Por: Daniel Ngovene
 

FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE 

Nasceu a 15 de outubro de 1844 em Rõcken, localidade próxima a Leipzig.  Ludwig, seu pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avós eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em seguir a mesma carreira. Em 1849, seu pai e seu irmão faleceram; por causa disso a mãe mudou-se com a família para Naumburg, pequena cidade às margens do Saale, onde Nietzsche cresceu, em companhia da mãe, duas tias e da avó.

Criança feliz, aluno modelo, dócil e leal, seus colegas de escola o chamavam "pequeno pastor"; com eles criou uma pequena sociedade artística e lite­ rária, para a qual compôs melodias e escreveu seus primeiros versos. Em 1858, Nietzsche obteve uma bolsa de estudos na então famosa escola de Pforta, onde haviam estudado o poeta Novalis e o filósofo Fichte (1762-1814).

Datam dessa época suas leituras de Schiller (1759-1805), Hõl­ derlin (1770-1843) e Byron (1788-1824); sob essa influência e a de alguns professores, Nietzsche começou a afastar-se do cristianismo. Excelente alu­no em grego e brilhante em estudos bíblicos, alemão e latim, seus autores favoritos, entre os clássicos, foram Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456 a.C.). Durante o último ano em Pforta, escreveu um trabalho sobre o poeta Teógnis (séc. VI a.C.).

Partiu em seguida para Bonn, onde se dedicou aos estudos de teologia e filosofia, mas, influenciado por seu professor pre­dileto, Ritschl, desistiu desses estudos e passou a residir em Leipzig, de­dicando-se à filologia. Ritschl considerava a filologia não apenas história das formas literárias, mas estudo das instituições e do pensamento.

Nietzs­che seguiu-lhe as pegadas e realizou investigações originais sobre Diógenes Laércio (séc. lll}, Hesíodo (séc. VIII a.C.} e Homero. A partir desses tra­balhos foi nomeado, em 1869, professor de filologia em Basiléia, onde permaneceu por dez anos. A filosofia somente passou a interessá-lo a partir da leitura de O Mundo como Vontade e Representação, de Schopenhauer (1788-1860).

Nietzsche foi atraído pelo ateísmo de Schopenhauer, assim como pela posição essencial que a experiência estética ocupa em sua fi­losofia, sobretudo pelo significado metafísico que atribui à música. Em 1867, Nietzsche foi chamado para prestar o serviço militar, mas um acidente em exercício de montaria livrou-o dessa obrigação. Voltou então aos estudos na cidade de Leipzig. Nessa época teve início sua ami­zade com Richard Wagner (1813-1883), que tinha quase 55 anos e vivia então com Cosima, filha de Liszt (1811-1886).

Nietzsche encantou-se com a música de Wagner e com seu drama musical, principalmente com Tristão e Isolda e com Os Mestres Cantores. A casa de campo de Tribschen, às margens do lago de Lucerna, onde Wagner morava, tornou-se para Nietzs­che lugar de "refúgio e consolação". Na mesma época, apaixonou-se por Cosima, que viria a ser, em obra posterior, a "sonhada Ariane".

Em cartas ao amigo Erwin Rohde, escrevia: "Minha Itália chama-se Tribschen e sin­to-me ali como em minha própria casa". Na universidade, passou a tratar das relações entre a música e a tragédia grega, esboçando seu livro O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música. o FILÓSOFO E o MúSICO

Em 1870, a Alemanha entrou em guerra com a França; nessa ocasião, Nietzsche serviu o exército como enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu, contraindo difteria e disenteria. Essa doença parece ter sido a origem das dores de cabeça e de estômago que acompanharam o filósofo durante toda a vida. Nietzsche restabeleceu-se lentamente e voltou a Ba­siléia a fim de prosseguir seus cursos.

Em 1871, publicou O nascimento da Tragédia, a respeito da qual se costuma dizer que o verdadeiro Nietzsche fala através das figuras de Scho­penhauer e de Wagner. Nessa obra, considera Sócrates (470 ou 469 a.C.-399 a.C.) um "sedutor", por ter feito triunfar junto à juventude ateniense o mundo abstrato do pensamento.

A tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da "embriaguez e da forma", de Dioniso e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência "decadente" de Sócrates. Assim, Nietzs­che estabeleceu uma distinção entre o apolfneo e o dionísfaco: Apolo é o deus da clareza, da harmonia e da ordemDioniso, o deus da exuberância, da desordem e da música. Segundo Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre si, foram separados pela civilização.

