De Burke e Hume a Kant, de Schiller e Nietzsche a Merleau-Ponty, a apresentação da experiência estética como originada em uma atitude de pura contemplação distanciada e absorta, na qual abandonamos a atitude comum e cotidiana que adotamos como sujeitos de ação (como sujeitos que agem no mundo de forma racionalmente planejada, perseguindo objetivos e interesses individuais), tornou-se quase que um lugar-comum na Estética.

Mas em nenhum pensador a oposição entre essas duas atitudes aparece de forma mais marcada e explícita (ou pelo menos mais interessante) do que em Schopenhauer.

Segundo este pensador alemão, a essência de todas as coisas e de nós mesmos é aquilo que ele chamou de Vontade. Esta força propulsora que move todas as coisas se manifesta nos seres humanos como um desejar inestancável e nunca satisfeito.

Um querer infinito, sobre o qual não temos controle, nos lança continuamente em direção ao mundo e às coisas que o compõem, de modo que tão logo alcancemos um objeto desse querer, já outro objeto se apresenta tomando o lugar do primeiro e nos mantendo presos às malhas do desejo.

Ora, todo desejo provém de uma carência, de uma falta, e, por isso causa sofrimento e é expressão do sofrimento. Viver, portanto, é, em essência, sofrer. Só podemos escapar a esse sofrimento – cuja cessação interpretamos como prazer – quando, de alguma maneira, o império da Vontade não mais tem poder sobre nós, quando conseguimos parar de desejar. Isto acontece, por exemplo, durante a contemplação estética da beleza.

Esta contemplação se instaura quando deixamos de considerar um objeto através do Intelecto, que nada mais é que um instrumento da Vontade. Pelo Intelecto, consideramos um objeto segundo suas relações com todos os outros e com o todo do mundo; como uma coisa individual entre outras coisas individuais.

Já na contemplação estética, toda a nossa atenção se concentra em um único objeto: apenas ele ocupa nossa consciência, como se só ele existisse e nos hipnotizasse a ponto de esquecermos, ou deixarmos de lado, as relações causais e espaço-temporais pelas quais ele se liga à realidade empírica.

E assim como em nossa contemplação o objeto “se destaca” de suas relações com o mundo, nós também nos destacamos das relações pelas quais nosso querer nos liga a esse mundo. Pois é pelo Intelecto que nos situamos no meio das coisas e nos afirmamos como um eu independente e separado do mundo.

Mas é precisamente esse eu individual que está constantemente a desejar e a sofrer por isso. Quando o Intelecto cede lugar à contemplação estética, abandonamos nossa individualidade para sentirmos profundamente nossa ligação essencial com o todo.

Com isso, abandonamos também nossa vontade individual, que é a fonte de nosso sofrimento. A beleza é então o bálsamo que nos liberta e nos alivia do martírio do querer.