Sócrates, vida e obra
 
Sócrates nasceu em 469 a. C. em Atenas de pai escultor e mãe parteira. Era um homem robusto, não se abatia facilmente com o trabalho, andava descalço em todas as estações, mas não ostentava beleza. Muito moderado na comida e bebida, mas em desafio saia sempre vencedor e sem nenhuma consequência. Casou-se com Xantipa e teve filhos, tal como Platão nos apresenta no “Fedon”. Na infância dos seus estudos filosóficos, entusiasmou-se com Anaxágoras e outros pré-socráticos com os quais mais tarde se desiludiu. Quando era jovem conheceu pessoalmente Parmênides.
Participou em muitas campanhas militares e ganhou fama de corajoso. Em 406 mostrou-se justo ao recusar o voto na condenação de oito comandantes derrotados em Arginusa e mais tarde na condenação de morte de Leão de Salamina.
 
Sócrates não deixou obra escrita, mas sua filosofia foi-nos conservada por seus discípulos, em larga medida por Platão. Alcibíades, no “Banquete” de Platão, resume sua supina personalidade, afirmando que era impossível comparar Sócrates com um homem, seja entre os vivos ou entre os mortos; que talvez, se se pudesse compará-lo, que fosse com um dos deuses.
Mesmo assim, sua reputação não brilhava aos olhos de todos. Aristófanes, comediógrafo, o descreveu como um corrupto sem inteligência, um aventureiro que queria fazer ciência com a cabeça nas nuvens. Outros pensadores o consideram como um outro modo de sofista com uma única diferença: Sócrates não cobrava nada.
 
Certo dia, a sacerdotisa do templo de Delfos, em nome do deus Apolo, pronunciou um oráculo (espécie de profecia) segundo o qual Sócrates era o homem mais Sábio do seu tempo. Sócrates procurou entender tal oráculo e concluiu que sim, ele era o mais sábio porque só ele se reconhecia ignorante. Daí a célebre frase: “só sei que nada sei”, que por sua vez passou a ser vista como um bilhete de identidade para todo o filósofo.
Quando Sócrates tinha 70 anos de idade, foi acusado de impiedade e corrupção da juventude. Enfrentou o tribunal com serenidade fazendo sua auto-defesa, contada na obra de Platão, “A apologia de Sócrates”. Condenado a morte executada por ele mesmo ao beber a cicuta, Sócrates viu vantagem nisso, pois acreditava que na sua condição (de filósofo) a morte era o maior presente, pois passaria no convívio com os deuses.
 
Muitíssimas coisas tem a se dizer sobre Sócrates o que tentaremos com muita paciência fazê-lo. Contanto que esteja ligado, pois na próxima intervenção falaremos da diferença tão questionada por todos, isto é, a diferença existente entre Sócrates e os sofistas.
 

Sócrates e os Sofistas

 
Sabemos que SÓCRATES nada escreveu, mas que sua personalidade e filosofia foi-nos conservadas pelos seus discípulos, na frente dos quais estava Platão. Já sobre os SOFISTAS, deles não nos restam senão fragmentos e também testemunhos indiretos, em grande medida, não dos seus discípulos, mas por incrível que pareça, dos discípulos de Sócrates, o que suscita em nós a hipótese não menos certa de que os SOFISTAS foram injustiçados. Platão escreveu duas obras que ao lê-las nota-se claramente a superioridade de SÓCRATES ante aos SOFISTAS.
A primeira é a intitulada “GÓRGIAS”, obra em que SÓCRATES, na minha opinião (totalmente pessoal), é possuído pelo orgulho de ganhar o debate, toda a humildade com que é amiúde apresentado se esgota na vontade de vencer os SOFISTAS em debate. E como foi Platão quem a escreveu, é claro que SÓCRATES venceu. Outra obra é a intitulada “SOFISTA”, onde toda a personalidade dos sofistas é denegrida. São incluíveis tratados por ilusionistas, brincalhonos.
 
Mas num estudo comparado, SÓCRATES e os SOFISTAS têm certas semelhanças pese embora a diferença é abismal:
- Todos andavam a procura de alunos; só que enquanto os sofistas cobravam suas aulas, Sócrates não cobrava;
- Todos tinha o costume de debater assuntos da Polis (cidade), mas enquanto os sofistas se baseavam na aparência e assim na contradição, Sócrates baseava-se na verdade, que não permitia contradição.
- Todos tinha consciência de que sabiam, só que enquanto os SOFISTAS estavam convencidos de que tudo sabiam, já a ignorância era a única sabedoria de Sócrates (ironia).
No entanto, com razões de elite, sobretudo de Platão e Aristóteles, só os SOFISTAS saíram sujos dessa luta. SÓCRATES pelo contrário passou a ser amado por todos, até hoje. Mas para quem estudar a filosofia contemporânea saberá ser justo.
 
