é aquele que nos impele a desenvolver hipóteses que não se ajustam a teorias aceitas e confirmadas. O segundo é aquele nos leva a desenvolver hipóteses que não se ajustam a fatos bem estabelecidos. Os resultados destes contra-regras resultam em dois momentos:
O cientista deve adoptar metodologia pluralista. Compete-lhe comparar ideias antes com outras ideias do que com a experiência e ele tentará antes aperfeiçoar que afastar as concepções que forem vencidas no confronto.
A segunda contra-regra que favorece as hipóteses desajustadas das observações, dos fatos e dos resultados experimentais não necessita de especial defesa, pois não há uma única teoria digna de interesse que esteja em harmonia com todos os fatos conhecidos que se situam em seu domínio. Não há, pois, que indagar se as teorias contra indutivas devem ser admitidas em ciência; a questão é, antes, a de saber se as atuais discrepâncias entre a teoria e os fatos devem ser aprofundadas ou reduzidas, de saber o que se há de com elas fazer.
Feyerabend não pretende substituir o método indutivo pelo contra o método, mas sim pretende levar a todos a tomarem consciência de que que todas as metodologias, inclusive as mais óbvias, têm limitações. Ao combater o método, o autor em abordagem, por um lado, está a a abrir o espaço para o reconhecimento das outras formas de conhecimentos que já se encontravam marginalizados pela ciência moderna, e por outro lado está defender a liberdade do individuo na produção do conhecimento.
Deste ponto de vista humanitário, a visão anarquista de ciência de Feyerabend ganha sustentação porque, no interior da ciência, ele aumenta a liberdade dos indivíduos encorajando a remoção de todas as restrições metodológicas, ao passo que, num contexto mais amplo, ele encoraja a liberdade dos indivíduos de escolher entre a ciência e outras formas do conhecimento (FEYERABEND apud CHALMERS, 1993: 186).
A ciência nesta perspectiva é vista não mais com um saber superior como era antes na época moderna, mas sim um dos saberes dentre os vários. A ciência se aproxima do mito, muito mais do que uma filosofia científica se inclinaria a admitir. A ciência é uma das muitas formas de pensamento desenvolvidas pelo homem e não necessariamente a melhor, ela é falível.
Nem a experiência inicial com o telescópio oferece essas razões. As primeiras observações do céu feitas através de telescópio são vagas, imprecisas, contraditórias e põem-se em conflito com o que todos podem ver a olho desarmado. E a única teoria que teria levado a distinguir entre as ilusões provocadas pelo telescópio e os fenômenos reais foi refutada por testes simples (ibidem: 91).
Para Feyerabend uma ciência que insiste em ser a detentora do único método correto e dos únicos resultados aceitáveis é ideologia e deve ser separada do Estado e, especialmente, dos processos de educação. Cabe ensiná-la, mas tão-somente àqueles que decidiram aderir a essa particular superstição. De outra parte, uma ciência que renuncie a essas pretensões totalitárias deixa de ser independente e autónoma e poderia ser ensinada sob diferentes combinações (mito e cosmologia moderna seria uma dessas combinações, Se observarmos esse principio de anarquismo metodológico, toda teoria e todo o saber passa a ser uma alternativa que possa mudar ou na não, dependendo das circunstâncias.
O conhecimento, concebido segundo essas linhas, não é uma série de teorias coe- rentes, a convergir para uma doutrina ideal; não é um gradual aproximar-se da verdade. É, antes, um oceano de alternativas mutuamente incompatíveis (e, talvez, até mesmo incomensuráveis), onde cada teoria singular, cada conto de fadas, cada mito que seja parte do todo força as demais partes a manterem articulação maior, fazendo com que todas concorram, através desse processo de competição, para o desenvolvimento de nossa consciência. Nada é jamais definitivo, nenhuma forma de ver pode ser omitida de uma explicação abrangente (ibidem: 41).
Relação entre Feyerabend e Lakatos
Feyerabend concorda com duas sugestões que foram defendidas por Lakatos na da teoria da ciência. A primeira sugestão é a de que a metodologia deve conceder espaço livre para as ideias que desejam examinar. Depois de surgir uma teoria nova, não cabe, de imediato, recorrer aos padrões costumeiros para decidir se ela sobreviverá ou não. No que se refere a aferições metodológicas, importa a evolução da teoria no decurso de longos períodos de tempo e não sua configuração em um particular momento.
A segunda sugestão que Feyerabend compactua com Lakatos é a de que os padrões metodológicos não são imunes à crítica, cabe examiná-los, aprimorá-los, substituí-los por melhores padrões. O exame não é abstracto, mas faz uso de dados históricos. Os dados históricos desempenham papel decisivo no embate entre metodologias rivais. Esta segunda sugestão separa Feyerabend e Lakatos dos lógicos, para os quais recorrer à História é usar método de paupérrima eficácia e para os quais a metodologia deve actuar com base apenas em modelos simples.
A divergência surge quando Lakatos tenta no sentido de erigir metodologia que não emite ordens mas coloca restrições a nossas actividades ampliadoras de conhecimento. É neste contexto que Feyerabend vai dizer que a filosofia daquele só se afigura liberal porque é um anarquismo disfarçado. Os seus padrões que são abstraídos a partir da ciência moderna, não podem ser vistos como árbitros imparciais na pendência entre a ciência moderna e a ciência aristotélica, o mito, a mágica, a religião, entre outros. Ou seja, a metodologia de Lakatos ainda valoriza a superioridade da ciência em relação a outros tipos de saberes.
Bibliografia
CHALMERS, ALAN F. O que é ciência afinal?. Tradução: Raul Filker. [s. l.], Brasiliense, 1993.
Feyerabend, Paul. Contra o método. Tradução de Octanny S. da Mata Leonidas Hegenberg. Rio de Janeiro, S.A., 1997.