Breve historial Constitucional de Moçambique
De acordo com Ribeiro,Lucia (2018)
“A História politica e a história constitucional não se confundem, pois a primeira visa instituições politicas do passado, inclusive de comunidades pré estaduais, ao passo que a segunda cura das mesmas instituições, mas tao somente a partir do momento em que uma determinada comunidade decidi auto regular-se juridicamente sob forma de estado, outorgando-se, assim, uma constituição quer em sentido material, quer em sentido formal, que serve desde seu estatuto jurídico-político”.
Dai que, sem se confundirem as perspetivas peculiares de uma outra, seja possível afirmar que a história constitucional moçambicana tem o seu início no dia 25 de junho de 1975, com a proclamação da independência total e completa do povo moçambicano, tornando-se assim um Estado soberano.
O poder de elaborar normas fundamentais da sociedade e de Moçambique independente, decorre do Acordo de Lusaka, instrumento jurídico fundamental considerado como reconstituição, constituição provisoria ou constituição revolucionaria, pelo seu valor político histórico e jurídico, perante a comunidade nacional e internacional.
O acordo de Lusaka, antecedeu a constituição definitiva da República de Moçambique e nele consta o regime de elaboração e aprovação da constituição formal e da estruturação do poder politico ate a proclamação da independência total e completa de moçambique, bem como o regime de transição a vigorar com a função de preparar a independência e a erradicar as sequelas do regime colonial português.
A luta de libertação nacional teve início no dia 25 de setembro de 1964 e terminou no dia 7 de setembro de 1974, foi longa e durou 10 anos, durante este período de conquista de poder pela Frelimo foi surgindo nas zonas libertadas, a ideia de direito, tendo em conta que nas zonas libertadas em que autoridade administrativa do Estado colonial foi sendo substituída pela autoridade política administrativa do movimento de libertação, a Frelimo que estabeleceu uma nova organização, estruturação, criou novas instituições públicas e definiu direitos e deveres das populações, bem como as atribuições e competências dos órgãos e a forma da sua constituição.
A Constituição da República de Moçambique de 1975, em parte adoptou a experiência da vida das populações nas zonas libertadas.
Por conseguinte, a constituição moçambicana de 1975 decorre da revolução desencadeada pelo povo moçambicano, sob a direcção do movimento de libertação a FRELIMO.
Antes da proclamação da independência de Moçambique vigora a constituição portuguesa de 11 de abril de 1933, na ex província de Moçambique.
Em 25 de Junho de 1975, proclamou-se a independência, e Moçambique, tornou-se num Estado soberano, sob a direcção da Frelimo, Frente de Libertação de Moçambique.
5. Estudo das Constituições que vigoram em Moçambique
Neste título irei abordar sobre a Constituição da Republica Popular de Moçambique (1975), a Constituição da Republica de Moçambique de 1990, Constituição de 2004 e de 2018.
5.1 A Constituição da Republica Popular de Moçambique de 1975
Esta é a primeira constituição e foi profundamente marcada pela revolução da euforia pós-independência, nasce de enormes expectativas e da convicção de que seria possível alcançar o bem-estar social para todo povo moçambicano.
Com a declaração em 1977, no terceiro congresso da Frelimo como um partido Marxista-leninista, esta constituição instituiu uma democracia popular com a pretensão de estabelecer uma nova sociedade, livre de exploração do homem pelo homem, marcando o seu caracter popular que se pretendia ao consagra na vanguarda da revolução os operários e camponeses unidos e dirigidos pelos órgãos de poder popular conforme descrevia no seu art.2 “ Na Republica Popular de Moçambique o poder pertence aos operários e camponeses unidos e dirigidos pela FRELIMO”2.
O modelo de democracia popular na constituição estava intrinsecamente ligado a opção pelo modelo socialista, que foi introduzido com a revisão constitucional de 1978.
Do ponto de vista estruturante do Estado, previa-se os seguintes órgãos:
Ribeiro, L.L (2020). Fiscalização Concreta da Constitucionalidade no Direito Moçambicano. Editora: Escolar,p.124 e 125.
A Assembleia Popular, órgão supremo Estado e o mais alto órgão legislativo, com funções legislativo- parlamentar;
O Presidente da Republica, chefe de Estado, por inerência o Presidente da FRELIMO, com funções politico –representativas;
O Conselho de Ministros, presidido pelo Presidente da Republica e composto por Ministros e Vice- Ministros, com funções executivas;
Os Tribunais, com a função jurisdicional, encimados pelo Tribunal Popular Supremo3.