A diferença consiste mais no método e objectivo de cada um do que na actividade. Os SOFISTAS estavam preocupados com a educação imediata da Polis. O Estado precisava de cidadãos capazes de responder as exigências do momento naquele instante. E a filosofia das verdades, do “ser que é” de Parmênides, não satisfazia a Polis. Daí que os SOFISTAS preferiram o transcorrer das coisas, o “não-ser” de Heráclito, para desenvolver um relativismo que a Sócrates não agradou. Já SÓCRATES estava preocupado com a riqueza espiritual, fim de todo o filosofar e de todos o viver. Isto é, com uma educação mediata, que pode leva a vida toda. Por isso ele abraça tanto Heráclito quanto Parmênides, pese embora inclinasse mais para Parmênides ou a subsistência da alma, que ele defende, estaria comprometida.
 
Mas como sempre, deixo a bola contigo. Não vim julgar os filósofos, você decida por si mesmo se os sofistas vão continuar a ser o que se fala deles ou se sua visão sobre eles torna-se uma visão muito pessoal. Sobre Sócrates temos muito que partilhar e como a paciência não engana estamos cônscios que o faremos enquanto houver vida. 

fundamento filosófico

 
Até Sócrates, os filósofos estavam preocupados com a origem do cosmo (mundo ordenado) e sua ordem. Sua pergunta fundamental era: o que é a natureza, a realidade última das coisas? Isto lhe valeu o nome de cosmólogos, ou naturalistas. Já SÓCRATES, pelo contrário, se perguntava: qual é a natureza ou a realidade última do homem? Por isso se pode afirmar que o seu intento era psicológico, epistemológico e moral. Mas hoje falaremos apenas da psicologia de Sócrates.
 
Como dissemos acima, ao contrário da essência do mundo (cosmologia), SÓCRATES se pergunta sobre a essência do homem. E sua resposta e simples: a essência do homem é a sua alma, ou seja, o homem é a almas, pois é ela que mais o distingue de todas as outras coisas existentes. SÓCRATES entende a alma como a RAZÃO, a parte pensante do homem, o EU CONSCIENTE. Assim, todo o esforço humano deve dirigir-se mais para o cuidado da alma do que para o corpo. Cuidar da alma é a tarefa de todo o educador e, segundo SÓCRATES, é essa a missão que ele recebeu dos deuses.
 
Um dos argumentos com o qual prova a superioridade da alma sobre o corpo é o seguinte: o homem, ou seja, a alma, é o artista e o corpo é o instrumento que esse usa em sua arte. O artista e o seu instrumento são coisas muito distintas. O instrumento usado é menos importante do que o artista que o usa. Logo, o homem (a alma) é mais importante e superior que o corpo (que é seu instrumento). Assim à pergunta “o que é o homem?” não se pode responder que é o seu corpo, mas sim, “que é aquilo que se serve do corpo”, ou seja, a alma (a inteligência). E o único modo de conhecer o homem é conhecer a sua alma. Daí o dito célebre: “conheça-te a ti mesmo”. Assim, o conhecimento de si (da alma) é o pressuposto de toda a ciência.
 
Daqui sairá toda a filosofia moral de SÓCRATES e não só, como também de seu fiel discípulo, Platão. Mas não podemos avança sem tirar as implicações dessa parte da filosofia de SÓCRATES, pois, parece que não, mas tem muitíssima coisa para nós hoje.

implicações da filosofia-psicológica de Sócrates

 
Como vimos na intervenção passada, para SÓCRATES a essência do homem é a sua alma. E SÓCRATES entende alma como razão, consciência, aquilo que no século XVII Descartes chamará de sujeito ou coisa pensante, RES COGITANS. Ainda SÓCRATES adverte que todo trabalho, seja físico ou intelectual, deve concorrer para a libertação da alma do domínio do corpo. O que equivale a dizer que tudo o que fazemos que seja para pensarmos melhor e por isso mesmo vivermos cada vez mais felizes. Pois bem, aqui vai a primeira implicação.
 
