Introdução

A hermenêutica jurídica é uma disciplina essencial no estudo do Direito, pois se debruça sobre os métodos e princípios que orientam a interpretação das normas jurídicas. É através dela que se busca compreender o verdadeiro sentido e alcance das expressões legais, tornando-se uma ferramenta fundamental para a aplicação justa e eficaz do Direito. Neste contexto, a distinção entre hermenêutica jurídica e interpretação jurídica se torna crucial, delineando a teoria e sua aplicação prática.

A compreensão da hermenêutica jurídica é indispensável para a formação dos futuros profissionais do Direito. Ela proporciona as bases teóricas necessárias para a interpretação das normas legais, capacitando os estudantes a enfrentar os desafios práticos da aplicação do Direito em diferentes contextos. Por isso a realização deste trabalho torna-se relevante, pois ajudará a pesquisadora a consolidar seus conhecimentos no âmbito da hermenêutica e interpretação jurídica.

Socialmente, este trabalho é importante porque a correcta interpretação das leis é fundamental para garantir a justiça e a equidade nas relações jurídicas, estas que estão sujeitas às diferentes transformações sociais que têm ocorrido em nossa sociedade. Assim, uma hermenêutica jurídica bem fundamentada contribui para a segurança jurídica, promovendo a estabilidade das instituições e o respeito aos direitos individuais e colectivos dos cidadãos.

 

Objectivos

Geral: Analisar os fundamentos e as práticas da hermenêutica jurídica, destacando sua importância, regras e espécies.

 

Específicos:

  1. Apresentar a distinção entre hermenêutica jurídica e interpretação jurídica, elucidando suas relações e interdependências.
  2. Explicar as diferentes regras hermenêuticas, suas origens e suas contribuições para o processo interpretativo no Direito.
  3. Caracterizar as principais técnicas de interpretação jurídica.

Metodologia

A metodologia adotapda para este trabalho será a pesquisa bibliográfica, baseada na análise de obras académicas e manuais de Direito relevantes sobre hermenêutica jurídica e temas correlatos. Essas fontes garantem a fundamentação teórica necessária para a elaboração de uma introdução abrangente sobre o tema proposto.

 

 

HERMENÊUTICA JURÍDICA

 

  1. Hermenêutica jurídica e interpretação jurídica

“A hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito” (Maximiliano apud Magalhães, 2013, p. 43). Assim sendo, a hermenêutica jurídica aparece como uma disciplina de carácter metodológico para o Direito.

No âmbito do Direito, existe um conceito intimamente relacionado ao de hermenêutica jurídica, a saber: o conceito de interpretação jurídica. Vilas-Bôas (2003), Magalhães (2013) e Bastos (2002) apontam para uma possível confusão entre ambos os conceitos, e indicam formas de distingui-los.

Para Vilas-Bôas (2003), a hermenêutica jurídica se configura como a ciência que estuda os métodos e princípios que norteiam a interpretação do direito. “A hermenêutica jurídica tem por objeto a interpretação do Direito. Hermenêutica não é interpretação. [A hermenêutica] é uma teoria que pensa a interpretação e lhe dita as regras do acontecer” (Magalhães, 2013, p. 46).

A interpretação jurídica, por sua vez, consiste no acto concreto de aplicar os métodos hermenêuticos a um caso específico. É o processo de extrair o sentido e alcance de uma norma jurídica para solucionar uma controvérsia ou regular uma situação concreta (Vilas-Bôas, 2003). “A interpretação é um processo cognitivo de apreensão de sentido, orientado pela hermenêutica. A interpretação do Direito tem por objeto as normas jurídicas ou a conduta em interferência intersubjetiva” (Magalhães, 2013, p. 46).