Nietzsche trata da Grécia antes da separação entre o trabalho manual e o intelectual, entre o cidadão e o político, entre o poeta e o filósofo, entre Eros e Logos. Para ele a Grécia socrática, a do Logos e da lógica, a da cidade-Estado, assinalou o fim da Grécia antiga e de sua força criadora. Nietzsche pergunta como, num povo amante da beleza, Sócrates pôde atrair os jovens com a dialética, isto é, uma nova forma de disputa (ágon), coisa tão querida pelos gregos.

Nietzsche responde que isso aconteceu porque a existência grega já tinha perdido sua "bela imediatez", e tomou-se necessário que a vida ameaçada de dissolução lançasse mão de uma "razão tirânica", a fim de dominar os instintos contraditórios. Seu livro foi mal acolhido pela crítica, o que o impeliu a refletir sobre a incompatibilidade entre o "pensador privado" e o "professor pú­blico". Ao mesmo tempo, exasperava-se com seu estado de saúde: dores de cabeça, perturbações oculares, dificuldades na fala. Interrompeu assim sua carreira universitária por um ano.

Mesmo doente foi até Bayreuth, para assistir ã apresentação de O Anel dos Nibelungos, de Wagner. Mas o "entusiasmo grosseiro" da multidão e a atitude de Wagner embriagado pelo sucesso o irritaram. Terminada a licença da universidade para que tratasse da saúde, Nietzsche voltou ã cátedra. Mas sua voz agora era tão imperceptível que os ouvintes deixaram de freqüentar seus cursos, outrora tão brilhantes.


Em 1879, pediu demissão do cargo. Nessa ocasião, iniciou sua grande crítica dos valores, escrevendo Humano, Demasiado Humano; seus amigos não o compreenderam. Rompeu as relações de amizade que o ligavam a Wagner e, ao mesmo tempo, afastou-se da ffiosofia de Schopenhauer, recusando sua noção de "vontade culpada" e substituindo-a pela de "vontade alegre"; isso lhe parecia necessário para destruir os obstáculos da moral e da metafísica.

O homem, dizia Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e vê neles algo de "transcendente", de "eterno" e "verdadeiro", quando os valores não são mais do que algo "humano, demasiado humano". Nietzsche, que até então interpretara a música de Wagner como o "renascimento da grande arte da Grécia", mudou de opinião, achando que Wagner inclinava-se ao pessimismo sob a influência de Schopenhauer.

Nessa época Wagner voltara-se para o cristianismo e tornara-se devoto. Assim, o rompimento significou, ao mesmo tempo, a recusa do cristianismo e de Schopenhauer; para Nietzsche, ambos são parentes porque são a manifestação da decadência, isto é, da fraqueza e da negação. Irritado com o antigo amigo, Nietzsche escreveu:

Não há nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o mundo no reino do espírito, que não tenha encontrado secretamente abrigo em sua arte; ele dissimula o mais negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele acaricia todo o instinto niilista (budista) e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda expressão religiosa de decadência". 

Em 1880, Nietzsche publicou O Andarilho e sua Sombra: um ano depois apareceu Aurora, com a qual se empenhou "numa luta contra a moral da auto-renúncia". Mais uma vez, seu trabalho não foi bem acolhido por seus amigos; Erwin Rohde nem chegou a agradecer-lhe o recebimento da obra, nem respondeu à carta que Nietzsche lhe enviara. Em 1882, veio à luz A Gaia Ciência, depois Assim falou Zaratustra (1884), Para Além de Bem e Mal (1886), O Caso Wagner, Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche contra Wagner (1888).

Ecce Homo, Ditirambos Dionisíacos, O Anticristo e Vontade de Potência só apareceram depois de sua morte. Durante o verão de 1881, Nietzsche residiu em Haute-Engandine, na pequena aldeia de Silvaplana, e, durante um passeio, teve a intuição de O Eterno Retorno, redigido logo depois. Nessa obra defendeu a tese de que o mundo passa indefinidamente pela alternância da criação e da des­truição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. De Silvap lana, Nietzs­che transferiu-se para Gênova, no outono de 1881, e depois para Roma, onde permaneceu por insistência de Frãulein von Meysenburg, que pre­tendia casá-lo com uma jovem finlandesa, Lou Andreas Salomé.

Em 1882, Nietzsche propôs-lhe casamento e foi recusado, mas Lou Andreas Salomé desejou continuar sua amiga e discípula. Encontraram-se mais tarde na Alemanha; porém, não houve a esperada adesão à filosofia nietzschiana e, assim, acabaram por se afastar definitivamente. Em seguida, retomou à Itália, passando o inverno de 1882-1883 na baía de Rapallo.     

