A ocupação de Manica e Sofala pela companhia Majestática de Moçambique, marca na história da região a transição do período mercantil para o período da dominação mercantil.
Esta transformação qualitativa foi possível através da intercalo directa do capital na esfera produtiva engendrando na esfera das estruturas pré-capitalistas novas formas de produção determinadas pelas necessidades de acumulação capitalista a escala mundial.
A actuação do capital deixou de ser somente a circulação de mercadoria para se centrar, sobretudo na produção de mercadorias, explorando, sob diversas formas, a forca de trabalho da polução local na patacões, nas frms, na extracção mineira, dominando e controlando a produção camponesa.
Origem da companhia de Moçambique
A ocupação e Manica e Sofala pela companhia Majestática de Moçambique, marca na história da região, a transição do período mercantil para o período de dominação imperialista.
A formação da companhia de Moçambique data de 1878, altura em que Joaquim Paiva de Andrade recebeu a concessão das minas de madeira. Organizou a Société des Fundauteurs de la Companie Generale du Zambeze (1878/9), que explorava as minas de Tete. Em 1883 entrou em falência.
Em Fevereiro de 1884, Paiva congregou novos financiadores e depois criou a companhia de Ophir, que explorou as minas de Quiteve e Manica por insuficiência de capitais, entrou em falência.
Paiva de Andrade conseguiu aliciar outras entidades financeiras, das quais o Português Oliveira Martins, com quem fundou a Companhia de Moçambique com um capital subscrito de 200 mil libras, até 1881 elevando para 500 mil mas esta entrou em falência em 1891.
Devido às confrontações entre Portugal e BSAC, em Maio de 1889 que desejava anexar Manica, Paiva e Manuel António Sousa, foram presos, paralisando as actividades da companhia. Após esta experiência, e libertos em 1891, Andrade organizou uma nova sociedade forte com privilégios políticos-económicos com BSAC.
Deste modo, em 1891 iniciou-se um processo de reconstrução da companhia, elevando seu capital pra 1 milhão de libras. A partir desse ano, foi autorizado por sucessivos decretos em especial o de 11 de Fevereiro de 1891 que lhe atribuiu poderes majestáticos de administração e exploração, tendo-se instalado definitivamente nos territórios de Manica e Sofala em 1891. A concessão foi lhe dada por 45 anos e compreendia uma área de 134.822 Km2, cujo limites eram:
- Norte e Noeste – Rio Zambeze;
- Sul –Paralelo 220;
- Oeste – Rodesia e;
- Leste – Oceano Indico.
Forma de Exploração da Companhia
- a) Trabalho forçado (Xibalo);
- b) Cobrança de imposto de palhota;
- c) Cultivo obrigatório do Sisal, milho, tabaco, cana-de-açúcar, etc.
Os direitos concedidos a companhia de Moçambique incluíam:
- Monopólio do comércio;
- O exclusivo das concessões mineiras e de pesca ao longo da casta;
- O direito de colectar impostos e taxas;
- O direito de construir e explorar portos e vias de comunicação;
- O direito de conceder a terceiros de encargos dai derivados;
- Privilégios bancários e postais (incluindo a emissão de selo e moedas);
- O direito de transferência de terras a pessoas individuais e colectivas).
Deveres da companhia
- Em contra-partida, o governo Português reservava-se o direito de receber 10% dos dividendos distribuídos e 7,5% dos lucros líquidos totais bem como a garantia de recuperação do território pela administração Portuguesa uma vez expirado o contracto. A companhia obriga-se a manter-se Portuguesa no estatuto e a instalar a sua sede em Lisboa.
- O controlo do capital estrageiro pela burguesia efectuava-se dos seguintes mecanismos:
- Imposição de um corpo de maioria Portuguesa;
- Obrigatoriedade de ratificação polo governo Português, das leis e regulamentos a serem implementados no território.
A competição entre os capitais Franceses e Britânicos dava uma certa margem de manobra ao governo Português que, porem, precisava de aprovar todas as medidas favoráveis à companhia de capitais no território.
