. Fontes dos Direitos Fundamentais

. Características dos Direitos Fundamentais

. Funções dos Direitos Fundamentais

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Fontes dos Direitos Fundamentais

  1. A Lei
  • O próprio conceito de direito fundamental aponta para a sua positivação no texto Constitucional, sendo, regra geral, necessária a sua inclusão na lei constitucional.
  • As leis e outros diplomas legislativos são também da máxima importância para a implementação dos direitos fundamentais.
  • 1º: Normas positivadas em leis ordinárias podem estabelecer normas de direitos fundamentais. Tal é fruto da abertura do sistema dos direitos fundamentais estabelecida no artigo 42.º da CRM, segundo o qual os “direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis”.
  • Quando os direitos fundamentais são previstos nas leis, possuem um carácter extra-constitucional e são classificados como direitos só materialmente fundamentais.
  • 2º: A própria Constituição faz referência à necessidade da regulamentação por lei de vários padrões de direitos fundamentais. Este é o caso do direito à liberdade de reunião e de manifestação (artigo 51º), liberdade de associação (artigo 52º, nr 2), formação de partidos políticos (artigo 75º, nr 4), direito de acção popular (artigo 81, nr 1), do direito à objecção de consciência (artigo 54º, nr 5), do direito à liberdade de expressão e informação (artigo 48º, nr 6), direito à greve (artigo 87º, nr 1), do direito à saúde (artigo 89º).
  • 3º: As leis podem ainda estabelecer o sistema para a implementação de um certo direito fundamental, assim como as instituições responsáveis para a sua execução. Por exemplo, o direito fundamental ao sufrágio previsto no artigo 73º da Constituição é implementado no contexto das eleições, através de uma gama de actos legislativos, nomeadamente, leis eleitorais (legislação que estabeleça e regule órgãos da administração eleitoral e seus actos), leis que criam a base legal para a constituição de partidos políticos.

 

  1. Costumes
  • Os Costumes podem ser também considerados como fontes imediatas do Direito em Moçambique em virtude do seu reconhecimento Constitucional (artigo 4º) e da regulamentação do seu valor jurídico pelo Código Civil (artigo 3º).
  • Portanto, por vezes, poderá haver uma relação de confronto entre os usos costumeiros e os direitos fundamentais, se os primeiros forem contrários à lei (direito à igualdade nos costumes tradicionais moçambicanos).

 

  1. Jurisprudência e Doutrina
  • A jurisprudência e a doutrina são fontes indiretas ou mediatas do Direito em Moçambique. A competência do Tribunal Supremo e do Conselho Constitucional na uniformização da jurisprudência ilustra, por exemplo, a função importante da jurisprudência na interpretação e concretização do Direito, ao ponto de a jurisprudência chegar a ter um efeito de força obrigatória interna para os tribunais.
  • A utilização da doutrina é um instrumento de grande valia no processo judicial de interpretação das normas. Em Moçambique, a existência de doutrina é ainda limitada, não existindo volumes de estudos científicos sobre o Direito aplicado à realidade do país, incluindo na área dos direitos fundamentais. Há, no entanto, alguns exemplos de juristas de outras jurisdições que se debruçaram sobre questões jurídicas de Moçambique, prestando, assim, apoio ao desenvolvimento de uma doutrina nacional. Como consequência desta realidade, revela-se frequente o uso da doutrina Portuguesa pelos nossos tribunais, em especial o Conselho Constitucional. Entre os principais autores da doutrina Portuguesa utilizados por este tribunal, na área dos direitos fundamentais, incluem-se Gomes Canotilho, Vital Moreira e Jorge Miranda.

 

Características dos DF

Como já exposto, a compreensão do conceito dos direitos fundamentais e dos direitos humanos apoia-se em uma análise das suas características e classificações. As principais características dos direitos fundamentais são: fundamentabilidade, inalienabilidade, indivisibilidade, interdependência e interrelação:

  1. Fundamentalidade: estes direitos representam questões essenciais para o ser humano, no que respeita à sua existência e à sua autonomia. Eles contêm uma natureza de necessidade, não representando somente aspectos desejáveis. São direitos inerentes à própria noção de pessoa humana, como direitos básicos das pessoas;
  2. Inalienabilidade: o carácter de inalienabilidade é um dos mais proeminentes dos direitos fundamentais. Esta característica refere-se à permanência e à indisponibilidade destas garantias, significando que estas garantias não podem ser retiradas, excepto em certas circunstâncias e de acordo com os procedimentos aplicáveis (vide artigos 72 e 290 e ss da CRM). Por seu turno, o seu titular não pode dispor abdicar delas. Estes direitos extinguem-se somente com a morte do titular.
  3. Interdependentes e Interrelacionados: esta característica relaciona-se principalmente com a implementação destas garantias, provendo que o gozo de um direito tem impacto no gozo de outro direito. Estas relações encontram aplicação tanto nos direitos económicos, sociais, e culturais como nos direitos civis e políticos.