Repare hoje, quanto se conhecem? Pergunte a alguém quem ele é e passará logo a cita o número de atributos que a sociedade lhe ensinou a ver como algo que faz parte da sua essência. Diria talvez, eu sou doutor, ou jurista, ou psicólogo, ou médico… Mas o que se quer saber não é nem a tua profissão, nem a tua arte, mas você, o dono da arte ou da profissão, quem é? Ou seja, conhecemos aquilo que a sociedade nos atribui e procuramos com todas as forças alcança-los, pois achamos que assim nos fazemos. Mas isso nos faz descurar de tudo o que realmente somos. É por isso que hoje se encontra médico com tão excelentes explicações ou teorias, mas com tão reduzida prática; juristas com tão grande retórica, mas com supino descompromisso com a justiça... Ou seja, não importa que grau alcances, sempre terás dúvida e estarás confuso, porque a tua natureza (o que você é) lutará sempre com o que você acha que és. Resumidamente, não nos conhecemos, ou seja, CONHEÇA A TI MESMO.
 
Ainda outra implicação, entre várias outras: quanta gente está preocupada com o seu interior, com sua consciência? Quantas vezes as necessidades não mancham nosso carácter? Acaso é a necessidade maior que a moral? Bom, talvez seja, mas quando o carácter for menor, penso. Mas quem está preocupado com o carácter, com a consciência ou razão? Sem querer ferir sensibilidades, é o exemplo que me ocorre: repare as fotos das nossas irmãs no Facebook ou em outras redes. Percebe-se que elas dão sempre uma meia curva para mostrarem as nádegas, porquê? Talvez seja porque passamos (tanto homens como mulheres) a acreditar que a beleza de uma mulher possa ser medida pelo tamanho das suas nádegas. Então, talvez SÓCRATES vendo tais coisas diria, que a verdadeira beleza está na alma, naquilo que a pessoa é; que não precisa agradar a todos, AGRADA-TE A TI MESMO/A, ou seja, viva segundo a razão que dita o verdadeiro e o falso.
 
E talvez SÓCRATES teria razão nisso, talvez devemos mesmo livrar nossa razão das paixões e ilusões que o corpo nos oferece. Talvez só poderemos encontrar com a razão toda a felicidade que procuramos com o corpo.
 

filosofia gnosiológica de SÓCRATES

 
Na gnosiologia (estudo do conhecimento) SÓCRATES faz a distinção entre verdade e opinião. Lembre o que dissemos: toda a filosofia de SÓCRATES casa com sua concepção de homem. Ora, se o homem for eternidade (alma) presa na temporalidade (corpo), também há que admitir um conhecimento da alma, por tanto eterno, e um conhecimento do corpo, por tanto temporal. Assim, dirá SÓCRATES, os Sofistas estão certos de que o conhecimento sensível (o do corpo) não nos leva a verdade, mas somente as opiniões. Mas pelo facto de o homem possuir uma alma que é eterna e verdadeira, esta lhe confere um outro tipo de conhecimento da mesma espécie, isto é, eterno, verdadeiro, conceitual e universal, que SÓCRATES chamou de conhecimento intelectivo.
 
Deste modo, reconhecerá Aristóteles mais adiante, SÓCRETES faz duas descobertas fundamentais: a indução e o conceito. Através do método indutivo chega-se a definição, ou conceito universal. É do conceito universal que o homem obtém o conhecimento verdadeiro, pois esse, por ser universal, é o mesmo para todos, ao contrário do conhecimento sensível que é apenas opinião. Assim, SÓCRATES chega a distinção entre verdade e opinião: a opinião muda de indivíduo para indivíduo, de geração para geração, ao passo que a verdade não muda nem no tempo nem no espaço.
 
O método para se chegar ao conceito, ou seja, ao conhecimento verdadeiro, é o método indutivo, segundo o qual partindo de definições limitadas e menos precisas, chega-se a definições gerais ou universais. É esse método que SÓCRATES usa para chegar a definição de bem, justiça, felicidade… ou seja, aos valores morais absolutos que os sofistas negaram sua existência. Assim, o conhecimento intelectivo, uma vez que vai além das aparências, é o fundamento de todos os valores absolutos. E porque falamos de valores, na próxima intervenção tiraremos algumas consequências desta parte da filosofia de SÓCRATES e as traremos no nosso dia-a-dia.
 