A exploração económica levada pela companhia de Moçambique nos territórios de Manica e Sofala entre 1892 2 1942, assentou nos seguintes aspectos fundamentais:
Colecta de impostos (mussoco e de palhotas);
Desenvolvimento de actividades especulativas baseadas na apropriação privada de terras;
Desenvolvimento de actividades especulativas baseadas na comercialização dos excedentes agrícolas de produção comercial camponesa e no transito de mercadorias para Rodesia.
O sistema tributário (mussoco e o imposto de palhota)
A institucionalização do regime do imposto no território marcou o início de um processo de transformação da economia camponesa de subsistência para uma economia de mercado. O regime obrigatório foi um dos instrumentos fundamentais de compulsão do campesinato para o trabalho assalariado e foi uma das principais fontes directas de obtenção de rendas por parte da companhia.
Assim, foram instituídos dois tipos de impostos:
1 – A norte de Pungue (Mussoco)
Os camponeses através do mussoco (renda em géneros) canalizavam parte dos seus excedentes agrícolas para a elite prazeira, sendo muitas das vezes utilizados para a alimentação dos Achicundass. Cobrava-se também em produtos exóticos para a exportação (marfim,mel). Com a penetração crescente do capitalismo colonial, o mussoco passou a ser cobrado em trabalho e, depois em dinheiro, o que exprime uma profunda mudança nas relações sociais de produção.
2 – No Sul de Punué (Imposto de palhota)
Foi introduzido ao abrigo do decreto de 9 de Julho de 1892 e cobrado à luz do Regulamento do Imposto de Palhota de 30 de Julho de 1892 – os proprietários de palhotas ou cubatas situando-se no interior dos territórios ficando obrigados ao pagamento do imposto anual de 900 rs por palhota ou cubata, utilizada como habitação excluindo velhos e crianças.
No início, este imposto podia ser cobrado em dinheiro ou em géneros. A partir de 1894, passou a ser cobrado obrigatoriamente em dinheiro. O não cumprimento desta obrigação era punido em trabalho forçado durante o número preciso de dias necessário para que se perfizesse o quantitativo do imposto acrescentado de 50% como o salário era quase um fictício, esta medida tornou-se num mecanismo de angariação de mão-de-obra gratuita.
A política concessionária
A política concessória desenvolvida pela companhia de Moçambique baseava-se no direito de posse sobre a terra conferido por uma carta concessionaria. Para a companhia, o arrendamento de terra as empresas subsidiariam ou aos colonos, constituía uma actividade especulativa bastante rentável vindos da agricultura e das acções dos arrendatários. Existiam diferentes tipos de concessões:
- Concessões agrícolas;
- Concessões mineiras e;
- Concessões na infra-estrutura dos transportes.
Concessões mineiras
O arrendamento de terrenos para a exploração de pedras de matérias preciosos e minerais em geral, concentrava-se na actual província de Manica (O famoso Mito do Ouro).
Várias sociedades adequariam terras (claims ou quinhoes) em volta de Macequece para a prospecção e exploração de minerais (ouro) e para melhor satisfazer as necessidades da mão-de-obra barata, com vantagens e facilidades para as empresas minerais, a companhia instalou em Macequece uma Delegação de Serviço dos Negócios Indígenas.
O recrutamento da mão-de-obra fazia-se em Maribane e Mussorize, zonas com experiencia no trabalho mineiro, estes eram organizadas em construções de acampamento de tipo. Mais pouco desenvolvimento foi atingido na actividade mineira em Manica e muitos empreendedores caíram na bancarrota por insolência de capitais, e o mito do ouro desvaneceu rapidamente em Manica.
2 – Concessões na infra-estrutura de transporte
As concessões mais importantes foram feitas a The Beira Raiway de capitais internacionais (BSAC) que construiu o caminho-de-ferro Beira-Macequece conforme o acordo de fronteiras de 11 de Julho de 1891 e as obras que ligavam Beira-Unttali. Em 1925 foi celebrado um acordo entre a companhia e a The Porto f Meira Development Compaction que culminou com a construção do Porto da Beira concluído em 1929. Estes empreendimentos permitiam a companhia:
a) Dinamizar as receitas derivadas dos direitos alfandegários sobre a importação e exportação e o trânsito do mercadorias de e para Rodésia;
b) Internamente, permitiam dinamizar o incremento da agricultura colonial e das minas em Manica, baixando consideravelmente os custos de transporte.
c) Facilitava o escoamento dos excedentes da produção comercial camponesa;
d) A integração da economia de Moçambique no espaço económico da África Austral através da articulação estrutural directa às necessidades da acumulação do capital nas colónias vizinhas da Rodésia e África do Sul.