5.2 Constituição da República de 1990
Após instituída a Constituição da República Popular de Moçambique, o Estado passou por um conflito que opôs o Governo/FRELIMO e a RENAMO, o qual só terminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz. 4 de Outubro de 19924.
Foi assim que em 1990 a Assembleia Popular aprovou a 2 de Novembro de 1990 e com o início de vigência a 30 do mesmo mês, passando de Republica Popular a República de 1990, após este longo processo.
Esta constituição trouxe um novo conceito de governação tendo sido alterados os princípios estruturantes, regime politico, princípios caracterizadores da forma de governo e da organização politica em geral e princípios da organização económica e social
A Constituição entrou em vigor em 30 de novembro de 1990, inserindo os princípios do estado de direito democrático e pluralista, eleições gerais e livres, garantias da autonomia e da liberdade dos cidadãos e do sistema de economia de mercado livre, no lugar de socialista de inspiração marxista-leninista e do inerente sistema de economia centralmente planificada.
Portanto, a constituição de 1990 marcou a viragem do Estado revolucionário para o Estado de direito democrático e social. Consagra-se também, o princípio da descentralização através da institucionalização de órgãos locais e o poder de decisão próprios, composto por órgãos representativos e órgãos executivos5.
Outra conquista importante nesta constituição é quanto ao sistema político introduziu-se o sistema multipartidário, exprimindo no seu artigo 2“Que a vontade do povo deve prevalecer”.
3 Gouveia, J.B (2015). Direito Constitucional de Moçambique. Lisboa LDiP,p.115
4 Idem, p.120
5 P.139.
Estabelece também, o princípio de separação e interdependia de poderes no seu artigo134.
5.3 Constituição da República de 2004
Esta constituição entrou em vigor no dia da proclamação dos resultados eleitorais das eleições de gerais de 2004.
Esta constituição apesar de reafirmar e aprofundar e desenvolver os princípios fundamentais do estado moçambicano, como consta do seu preâmbulo, é uma constituição pretensamente distinta da constituição de 1990 do ponto de vista formal e instrumental.
A primeira diferença com a constituição de 1990 encontra-se no artigo 2 que foram acrescentados dois números 3 e 4, o numero 3 descreve que o “’estado subordina-se a constituição e finda-se na legalidade” e no n. 4 do mesmo artigo “ que as normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico”6.
Realça o conceito de Estado de direito no artigo 3, onde descreve elementos caracterizadores desse Estado de Direito, nomeadamente, o pluralismo de expressão, a organização democrática e o respeito dos direitos e liberdades fundamentais plasmados na mesma constituição e, por via dela, através do seu art.43, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
Esta constituição difere também da constituição de 1975, na medida em que o artigo 2 plasma a soberania, o artigo. 73 descreve as formas de exercício do poder politico e os órgãos no artigo 133 que não existiam na constituição de 1975.
Ainda, na Constituição de 1975 soberania pertencia a uma certa classe social (operários e camponeses), mas em 2004 passou a pertencer ao povo.
5.4 Constituição de 2018
A revisão constitucional de 2018, respeitou e manteve os princípios estruturantes da constituição de 2004, designadamente:
A unidade nacional e unicidade do estado;
Princípio do estado de direito democrático;
6 Ribeiro, L.L (2020). Fiscalização Concreta da Constitucionalidade no Direito Moçambicano. Editora: Escolar,p.148.
Os direitos, liberdade e garantias fundamentais dos cidadãos;
Princípio da descentralização administrativa;
A forma republicana do governo e o actual sistema de governo;
É reafirmado o princípio do sufrágio universal, pessoal, directo e periódico, para a eleição dos titulares dos órgãos electivos a todos níveis;
É constitucionalizado o princípio do gradualismo, no processo de descentralização;
É reafirmado o princípio da tutela do estado sobre os órgãos descentralizados;
O caracter pluralista do estado;
A laicidade do estado7.