IMPLICAÇÕES da filosofia gnosiológica de SÓCRATES

 
Hoje tiraremos as implicações da intervenção passada, a saber: a filosofia gnosiológica de SÓCRATES. Contextualizando tal parte da filosofia desse ilustríssimo filósofo e amigo, comecemos da sua ideia segundo a qual a VERDADE e a OPINIÃO são coisas muito distintas. Para ele, enquanto a opinião varia de indivíduo para indivíduo, de geração para geração, a verdade não muda, é a mesmo em todo o tempo e espaço.
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Hoje não parece assim. Caímos com os sofistas num relativismo radical. E já se ouve dizer com toda a segurança que “ESSA É A MINHA VERDADE; AQUELA É A TUA.”. Isso é prova de que toda nossa ideia de verdade é confusa. A verdade aqui representa todos os valores. De tal modo que cada um terá a sua justiça, o seu bem… Assim, o que a justo para ti não é para mim. Esse relativismo que vivemos, essa aversão e repulsa das verdades eternas e absolutas, nos leva num abismo que ninguém mede sua profundidade. Como? Pois se o que é justo para ti não for para mim, então nada é justo. Porque a água que é fria para mim e quente para ti não é exactamente nem quente fria nem quente. E isso vale para todos os valores. Então, ainda que os valores absolutos não existissem, para a decepção dos sofistas parece que seria necessário sua invenção para que o mundo (pelo menos o mundo social) tal como está melhore um pouco mais.
 
A segunda implicação, entre muitas, é sobre as nossas afirmações e negações, nossas crenças, em fim. Em que acreditamos hoje? Não é naquilo que a maioria acredita? Nossas afirmações não são senão afirmações da maioria. Quem afirma diferente esse é ridicularizado e senão mesmo morto. Jesus Cristo é o exemplo vivo desse facto. Mas o que é a verdade, a crença da massa ou o ser próprio das coisas? Uma breve história ajudaria: você diz que se amam porque já namoram há seis anos, postam-se nas redes e abraçam-se em qualquer sítio. Então SÓCRATES notando que é isso que a sociedade te ensinou a considerar como amor, te mandaria definir o próprio amor. E você dá uma possível definição: “AMOR É QUERER TODO O BEM AO AMADO AINDA QUE A CUSTA DO SOFRIMENTO DE QUEM AMA.” Só que depois que disseres isso você verá que nem tudo bate. Você tem medo que teu parceiro/a venha te dizer que está te deixando porque a sua felicidade depende de outra pessoa que não é você. Se amasses a verdade, segundo a definição que deste de amor, você o deixaria ir. Mas você nota que isso é doloroso. Então preferes abraçar a OPINIÃO da sociedade sobre o amor e abandonas a VERDADE que te veio da definição ou conceito de amor.
 
Talvez se nos apegássemos à verdade compreenderíamos o mundo tal como ele é e amaríamos tal como definimos o amor. Talvez, descobriríamos que as coisas são não como a maioria quer, mas são como são; talvez descobriríamos que somos dignos de falar que amamos apenas quando compreendermos o amor carrega também dores incomensuráveis. A verdade dói, mas talvez amando-a seríamos um pouco mais felizes!
 

Filosofia moral de SÓCRATES

 
Hoje, trataremos mais uma parte da belíssima filosofia de SÓCRATES, a sua Filosofia Moral ou Ética. Para esse nosso filósofo, a moral se identifica com o conhecimento. Assim, sabedoria é o mesmo que virtude e a virtude o mesmo que sabedoria. E todo o vício se identifica com a ignorância. Ou seja, quem peca ou comete uma imoralidade, não o faz senão por ignorância, porque não se pode admitir que alguém conhecendo o bem e o mal pratique com consciência o mal. Logo, só se pode admitir que todo o que comete qualquer mal não o faz por se tratar de um mal, mas o faz porque espera da sua acção um bem. Logo, a imoralidade é um ledo engano.
 
Os gregos chamavam “virtude” de “areté”, que significava “modo de ser”. Assim tudo possuía uma virtude. A virtude do cão era ser um bom guarda, porque é esse seu modo de ser; do cavalo, a de ser veloz; e do homem a de ser bom e perfeito. E já que o homem é a sua alma e essa se alimenta de conhecimento ou ciência, o conhecimento é a própria virtude e a ignorância o seu contrário, a saber, o vício. Essa é uma revolução que SÓCRATES opera na moral do seu tempo. Pois os verdadeiros valores já não estarão ligados as coisas exteriores, como a força física, a riqueza, a beleza, a saúde, mas todos os valores ficam ligados as coisas interiores e resumidos em um só, o conhecimento ou sabedoria.
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Assim, para SÓCRATES, a felicidade não consiste nas coisas exteriores, passageiras e vis, como queiram os Sofistas; a felicidade consiste unicamente na prática da virtude ou sabedoria. Aquele que segue amiúde as diretrizes da razão, que procura agir segundo uma recta consciência, esse é o virtuoso e feliz. Em guisa de resumo: agir moralmente significa agir segundo o conhecimento, a consciência ou a sabedoria e agir imoralmente significa agir na ignorância, na falta de consciência entre o bem e o mal, a verdade, a opinião e a falsidade… e, a felicidade é a harmonia da alma tal como a saúde é a do corpo e a infelicidade é a desarmonia da alma, como a doença é para o corpo.