Concessões Agrícolas
A partir de 1895⁄96 apareceram concessões de relativa importância que foram arrendados aos colonos em prejuízos dos nativos. As principais concessões foram:
Concessão do Prazo de Gonrogoza à companhia de Gorangaza-1895;
O arrendamento do Prazo de Chupanga à companhia do Luabo;
Concessão das terras de Marrumeu, Buzi, Morinbane Sociedade Açúcar de Moçambique, The Sena Sugar Factory, e por alguns colonos na margem do Buzi e Zambeze.
Nos territórios de Manica e Sofala, praticava-se dois tipos de agricultura: a agricultura dos colonos e a pequena produção familiar camponesa.
1 – A agricultura do colono
A carta orgânica da companhia obrigava-a a instalar no seu território, nos primeiros 5 anos, mil famílias de colonos portugueses ou seus descendentes. Deste modo, a companhia devia providenciar: habitação, terrenos de cultivo, alfaias agrícolas, fertilizantes, etc. Os primeiros anos foram desastrosos para os colonos: mortes, desaparecimentos, fuga para territórios vizinhos devido à insolvência. A causa do fracasso da colonização residia na falta de capitais e na preparação técnica ou experiencia na prática da agricultura.
Mais, a partir de 1910 com a subida do ex-chefe da circunscrição de Manica João Pery Lindo, defensor dos interesses dos colonos, a companhia começou a ganhar confiança na agricultura dos colonos pela sua produção e abastecimento do mercado interno e externo. Assim, a companhia ofereceu-lhe vantagens consideráveis:
a) Crédito agrícola;
b) Cedência de terras férteis;
c) Facilidade na angariação de mão-de-obra barata.
O milho representava a principal cultura para o consumo interno e para a exportação. Praticava-se também a fruticultura e a horticultura.
Entre 1910-1936, a história da agricultura dos colonos foi marcada por uma violência na luta entre a classe dos agricultores colonos apoiados pela companhia e o compesenato africano. O objectivo dos colonos era de transformar o compesenato africano numa força de trabalho barato e impedir a concorrência da agricultura comercial camponesa no mercado, que seria uma ameaça à sobrevivência da população colona.
2 – A pequena produção familiar camponesa
A agricultura familiar tinha uma importância relativamente baixa para o equilíbrio da balança comercial pôs além do algodão poucos eram os produtos dos camponeses utilizados para a exportação. Os produtos que mais se destacaram na agricultura familiar eram o algodão, a borracha, o milho, o arroz a mandioca, a mapira, a mexoeira, as oleaginosas.
O algodão ocupava o primeiro lugar nas culturas de exportação. A companhia distribuía gratuitamente as sementes, monopolizava a comercialização, fixava os preços e garantia a supervisão.
O milho representava na economia do território a cultura mais importante pelo seu papel na alimentação da população em geral e particularmente dos trabalhadores. A mesma importância tinha a mandioca, dada a sua importância e facilidade de produção.
Política laboral
O capitalismo colonial só se podia desenvolver através do domínio e exploração do trabalho assalariado nas plantações, na (farms), exploração mineira e outros sectores da economia. Com tudo, os camponeses possuindo meios de vida próprios, não tinham no trabalho assalariado a sua fonte de sobrevivência. Desta forma, para conduzir o camponês ao trabalho assalariado, a companhia usou a violência extra-económica capaz de arrastar a força de trabalho de campisenato.