Em Rapallo, Nietzsche não se encontrava bem instalado; porém, "foi durante o inverno e no meio desse desconforto que nasceu o meu nobre Zaratustra". No outono de 1883 voltou para a Alemanha e passou a residir em Naumburg, em companhia da mãe e da irmã. Apesar da companhia dos familiares, sentia-se cada vez mais só. Além disso, mostrava-se muito con­trariado, pois sua irmã tencionava casar-se com Herr Forster, agitador anti-semita, que pretendia fundar uma empresa colonial no Paraguai, como reduto da cristandade teutônica. Nietzsche desprezava o anti-semitismo, e, não conseguindo influenciar a irmã, abandonou Naumburg.

Em princípio de abril de 1884 chegou a Veneza, partindo depois para a Suíça, onde recebeu a visita do barão Heinrich von Stein, jovem discípulo de Wagner. Von Stein esperava que o filósofo o acompanhasse a Bayreuth para ouvir o Parsifal, talvez pretendendo ser o mediador para que Nietzsche não publicasse seu ataque contra Wagner. Por seu lado, Nietzsche viu no rapaz um discípulo capaz de compreender o seu Zara­tustra. Von Stein, no entanto, veio a falecer muito cedo, o que o amargurou profundamente, sucedendo-se alternâncias entre euforia e depressão.

Em 1885, veio a público a quarta parte de Assim falou Zaratustra; cada vez mais isolado, o autor só encontrou sete pessoas a quem enviá-la. Depois disso, viajou para Nice, onde veio a conhecer o intelectual alemão Paul Lanzky, que lera Assim falou Zaratustra e escrevera um artigo, publicado em um jornal de Leipzig e na Revista Européia de Florença. Certa vez, Lanzky se dirigiu a Nietzsche tratando-o de "mestre" e Nietzsche lhe res­pondeu: "Sois o primeiro que me trata dessa maneira".

Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas estranhas. Um ano mais tarde, em Turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas ora assinando "Dioniso", ora "o Crucificado" e acabou sendo internado em Basiléia, onde foi diagnosticada urna "paralisia progressiva". Provavelmen­ te de origem sifilítica, a moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia. Nietzsche faleceu em Weimar, a 25 de agosto de 1900.

CRONOLOGIA 

    • 184-4 Em Rõcken, Prússia, a 15 de outubro, nasce Friedrich Nietzsche. 
    • 1869 - Torna-se professor de filologia clássica na Universidade de Basiléia. 
    • 1872 - Publica O Nascimento da Tragédia no Espirito da Música. 
    • 1874 - Nasce Arnold Schõnberg. 1875 - Nasce Thomas Mann.
    •  1878 - Nietzsche publica Humano, Demasiado Humano.
    •  1883 - Morre Richard Wagner. 
    • 1884 - Publicação de Assim falou Zaratustra, de Nietzsche. 
    • 1888 - Nascimento de Thomas Stearns Eliot. 
    • 1889 -Surge o Ensino sobre os Dados Imediatos da Consciência, de Bergson. 
    • 1890 - Leão XIII promulga a Catholicae Ecclesiae, sobre a abolição da escravatura. 
    • 1891 - Husserl publica a Filosofia da Aritmética. 
    • 1896 - Freud utiliza, pela primeira vez, o termo psicanálise. 
    • 1898 - Nasce Bertolt Brecht.
    •  1899 - Freud termina a Interpretação dos Sonhos. 
    • 1900 - Em Weimar, a 25 de agosto, morre Nietzsch

BIBLIOGRAFIA 

NIETZSCHE, F.: Obras Completas, Aguilar Editor, Buenos Aires, 1950. DELEUZE, G.: Nietzsche et la Philosophie, Presses Universitaires de France, Paris, 1962. 

DELEUZE, G.: Nietzsche in Cahiers de Royaumont, Éditions Minuit, Paris, 1967. FINK, E.: La Philosophie de Nietzsche, Editions Minuit, Paris, 1965. 

GRANIER, J.: Le Probleme de la Verité dans la Philosophie de Nietzsche, Éditions du Seuil, Paris, 1966. I<LossoWSKY, P.: Nietzsche et 1e Cercle Vicieux, Mera,u-e de France, Paris, 1%9. 

HEIDEGGER, M.: Chemins qui ne Menent nulle Part. Gallimard, Paris, 1962. HOLLINGDALE, R. G.: Nietzsche: the Man and his Philosophy, Baton Rouge, 1965. 

MORGAN, G. A.: What Nietzsche Means, Cambridge, 1941. }ASPERS, K.: Nietzsche, Berlim, 1936. WAHL, J.: La Pensée Philosophique de Nietzsche des Années 1885-1888, Cours de Sorbonne, Paris, 1960.