AS DIRECÇÕES DIVERGENTES DA EVOLUÇÃO DA VIDA EM HENRI BERGSON


 

    1. Origens e Evolução da Vida



As causas da origem da vida conforme a conhecemos hoje, devem-se a dois agentes: a resistência que a vida experimenta por parte da matéria bruta e a força explosiva que a vida carrega em si. Antes de prosseguir na análise destas duas causas, é importante apresentar o conceito de vida segundo a filosofia de Bergson. Neste sentido, “a vida manifestada por um organismo é, ao nosso ver, um certo esforço para obter certas coisas da matéria bruta” (BERGSON, 2005: 148).

A matéria bruta é um obstáculo para a vida. Segundo Bergson (2005, 108), a vida contornou esse obstáculo através da força da humildade, tornando-se muito pequena e atraente, consentindo partilhar a mesma aventura das forças químicas e físicas, de modo que não é possível distinguir se os fenómenos observados nas formas mais elementares da vida ainda são físicos e químicos ou se já são vitais.

As primeiras formas de vida eram demasiado simples se comparadas com as formas actuais. Para que pudessem crescer, afirma Frédéric Worms (2011: 207), tiveram que duplicar suas células que, por sua vez, seriam duplicadas em outras que duplicariam outras e assim por diante, permitindo a divisão de funções das células. Esta célula era responsável por realizar todas as funções do organismo. Com o crescimento do organismo através da divisão das células, surge um funcionamento complexo, onde cada célula é designada a realizar funções específicas. Entretanto, as causas reais e profundas dessa divisão eram aquelas que a vida carregava em si.

A natureza tem um número incalculável de vidas. De acordo com Bergson (2006: 97), ela conserva as diversas tendências que se espalharam no seu crescimento e cria, a partir delas, séries divergentes de espécies que evoluem separadamente. O movimento geral da vida cria linhas divergentes e formas sempre novas de via.

 

    1. A Bifurcação Evolutiva da Vida em Plantas e Animais



A vida, tanto animal quanto vegetal, conforme cogitada por Bergson, deriva de um ancestral comum, que representa o germe da vida. Conforme pode ser visto na afirmação a seguir: “[…] tudo nos faz supor que o vegetal e o animal descendem de um ancestral comum que reunia, em estado nascente, as tendências de ambos” (BERGSON, 2005: 123). Desse ancestral comum, houve uma bifurcação no seu processo evolutivo, tendendo em duas direcções divergentes, mas complementares.

Uma parte desse ancestral preferiu adormecer no torpor, isto é, na imobilidade, satisfazendo-se com alimentos retirados de suas proximidades, retirando da terra, da água e do ar. Esta parte do ancestral evoluiu para aquilo que hoje conhecemos como plantas. A outra parte, assinala Worms (2011: 241), preferiu mover-se para encontrar nutrição e, por vezes, não encontrando, alimentava-se de outros fragmentos que preferiram igualmente moverem-se. Esta parte evoluiu até culminar em animais. Nessa marcha evolutiva, alguns animais, não encontrando seus nutrientes, desenvolveram gostos por outros animais. Outros, preferiram alimentar-se das plantas, que representam o outro polo do ancestral comum na marcha evolutiva.

 

    1. A Proporcionalidade enquanto Critério de Distinção entre o Animal e o Vegetal



Segundo Bergson (2006: 98), não há uma característica precisa que distingue a planta do animal. Não há nenhuma propriedade da vida vegetal que não tenha sido reencontrada, em algum grau, em certos animais, nem um traço característico do animal que não se tenha observado em certas espécies, ou em determinados momentos, no mundo vegetal.

Quer seja na alimentação, na locomoção ou na consciência, tanto plantas quanto animais possuem essas características em grau maior ou menor. Há plantas que se alimentam de animais, como as plantas carnívoras. Há plantas que realizam movimentos diariamente, como os girassóis. Tendo plantas que realizam movimentos, infere-se que as mesmas necessitam de algum grau de consciência para tal.

Bergson (2005: 115) propõe uma distinção entre o reino animal e vegetal baseada nas proporções das características manifestadas em ambos, mostrando que tais proporções não são acidentais, pelo contrário, cada reino, à medida que evoluía, tendia cada vez mais a enfatizar essas características particulares. Numa palavra, o grupo não será mais definido pela posse de certas características, mas por sua tendência a acentuá-la. Neste sentido, pode-se dizer que a locomoção é mais acentuada nos animais do que nas plantas, assim como a alimentação baseada em outros animais, bem como a consciência.

