A partilha e conquista de África

Entre as várias deliberações que saíram da Conferência de Berlim, o princípio da ocupação efectiva foi o que maior impacto teve na evolução posterior de África. Segundo este princípio, a presença na costa não dava direitos sobre as terras do interior pelo que qualquer potência que reclamasse autoridade sobre determinado território devia proceder à sua ocupação efectiva.

 

Com este enunciado, ficava claro que as terras que não estivessem sob ocupação efectiva podiam ser tomadas por qualquer potência.

 

Pois bem, diante desta decisão, todas as potências viram-se forçadas a agir no sentido de preservar as suas áreas de influência. Assim, logo depois da Conferência de Berlim os estados europeus lançaram-se na conquista, seguindo duas vias: os tratados e a via militar.

Os tratados

No período a seguir à Conferência de Berlim, no qual a maior pretensão dos estados europeus era a ocupação de Africa, os tratados constituíram um dos principais instrumentos.

Existiam dois tipos de tratados: os afro-europeus e os bilaterais.

Os tratados afro-europeus

Eram assinados entre os chefes africanos e os europeus. Eram também de dois tipos. Por um lado, existiam os tratados comerciais ou ligados ao tráfico de escravos e que originaram a intervenção política europeia em África. Por outro lado, existiam os tratados políticos, através dos quais os chefes africanos faziam concessões aos europeus em troca de protecção.

 

Os tratados políticos eram feitos entre os africanos e representantes dos governos europeus ou organizações privadas, que depois cediam os acordos aos seus governos. Os acordos políticos não produziam, só por si, resultados concretos em termos de ocupação, mas eram usados quer como pretexto para a ocupação, quer como instrumento para conseguir vantagens nas disputas com outros estados.

 

Entretanto, para os chefes africanos, estes tratados não foram assinados tendo em vista renunciar å sua soberania, mas sim com a finalidade de dar o melhor ao seu povo. Em alguns casos, esses tratados foram assinados para estreitar relações com um estado europeu de modo a superiorizar-se aos seus inimigos. Noutros casos, os estados africanos pretendiam com os tratados obter alianças que lhes permitissem libertar-se do domínio de outros estados, ou o estado dominador procurava reforçar o seu poder para perpetuar o seu domínio. Havia ainda casos em que os tratados visavam permitir maior capacidade para enfrentar a ameaça de outros estados europeus.

Os tratados bilaterais

Eram assinados entre as potências europeias, em regra, a seguir à delimitação das áreas de influência pelas potências. Sempre que um estado europeu determinasse a sua área de influência era preciso que os outros países aceitassem ou, no mínimo, não contestassem para que se considerasse válida a possessão. Entretanto, como as áreas de influência eram frequentemente contestadas, tornavam-se quase sempre necessários os tratados para resolver as disputas territoriais.

 

A África Ocidental tornou-se, assim, foco de conflitos entre os ingleses e os franceses.

A França, instalada no Senegal, tentou expandir-se para o Níger e enviou missões a partir da Costa do Marfim e do Daomé para a curva do Níger para se fixar à volta da região Mossi. Na mesma altura, a Grã-Bretanha, que se fixara na Ashantia e no baixo Níger, tenta avançar para o norte para controlar o país Mossi e os sultanatos Peules. O conflito entre os dois países estendeu-se igualmente aos países do Alto Volta e ao Chade.

 

Nos Camarões, existiam missionários ingleses que trabalhavam há vários anos, mas os alemães assinaram, em 1884, tratados com os chefes locais. As reivindicações inglesas e o avanço dos franceses a partir da Guiné geraram, na região, um conflito tripartido.

 

As disputas entre as potências imperialistas na África Ocidental só seriam ultrapassadas apos a assinatura da Convenção do Níger em 1898, que veio regulamentar a partilha da região entre as potências.

 

Na África Equatorial, Oriental e Central, a Franca e a Bélgica disputavam o Congo, A assinatura dos acordos do francês Brazza com os makololo originou um conflito franco-belga na região, que também era pretendida pelo rei Leopoldo II. Não tendo havido entendimento, a disputa foi levada à Conferência de Berlim onde Estados Unidos da América, e Alemanha sustentaram as pretensões belgas, tendo sido reconhecido o Estado Livre do Congo. Os acordos de 1891 e 1894 permitiram a fixação das fronteiras do novo estado com Angola, na época, colónia portuguesa.

 

Na África Central e do Sul, Inglaterra e Portugal foram os principais protagonistas. O choque de interesses entre os portugueses, que pretendiam criar um império ligando Moçambique a Angola, e os ingleses, que sonhavam com um império que se estendesse do Cabo ao Cairo, eclodiu nos meados da década de 1880. Em 1890, a Inglaterra enviou um ultimato a Portugal exigindo a sua retirada dos territórios correspondentes aos actuais Zimbabwe e Zâmbia. Apos esta acção de força da Inglaterra, Portugal assinou com este pais um tratado de fronteiras em 1891, através do qual foram delimitadas as áreas de cada potência.