A institucionalização do imposto em dinheiro foi a primeira medida tomada. Para centralizar o recatamento, distribuição, cobrança de impostos e recrutamento de trabalhadores para os serviços da companhia e de particulares, foi criada em 1895 a Inspecção Geral do Negócios Indígenas. Em 1907, entrou em vigor a primeira legislação do trabalho aprovado pelo Governo Português, para o território, nomeadamente:
Regulamento Geral do Trabalho Indígena;
Regulamento para o fornecimento de Indígenas para Particulares;
Regulamento para o Recrutamento do Indígena de Manica e Sofala.
Os regulamentos acima regulamentavam:
A institucionalização do trabalho forçado: impunha-se pela lei a obrigatoriedade de prestação de trabalho assalariado para todos os indivíduos em idade activa. Nos termos dessa lei, o camponês encontrava-se num dilema: ou vender coercivamente a sua força de trabalho ou dedicar-se as culturas viradas para a exportação, em detrimento da economia familiar de subsistência.
Estabelecimento de um sistema de força de trabalho, a companhia determinou que cada trabalhador devia ser portador de um certificado declarando o tempo de serviço prestado e as respectivas datas de início e o termo dos contratos. Em 1926-27 entrou em vigor o regime de caderneta de identificação indígena para os indivíduos de sexo masculino com idade aparente ou aprovada, superior a 14 anos. Na caderneta, registavam-se os contratos de trabalho compridos e as suas histórias criminais.
Este regime foi garantido pelos chefes das circunscrições os seus subordinados (régulos ou Inhacuacua), chefes das povoações ou Fumo, Sipaios e outros auxiliares.
Interdição do recrutamento para serviço fora do território: a emigração clandestina foi considerada crime, e como tal, punido com uma pena que ia até 20 meses de trabalho forçado sem remuneração. Para minimizar o problema da escassez da mão-de-obra, manteve o pagamento de salários baixos aos trabalhadores para impedir a sua fuga para fora do território e foi montado um policiamento rigoroso.
Consequências das medidas
- Fugas dos trabalhadores para países vizinhos ou outras zonas de colónia;
- Adopção por parte dos camponeses de nomes falsos;
- Falta de mão-de-obra;
- A revolta de Barrue de 1905 e 1917;
- Muitos desertavam os locais de trabalho negando as brutalidades e condições do trabalho forçado (Xibalo).
Face a esta crise, João Pery Lino, decidiu criar em 1911, a repartição do trabalho indígena (RTI) com a função de centralizar a procurar e oferta de mão-de-obra barata. Persuadiu os farmeiros a aceitarem trabalhadores provenientes dos distritos de Moçambique e rio Zambeze. Mais tarde (1926-7) a angariação de trabalhadores para serviços particulares deixou de ser feito pelos funcionários da companhia, para passar a ser feito pela associação do trabalho indígena. Na mesma altura, a Repartição do Trabalho Indígena, foi substituída pela Direccao dos Negocios Indígenas com funções similares. O recrutamento directo foi retomado em 1926/31, em consequência da crise de mão-de-obra prova cada pela crise mundial.
O sistema monetário
A companhia gozava de direito de emissão de moeda. Uma das medidas tomadas face a situação financeira do território constituiu no afastamento das moedas que vinham circulando (Rupia da Índia Inglesa, Peso de Maria Teresa, Pataca Mexicana, Shilings e moedas Portuguesas de Prata e Cobre) e na adopção das moedas de prata e ouro Portuguesas para o pagamento, admitindo-se as de cobre como moedas subsidiarias.
Para a emissão das moedas, fundou-se o banco da Beira que durou pouco tempo tendo sido substituído na sua função pelo Banco Nacional Ultramarino.
Portugal esperava que com o desenvolvimento de companhias majestáticas, houvesse um rápido desenvolvimento das regiões que seriam por elas administradas e que estas preservassem para Portugal os territórios que eram ambicionados por outras potências europeias. No entanto, em vez disso, as companhias facilitaram a intervenção externa em Moçambique e desnacionalização dos territórios portugueses e que fracassaram em fornecer seu capital necessário para o desenvolvimento económico do território, assim, quando as companhias terminaram o seu governo em Moçambique, as áreas sob seu controlo eram as economicamente mais atrasadas da colónia.
Referências bibliográficas