 

Funções dos Direitos Fundamentais

Gomes Canotilho (2007) vem à nossa assistência identificando quatro funções primordiais dos direitos fundamentais (que representam também funções dos direitos humanos): (I) função de não-discriminação; (II) função de defesa ou liberdade; (III) função de prestação social; e (IV) função de protecção perante terceiros. A funcionalidade dos direitos fundamentais, como veremos, encontra-se directamente relacionada com as categorias e classificações dos mesmos.

  1. Função de não-discriminação - enraiza-se na visão de igualdade que se encontra no seio do conceito dos direitos fundamentais. Esta função primária e básica visa assegurar que o Estado trate todos sob sua jurisdição como indivíduos fundamentalmente iguais. A função de não-discriminação aplica-se aos direitos fundamentais e aos direitos humanos de todas as categorias, nomeadamente, os civis e políticos, bem como os sociais, económicos e culturais;
  2. Função de Defesa - está proximamente relacionada com a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes estatais. Esta função é bem acentuada nos direitos, liberdades e garantias pessoais (normalmente categorizados como direitos civis e políticos no âmbito internacional). A função de defesa dos direitos fundamentais é tanto de carácter negativo como positivo, refletindo, respetivamente, planos jurídicos objectivos e subjetivos. Na perspetiva negativa da função de defesa, os direitos fundamentais constituem normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo a sua ingerência na esfera jurídica individual protegida pelos direitos fundamentais. Esta perspectiva negativa encontra-se lado a lado com uma positiva, em que o indivíduo, enquanto titular de direitos fundamentais, detém o poder de exercer positivamente os seus direitos e de exigir a não-interferência dos poderes públicos de forma a evitar agressões lesivas àqueles direitos. A proibição de censura ao exercício da liberdade de expressão, por exemplo, contida no artigo 48 (CRM), captura claramente a função de defesa dos direitos fundamentais, em que o Estado não deve censurar uma publicação e, caso o faça, o autor possui o poder de exigir o término a tal censura; o direito de não acatar ordens ilegais ou que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias (artigo 80º, CRM)
  3. Função de Prestação Social - esta pode ser resumida como a capacidade dos indivíduos, por virtude da titularidade dos direitos fundamentais, de obter algo através do Estado, como por exemplo, saúde, educação e segurança social. Esta função é normalmente servida pelos direitos económicos, sociais e culturais. Apesar de ainda existir algum debate sobre o alcance da efectividade destes direitos, a função de prestação social prevê uma dimensão objectiva juridicamente vinculativa, obrigando os poderes públicos ao desenvolvimento e execução de políticas sociais activas propensas à criação de instituições (por exemplo, hospitais e escolas), serviços (por exemplo, serviços de segurança social) e ao fornecimento de prestações (por exemplo, salário mínimo, subsídio de desemprego, bolsas de estudo, habitações económicas);
  4. Função de protecção perante terceiros - incorpora o significado de que os direitos fundamentais também possuem uma função capaz de ultrapassar a relação indivíduo-Estado. Canotilho explica que “da garantia constitucional de um direito, resulta o dever do Estado de adoptar medidas positivas destinadas a proteger o seu exercício diante de actividades perturbadoras ou lesivas dos direitos praticados por terceiros”. Esta função condiciona o Estado à criação de normas reguladoras de relações jurídico-civis capazes de garantir a observância dos direitos fundamentais na relação entre indivíduos (esta questão é também denominada de aplicação horizontal dos direitos fundamentais). Por exemplo, é a função de protecção perante terceiros que determina o dever do Estado de regulamentar o casamento de uma forma a assegurar a igualdade entre os cônjuges, de estabelecer um sistema de segurança pública para salvaguardar o direito à vida e à integridade física, entre outros.