 

No Sudoeste Africano, os alemães, que se tinham instalado em Walvis Bay desde 1842, começaram o avanço em direcção ao interior, o que provocou a reacção inglesa, que via o seu plano Cabo-Cairo em perigo. Os acordos de Abril e Maio de 1885 demarcaram as áreas inglesas e alemãs na região.

 

Na África Oriental, a disputa envolveu alemães e ingleses. Em 1884, o alemão Karl Peters assinou tratados no Tanganyika que foram publicados logo depois da Conferência de Berlim. A Grã-Bretanha, receando a ocupação de toda a África Oriental pelos alemães, decidiu ocupar algumas zonas para travar o avanço alemão. O tratado de Heligolândia viria a pôr fim às disputas na Africa Oriental, ficando o Uganda com os ingleses em troca pela ilha de Heligolândia.

 

No Nordeste, Franca e Inglaterra digladiavam-se pela materialização dos seus projectos coloniais. Em 1894, a Franca organizou uma missão chefiada por Marchand que devia partir do Congo ao Nilo e estabelecer a ligação Dacar-Djibuti. Após percorrer cerca de 4.000 km, Marchand içou a bandeira francesa em Fachoda, nas margens do Nilo. Os ingleses, representados por Kitchener, protestaram e exigiram a retirada francesa.

 

Face à iminência de deterioração das relações entre os dois países, numa altura em que se procurava a união em torno da Tríplice Entente, (Tríplice Aliança) em 1899 foi assinada a Convenção Anglo-Egípcia, que determinou a entrega do Sudão aos ingleses, que em troca reconheciam a soberania francesa a Oeste do Egipto.

 

Alguns tratados bilaterais europeus de partilha

Tratado anglo-alemão (29/04/1885 e 7/05/1885)

Definiu as zonas de influência da Inglaterra e da Alemanha no Sudoeste Africano.

 

Tratado anglo-alemão (1/11/1886)

Colocou Zanzibar sob influência britânica e a África Oriental fica com a Alemanha.

Tratado de Heligolândia

Dividiu a África Oriental entre britânicos e alemães.

Tratados anglo-alemães (1890/93)

Deram à Inglaterra direitos sobre o Alto Nilo.

Tratado anglo-italiano (1891)

Tratados franco-português, luso-germânico (1886) e anglo-português (1891)

Reconheceram a influência portuguesa em Moçambique e Angola e demarcaram as áreas inglesas na região austral.

Tratado entre a Inglaterra e o Estado Livre do Congo

Fixou os limites do Estado Livre do Congo.

Convenção do Níger (1898)

Pôs fim às disputas entre Franca e Inglaterra na África Ocidental.

Convenção anglo-francesa (1899)

Regulamentou a questão egípcia.

Tratado de Vereeniging (1902)

Pôs fim à guerra anglo-boer.

 

Dos tratados à conquista militar

Uma das questões que sempre se colocou em torno do processo de partilha de África foi a relacionada com a validade dos tratados e a necessidade da opção militar.

 

Os tratados políticos assinados entre os africanos e os europeus bem como os tratados bilaterais inter-europeus, são bastante diversos em matéria de sua validade. Se é verdade que alguns dos tratados afro-europeus eram legais, muitos eram indefensáveis ou simplesmente condenáveis. Com efeito, muitos desses tratados foram rubricados como forma de os africanos conseguirem uma melhor convivência com os europeus, que eram claramente mais fortes, e não como aceitação dos africanos aos termos dos acordos.

 

Noutras ocasiões, os africanos eram simplesmente ludibriados quanto ao teor dos documentos assinados.

Em certos casos, os africanos, por suspeitarem das razões apresentadas pelos europeus para a conclusão desses tratados, recusavam-se a participar neles, mas, devido a fortes pressões, acabavam por aceitá-los.

 

Muitas vezes, os africanos e os europeus divergiam sobre o verdadeiro sentido do acordo a que tinham chegado.

 

Independentemente do restante, os chefes africanos viam esses tratados como acordos de cooperação que de forma nenhuma poderiam pôr em causa a sua soberania. Entre os europeus, a opinião sobre a validade dos tratados era variável. Uns achavam os tratados legítimos, enquanto outros consideravam-nos fraudulentos. Contudo, muitos destes tratados acabaram sendo validados pelo jogo diplomático europeu.

 

A legitimidade dos tratados bilaterais europeus que decidiam sobre os territórios africanos só podia ser admitida luz do direito positivo europeu.

