O conceito de sociedade civil, usado pelas teorias do contrato social para designar a sociedade que surge do Estado de natureza através de um contrato, adquire um novo sentido nas obras de Hegel.

A sociedade civil é contraposta ao Estado e à família, e estas três "esferas" tomar-se-'ão os três momentos da vida ética. As razões para esta mudança no significado devem ser encontradas nas novas realidades que surgiram na ascensão do capitalismo, às quais Hegel reagiu de maneira crítica. Estas novas realidades eram:

1. Individualismo. Com a ascensão do comércio e da indústria burgueses, o indivíduo tomou-se cada vez mais preocupado com seus interesses privados.

Assim, o interesse particular foi acentuado e oposto, por um lado, aos interesses particulares de outros indivíduos e, por outro lado, ao interesse comum. Por causa da necessidade de atender ao interesse comum e assim evitar uma completa fragmentação da sociedade, a diferenciação entre o público e o privado tomou-se uma característica da sociedade "moderna".

Como salienta Hegel, "a criação da sociedade civil é a realização do mundo modemo".

Esta sociedade civil não existiu no passado: "No Estado da antigiiidade, o objetivo do sujeito simplesmente coincidia com a vontade do Estado. Nos tempos modernos, entretanto, nós reivindicamos julgamento privado, vontade e consciência privadas. Os antigos não tinham nenhuma dessas reivindicações, no seIl' tido moderno; o fundamental para ele era a vontade do Estado."

2. Aumento da desigualdade. A dinâmica do mercado tende a aumentar as diferenças em bens, colocando as massas em perigo de inanição: "Este poder condena uma multidão a uma vida dura, à apatia no trabalho e na pobreza para que os outros possam acumular fortunas."

Estas realidades levaram Hegel a estabelecer uma nova noção de sociedade civil.

O que Hobbes viu no Estado de natureza, ou seja, "bellum omnium contra omnes", é exatamente o que Hegel viu na sociedade civil da tradição da Lei natural (Locke, Hooker): um reino de competição, de homens hostis a outros homens, a primazia do interesse privado, particular.

Hegel é explícito quanto a isso: "Na sociedade civil cada membro tem em sua pessoa o seu próprio fim, o resto não é nada para ele ( ... ). Os indivíduos, na sua competência de cidadãos, neste estado da sociedade civil, são pessoas privadas cujos fins são seus próprios interesses ( ... ) A sociedade civil é o campo de batalha onde o interesse privado individual de cada um encontra os interesses dos outros."

No entanto, no pensamento de Hegel, a sociedade civil não deve ser confundida com o Estado, como aparece nas teorias da lei natural: "Se o Estado é representado como uma unidade de pessoas diferentes, como uma unidade que é somente uma sociedade, então fala-se de sociedade civil apenas."

Ao contrário, o Estado é a "realidade da idéia ética", o momento da universalidade, do comum, onde a atomização e fragmentação da sociedade civil é transcendida, onde os homens tornam-se unidos num só corpo.

O Estado é o mais alto momento da vida ética, onde o universal e o particular se reconciliam, onde reinam a solidariedade e a identidade, onde o homem está pronto a se sacrificar pelo bem dos outros. Contudo, deve-se notar que o Estado não exclui a sociedade civil: "Os interesses particulares não devem, de fato, ser postos de lado ou completamente suprimidos; ao contrário, devem ser postos em correspondência com os interesses universais e, desse modo, tanto os particulares como os universais são mantidos."

A sociedade civil é também um momento de vida ética; o Estado contém e transcende a sociedade civil: "O Estado é real e sua realidade consiste nisso: o interesse do todo é realizado em e através de objetivos particulares."