 

    1. As Vias Divergentes da Evolução Animal



O interesse do animal estava em tornar-se mais móvel. Com a mobilidade foi desenvolvido no animal um sistema nervoso. Neste contexto, toda a evolução do reino animal “se realizou em duas vias divergentes, uma das quais ia para o instinto e a outra para a inteligência” (BERGSON, 2005: 146). Lembrando que para distinguir o animal do vegetal foi usado o critério da proporcionalidade, agora em relação ao instinto e a inteligência, não será usado o mesmo critério, pois a diferença entre eles não é uma diferença de proporcionalidade, mas de natureza.

As vidas animais e vegetais se opõem e se completam. Igualmente, a inteligência e o instinto se opõem e se completam. Nenhum deles é superior ao outro, isto é, não se podem hierarquizar porque não são coisas da mesma ordem. Na sua origem, segundo Bergson (2006: 138), ambos convergem em um ponto comum: nenhum dos dois se encontra jamais em estado puro. Não há inteligência sem vestígios de instinto, não há instinto, sobretudo, que não esteja circundado por uma porção de inteligência. Ambos só se acompanham porque se completam, e só se completam porque são diferentes.

“A inteligência visa em primeiro lugar fabricar” (BERGSON, 2006: 137). A inteligência fabrica instrumentos inorganizados, não-naturais. Ao passo que o instinto usa os instrumentos naturais, tais como os órgãos dos sentidos, etc. Para se chegar a uma diferença essencial entre o instinto e a inteligência, afirma Bergson (2005: 158), é necessário analisar os pontos de aplicação da inteligência e do instinto. No instinto, o conhecimento é apenas implícito. Por exemplo, quando dois animais acasalam, não significa que aprenderam a acasalar, que tenham memórias de como é feito o acto ou que um outro animal os tivesse instruído. Os animais acasalam como se já soubesse como acasalar. Este é um conhecimento que se exterioriza em manobras precisas em vez de se interiorizar em consciência.

O conhecimento inato do instinto é sobre coisas, ao passo que o conhecimento inato da inteligência é sobre relações, em outras palavras, a inteligência, no que tem de inato, é o conhecimento de uma forma, o instinto implica o de uma matéria.

CONCLUSÃO


Com o desenrolar do trabalho notou-se que o movimento evolutivo da vida não tem apenas uma direcção, mas várias. A vida explodiu e fragmentou-se em indivíduos e espécies, agrupados em dois grandes reinos. A fragmentação e sua dispersão em várias espécies prende-se a duas séries de causas: a resistência que a vida experimenta por parte da matéria bruta e a força explosiva que a vida carrega em si. Ao adoptar a matéria bruta, a vida manifestou-se em organismos físicos, procurando sempre realizar um certo esforço para obter certas coisas da matéria bruta.

A vida, tanto animal quanto vegetal, conforme foi apresentado, deriva de um ancestral comum, que representa o germe da vida. Uma parte desse ancestral preferiu adormecer na imobilidade, satisfazendo-se com alimentos retirados de suas proximidades. Esta parte do ancestral evoluiu para as plantas. A outra parte, procurando cada vez mais mover-se, desenvolveu um sistema nervoso, evoluindo para aquilo que hoje chamamos de animais.

Tendo o mesmo ponto de origem, a distinção entre o animal e o vegetal é deveras difícil. A melhor maneira de distingui-los, conforme mostrou-se, é através da proporção das características que cada um apresenta. Ao passo que um apresenta a estaticidade como sua característica mais acentuada, o outro acentua sua característica na mobilidade. Esta divergência de características mostra que as plantas e animais evoluíram em direcções divergentes. Porém, complementam-se. Ambos convivem no mesmo habitat, alimentando-se e ajudando-se mutuamente. Os animais respiram o oxigénio descartado pelas plantas, e as plantas são fertilizadas pelas fezes dos animais, etc.

No reino animal, a evolução seguiu também duas vias divergentes, mas complementares. Os animais desenvolveram instinto e inteligência. Nenhuma destas características deve ser tida como superior em relação a outra. Ambas se entrelaçam e complementam-se, pois não há inteligência sem vestígios de instinto; similarmente, não há instinto que não esteja marcado de um grau de inteligência. Há coisas que apenas a inteligência é capaz de procurar, mas que, por si mesma, não encontrará nunca. Essas coisas, apenas o instinto as encontraria; mas não as procurará nunca.

BIBLIOGRAFIA


BERGSON, Henri. (2005). A Evolução Criadora. São Paulo, Martins Fontes.

__________. (2006). Memória e Vida. São Paulo, Martins Fontes.

WORMS, Frédéric. (2011). Bergson ou os Dois Sentidos da Vida. São Paulo, Unifesp.