 

Para os estadistas europeus era claro que a definição de uma esfera de influência através de um acordo entre estados europeus não tinha legitimidade para retirar soberania à região afectada. Assim, as potências amigas podiam aceitar o controlo de uma nação amiga sobre determinada área considerada de sua influência, mas as potências inimigas, como é óbvio, raramente cumpriam.

 

Portanto, os tratados só por si não tinham força suficiente para levar a bom termo a ideia de conquista de África. A efetivação da ocupação do continente só podia ser assegurada pela via militar.

A conquista militar

Todas as nações europeias precisaram de recorrer à via militar para materializar o seu desejo de conquista de Africa, visto que os tratados mostraram-se insuficientes.

 

Os franceses foram os que mais se destacaram no recurso à força militar. O facto de a missão de conquista ter sido confiada aos militares explica a primazia da opção militar no esforço de conquista.

 

Na África Ocidental, os franceses avançaram do Alto para o Baixo Níger, num percurso que os levou a subjugar, sucessivamente, o reino de Cayor de Lat Dior Diop em 1886, o império Soninke de Mamadu Lamine em 1887, o império Mandinga de Samori Touré em 1898 e o império Tukulor de Ahmadu, entre 1889 e 1891. Ainda na Africa Ocidental, os franceses ocuparam a Costa do Marfim e a Guiné Francesa em 1893 e em 1894 concluíram a conquista do Daomé. Nos finais dos anos 1890, todo o Gabão tinha sido tomado e reforçadas as posições francesas na Argélia e em Madagáscar.

 

A conquista britânica teve como ponto de partida as suas possessões na Costa do Ouro e na Nigéria. A pretensão inicial era bloquear o avanço francês para o Baixo Níger e para o interior do reino Ashanti.

 

Contrariamente aos franceses, os ingleses não eram favoráveis a elevados gastos com as campanhas de ocupação. Assim, para os ingleses a opção militar só era considerada quando a diplomacia não surtia os efeitos desejados.

 

As conquistas britânicas levaram à ocupação de Ashanti em 1901, ano em que os territórios a norte deste reino, ocupados em 1896 e 1898, foram formalmente anexados.

 

Partindo de Lagos, os ingleses lançaram-se à conquista da Nigéria. Em 1893, o reino Yoruba foi proclamado protectorado e no ano seguinte conquistado o reino Itsekiri. Em 1887, o rei Jaja de Opobo caiu numa cilada do cônsul britânico e foi preso. Nos finais dos anos 1890, Brass e Benin foram também conquistados. Portanto, por volta de 1900, todo o sul da Nigéria estava ocupado pelos ingleses.

 

A conquista do norte da Nigéria partiu de Nupe, uma área sob influência da companhia inglesa Royal Niger Company. Aqui, as principais conquistas foram sobre Ilorin em 1897 e do sultanato de Sokoto em 1902.

 

No Norte do continente os ingleses já controlavam o Egipto e, em 1 898, reconquistaram o Sudão com o objectivo de travar o avanço francês.

 

Na África Oriental, os ingleses declararam o Zanzibar protectorado em 1890, passando aquela ilha a ser a rampa de lançamento das campanhas para o controlo do Uganda - protectorado desde 1894 e ocupado efectivamente em 1899 - e do Quénia no início do século XX.

 

Na África Central e Austral, a conquista esteve a cargo da British South Africa Company (BSAC) fundada e encabeçada pelo magnata dos diamantes Cecil Rhodes, que ocupou a Matabelelândia (Zimbabwe) em 1893 e a Mashonalândia (Zâmbia) em 1901. A última guerra no Sul envolveu ingleses contra boers, na África do Sul, entre 1899 e 1902.

 

Os alemães dominaram o Sudoeste Africano (Namíbia) no final do século XIX, o Togo em 1897-98, os Camarões em 1902 e o Tanganhica em 1888-1907.

Os portugueses iniciaram as campanhas de ocupação cerca de 1880 e terminaram cerca de 1920 com a dominação de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

 

A Bélgica logrou consolidar a ocupação do Estado Livre do Congo em 1892-95, enquanto a conquista de Katanga foi concluída no início do século. Os italianos, que ocuparam a Eritreia (1883) e a Somália (1886) foram derrotados pelos etíopes na sua tentativa de ocupar o seu território. A Norte de África os italianos tomaram a Tripolitânia e a Cirenaica (Líbia) em 1911, enquanto Marrocos resistiu até 1912, quando foi repartido entre a França e a Espanha.

 

Portanto, nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, todo o continente africano, exceptuando a Libéria e a Etiópia, achava-se sob domínio europeu.

 

Bibliografia

SUMBANE, Salvador Agostinho. H11 - História 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.