A partir dos argumentos expostos compreende-se que a distinção entre hermenêutica jurídica e interpretação jurídica é possível e relevante. A hermenêutica fornece a base teórica para a interpretação jurídica, enquanto a interpretação é a aplicação prática dessa teoria a um caso concreto. Por exemplo:

  • Imaginemos um juiz diante de um caso que envolve a aplicação de uma lei ambiental. A hermenêutica jurídica o auxiliaria a entender os princípios e valores que norteiam o direito ambiental, os métodos adequados para interpretar leis ambientais e a intenção do legislador ao criar essa lei específica. Já a interpretação jurídica consistiria na análise concreta da lei em questão, considerando os factos do caso, as provas apresentadas e os argumentos das partes, para determinar qual o seu significado e alcance no contexto específico do processo.

 

  1. Regras de hermenêutica jurídica e suas relevâncias

Magalhães (2013) menciona três categorias principais de regras hermenêuticas: as legais, as jurisprudenciais e as doutrinárias. A seguir, abordaremos cada uma dessas regras, uma vez que desempenham um papel específico no processo interpretativo e na integração do ordenamento jurídico.

 

  • Regra legal

A regra hermenêutica legal encontra seu fundamento nas próprias leis, sendo a fonte primária para a interpretação jurídica (Magalhães, 2013). Ela se manifesta de diversas formas, como directrizes gerais para a interpretação do ordenamento jurídico, como a analogia, os princípios gerais do Direito e a hierarquia das normas, os códigos e leis específicas que tratam de áreas particulares do Direito, como o Código Civil ou o Código Penal (que também contêm regras hermenêuticas, muitas vezes implícitas na própria estrutura e linguagem da lei).

 

  • Regra jurisprudencial

A regra hermenêutica jurisprudencial se origina das decisões dos tribunais, sedimentando-se ao longo do tempo como precedentes a serem seguidos por outros juízes (Magalhães, 2013). Essa tradição judicial, também conhecida como “direito jurisprudencial”, possui grande relevância na interpretação do Direito, pois:

  • Reflecte a aplicação prática das normas: As decisões judiciais demonstram como as leis são interpretadas e aplicadas em casos concretos, oferecendo exemplos práticos da hermenêutica em acção.
  • Promove a uniformidade do Direito: A jurisprudência dominante, quando consolidada, contribui para a uniformidade das decisões judiciais, evitando divergências e garantindo a previsibilidade do Direito.
  • Adapta o Direito à realidade social: Através da jurisprudência, os tribunais podem adaptar a aplicação das normas às novas realidades sociais, garantindo que o Direito esteja em constante evolução e atenda às demandas da sociedade.

 

  • Regra doutrinária

“As regras doutrinárias ou científicas são criadas pela ciência do Direito através das obras dos juristas e dos pareceres dos jurisconsultos, merecendo destaque as que aparecem nos comentários e tratados” (Magalhães, 2013).

O supracitado significa que a regra hermenêutica doutrinária nasce dos estudos e reflexões de juristas e especialistas em Direito, expressas em livros, artigos e outras obras doutrinárias. Essa contribuição da ciência jurídica à hermenêutica se dá através de:

  • Análise crítica das normas: Vilas-Bôas (2003) explica que os doutrinadores analisam criticamente as leis, buscando identificar suas falhas, ambiguidades e contradições, contribuindo para a aprimoramento do ordenamento jurídico.
  • Elaboração de teorias e princípios: Através da pesquisa e do estudo aprofundado do Direito, os doutrinadores elaboram teorias e princípios que orientam a interpretação das normas, oferecendo novas perspectivas para o Direito.
  • Sistematização do conhecimento jurídico: A doutrina jurídica sistematiza o conhecimento jurídico, organizando-o em temas e áreas específicas, facilitando o acesso à informação e a compreensão do Direito.