5.4.1 Alterações e inovações
Esta constituição supriu o capítulo pertinente aos órgãos locais do estado;
O capitulo atinente aos governos provinciais, deixando de existir os governos províncias e distritais;
O capítulo respeitante ao poder local;
5.4.2 Ao nível da descentralização
Foram instituídos três níveis de entidades descentralizadas nomeadamente:
Órgãos de governação descentralizada provincial, que compreende o governador de província, o conselho provincial e a assembleia provincial’;
Órgãos de governação descentralizada distrital que compreendem o administrador de distrito, conselho distrital e a assembleia distrital;
Autarquias locais que compreendem o presidente da autarquia, o conselho autárquico e a assembleia autárquica
Os órgãos de governação descentralizada provincial, distrital e órgãos autárquicos gozam de autonomia administrativa e financeira.
Ao nível da província foi criado o órgão de secretário de estado para a província, o qual tem a funcão de assegurar a realização das funções exclusivas e de soberania do estado que são objeto do processo de descentralização, sendo nomeado pelo presidente da República
Ao nível do distrito foi criada a figura do representante do estado no distrito.
7 Disponível em: www.cipd.pt/revista/rjb/2021, por Edson da Graça Francisco Macuácua.
8 Idem.
As assembleias provinciais passaram a estar sujeitas à tutela administrativa do estado9.
5.4.3 No domínio do sistema eleitoral
O governador de província e o administrador de distrito passam a ser eleitos, foi introduzido um novo modelo de eleição por via de cabeça de lista para eleição do governador provincial, administrador de distrito e presidente da autarquia local.
5.4.4 No domínio dos princípios estruturantes
Foi introduzido o princípio da subsidiariedade
5.4.5 Quanto ao sistema de governo nos órgãos descentralizados
Passou a ser parlamentar pois antes era presidencial, poisos governadores, administradores e presidentes das autarquias não são eleitos individualmente.
Assim, as assembleias provinciais e distritais passam a dispor de um poder regulamentar próprio10.
5.4.6 Quanto ao funcionamento dos órgãos
Caso a assembleia não aprove os principais instrumentos de governação o plano e orçamento, diferente do modelo anterior em qua havia apenas a queda da assembleia e a convocação de eleições para a eleição apenas dos membros da assembleia no modelo actual, não havendo aprovação do plano e do orçamento verifica-se a queda de todos órgãos autárquicos e a convocação de novas eleições e os novos órgãos eleitos não da continuidade do mandato anterior, iniciam um novo ciclo, uma nova legislatura11.
9 Ibidem.
10 Disponível em: www.cipd.pt/revista/rjb/2021, por Edson da Graça Francisco Macuácua
11 Idem.
6. Conclusão
Durante a presente pesquisa falou- se da história constitucional de Moçambique que apesar de se confundir com a história politica, estas são diferentes. Ocorrem diversas razoes históricas que levaram a criação e vicissitudes constitucionais, desde revoluções a acordos.
Ainda, olhando para o panorama histórico constitucional ficou claro que Moçambique possui três constituições (19975,1990,2004), perfazendo quatro com a actual Constituição de 2018. Importa referir que a Constituição de 1975 encontrava-se fortemente influenciada pelo regime socialista, e a Constituição de 1990 veio romper com a estatuição da democracia e respeito pelos direitos, liberdades do cidadão, a Constituição de 2004 reafirma esses direitos enfatizando o Estado de Direito democrático e os órgãos do poder politico, onde prevalece o principio da separação e interdependência.
A Constituição de 2018, manteve todos os princípios estruturantes, trazendo um novo o princípio da subsidiariedade.
Altera a deposição dos órgãos descentralizados criando uma nova figura o Secretario de Estado e dos poderes de autonomia e independência financeira, estes órgãos passam a ser eleitos e não nomeados.
Assim, conclui que cada constituição representa um momento da história politica e social do Estado Moçambicano.
7. Referências Bibliografias
7.1 Manuais
Gouveia, J.B. (2015) Direito Constitucional de Moçambique. Editora: IdiLP.
Ribeiro, L.L (2020). Fiscalização Concreta da Constitucionalidade no Direito Moçambicano. Editora: Escolar.
7.2 Sites
URL: www.cipd.pt/revista/rjb/2021
7.3 Legislação
Constituição da Republica Popular de Moçambique de 1975 (25 de Junho de 1975);
Constituição da Republica de 1990 (2 de Novembro de 1990);
Constituição da Republica de 2004 (22 de Dezembro de 2004);
Constituição da República de Moçambique (Lei n°. 1/2018, de 12 de Junho