Monteiro (2007) lançou as seguintes regras de hermenêutica doutrinária:

  • Preferência pela interpretação que faz sentido em detrimento daquela que não faz.
  • Prioridade para a inteligência que melhor se alinha com a tradição do direito.
  • Afastamento de interpretações que conduzam ao vago, ao inexplicável, ao contraditório ou ao absurdo.
  • Consideração do que geralmente acontece na sociedade ao interpretar as leis.
  • Igualdade de tratamento: onde a lei não faz distinção, o intérprete também não deve fazê-lo.
  • Interpretação restritiva de leis excepcionais ou especiais.
  • Flexibilidade na interpretação de leis sociais, considerando não apenas a lógica, mas também o contexto social.
  • Restritividade na interpretação de normas fiscais.
  • Consideração do contexto em que o dispositivo legal será aplicado, pois o sentido da norma pode ser influenciado pelo seu lugar dentro do ordenamento jurídico.

 

  1. Espécies de interpretação jurídica

Existem diversas técnicas interpretativas no Direito. Cada qual com seus objectivos e características específicas. Abaixo, detalhamos as principais espécies de interpretação jurídica segundo Magalhães (2013) e Streck (1999).

Interpretação gramatical: Concentra-se na análise da linguagem literal do texto legal, buscando o sentido das palavras e frases conforme as regras gramaticais. É o ponto de partida para qualquer interpretação, mas deve ser ponderada com outros métodos para evitar leituras simplistas e descontextualizadas.

Interpretação lógica: Examina a coerência interna do texto legal, buscando identificar falhas lógicas, contradições ou ambiguidades. Visa garantir que a norma faça sentido dentro de seu próprio contexto e não gere absurdos ou conflitos.

Interpretação sistemática: Analisa a norma dentro do conjunto do ordenamento jurídico, buscando harmonizá-la com outras normas e princípios. Leva em consideração a hierarquia das normas e os princípios gerais do Direito, evitando interpretações que gerem conflitos normativos.

Interpretação filológica: Investiga a origem e o significado histórico das palavras utilizadas no texto legal, buscando compreender a intenção original do legislador. É útil para desvendar termos arcaicos ou com significados alterados ao longo do tempo.

 

 Conclusão

A hermenêutica jurídica emerge como uma disciplina fundamental no contexto do Direito, fornecendo os fundamentos teóricos e metodológicos necessários para a interpretação das normas legais. Ao longo deste trabalho, exploramos as nuances da hermenêutica jurídica, analisando sua relação com a interpretação jurídica, suas regras e técnicas interpretativas, bem como sua importância tanto no âmbito académico quanto social.

Destacamos a distinção entre hermenêutica jurídica e interpretação jurídica, ressaltando que enquanto a primeira se configura como uma disciplina de carácter metodológico, a segunda consiste no processo concreto de aplicação dos métodos hermenêuticos a casos específicos.

Ao abordar as regras hermenêuticas, evidenciamos sua relevância para o processo interpretativo, destacando as fontes primárias (legais), jurisprudenciais e doutrinárias. Cada uma dessas regras desempenha um papel específico na interpretação das normas legais, contribuindo para a harmonização e integração do ordenamento jurídico.

Por fim, exploramos as principais técnicas interpretativas no Direito, tais como a interpretação gramatical, lógica, sistemática e filológica, cada uma com suas características e objectivos específicos. Essas técnicas constituem ferramentas essenciais para o intérprete jurídico na busca pelo verdadeiro sentido e alcance das normas legais.

 

Referências bibliográficas

Bastos, C. R. (2002). Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3ª ed., São Paulo: Celso Bastos Editor.

Magalhães, G. B. (2013). Curso de Hermenêutica Jurídica. 5ª ed., São Paulo: Atlas.

Monteiro (2007). Curso de Direito Civil: Parte geral. Vol. 1. 41ª ed., São Paulo: Saraiva.

Streck, L. L. (1999). Hermenêutica Jurídica E(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

Vilas-Bôas, R. M. (2003). Hermenêutica e Interpretação Jurídica – hermenêutica constitucional. Brasília: Fundação Universa.