Estética

«Para fazer arte verdadeira é preciso expressar aquilo que há em si mesmo.»

Battista Mondin

 

Na era em que nos encontramos, há cada vez maior afirmação das culturas, a nível local.

Uma das formas usadas para a manifestação da cultura é a estética. Estetiza-se o corpo, na dança, a paisagem, na pintura, o som, na música, os seres, na escultura.

Existem padrões para a manifestação artística? Em que consiste a beleza de uma obra de arte?

     Qual é a sua importância? Estas são apenas algumas das perguntas que podemos formular ao reflectirmos sobre a estética. Nas páginas que se seguem vamos reflectir sobre estas perguntas, à luz das experiências de filósofos que sobre ela reflectiram ao longo da história.

4.2.1. Conceito de estética

A palavra «estética» vem do grego aisthetiké, que etimologicamente significa tudo o que pode ser percebido pelos sentidos. Atribui-se a sua origem igualmente à palavra grega aisthesis, que significa «sentido» ou «sensibilidade». Quando falamos de estética, referimo-nos à disciplina da Filosofia que se ocupa do estudo do belo.

      Kant define a estética como a ciência que trata das condições da percepção pelos sentidos.

       Todavia, sabe-se que o sentido que se atribui à estética nos nossos dias (coma teoria do belo e das suas manifestações através da arte) remonta a Alexander Baumgarten.

    O objecto de estudo da estética, enquanto ciência e teoria do belo, é o tipo de conhecimento adquirido pelos sentidos como bela arte. O seu conceito refere o campo da experiência Humana que o leva a classificar um objecto como bolo, agradável, em contradição com o que não é.

    A estética, enquanto problemática filosófica, compreende os seguintes problemas, nomeadamente: a natureza da arte, o seu fim e a sua relação com as outras esferas da Vida humana.

 

4.2.2. A essência do belo

Desde a Antiguidade Clássica que os filósofos se interessam pelo belo e reflectiram sobre ele.

       Platão entendeu a arte como urna imitação da natureza, que é, por sua vez, copia das ideias do mundo das ideias, de acordo com a sua concepção do mundo. O alvo da imitação é o belo.

     Aristóteles, contradizendo o seu mestre Platão, afirma que a arte não é apenas a imitação da Natureza. Trata-se não de uma mera reprodução da Natureza, mas Sim de uma reprodução com a intensão de a superar.

      Para o italiano Gianbattista Vico (1668-1744), a arte é um modo fundamental e original de o homem se expressar numa determinada fase do seu desenvolvimento. O desenvolvimento viquiano do homem é composto por três etapas: a dos sentidos, a da fantasia e a da razão.

      A arte é a expressão humana na fase da fantasia. Nesta fase, o homem exterioriza a sua percepção da realidade através de criações fantásticas: poemas, mitos, pinturas, etc.

       Esta posição foi contestada por Kant, que nega que a arte seja imitação da natureza da realidade. Numa obra de arte, a sensibilidade expressa o universal no particular, o inteligível no sensível, o número no fenómeno. Dito por outras palavras, pela obra de arte, o homem contempla realidades meta-empíricas que jamais seriam acessíveis sua sensibilidade; estimula-se o prazer estético que deleita o homem.

      A arte como a mais sublime expressão humana da natureza e do universo opõe-se à própria Natureza que o homem pretende exprimir e interpretar. Quando é a simples manifestação do belo (obras belas), denomina-se belas-artes (designação comum às artes plásticas, sobretudo a pintura, a escultura e a arquitetura). Como afirma Platão em Fédon, sendo a beleza Luna ideia absolutamente perfeita, é o fim em si e ama-se por si própria. Porém, quando a arte visa fins lucrativos, denomina-se artes úteis (são as artes mecânicas). Estes dais tipos de obras artísticas diferem um do outro, tal como a belo difere do útil. Pois se o belo se ama em virtude de si próprio, o útil ama-se em virtude do fim diferente de si mesmo. O útil é relativo.

 
Fig.2: Vénus de Milo, estátua grega que representa a beleza. Remonta a cerca de 130 a. C.

 

4.2.3. O belo como fundamento da arte

O que é belo é subjectivo. Dai a dificuldade em chegar a um consenso sobre o que é belo ou sobre o que não o é, portanto, parece ser obvio que a classificação de uma abra de arte como bela é relativa. Com efeito, não se fala, hoje em dia, de valores universais. Não existem valores eternos comungados por todos os povos e em todos os tempos.

    Como afirma Ferry, «A ética fundamentando o belo numa faculdade demasiado subjectiva para que nela se possa facilmente encontrar alguma objectividade, a história da estética, pelo menos até aos finais do século XVIII, iria antes do relativismo à busca de critérios

 

A sociedade moderna procura compreender o universal a partir do particular. É uma sociedade epistemologicamente indutiva. Sendo assim, não era de esperar um consenso sobre a beleza das grandes obras de arte. Como constata Ferry, é no domínio da estética que a tensão entre o individuo e colectiva, entre o subjectivo e o objectivo se faz sentir de uma maneira mais forte.

      O belo é o que nos reúne mais facilmente e mais misteriosamente. Daqui resulta a visão de que a obra de arte deve ser uma representação bela do mundo subjectivo do artista.

 

Vamos recordar...

– A estética é a ciência do belo.

– A arte é a representação subjectiva da realidade.

– A obra de arte deve ser uma representação bela do mundo do artista.

4.2.4. As belas-artes

      Partindo da sua finalidade, que é a utilidade e a expressão do belo, podemos dividir a arte em artes mecânicas (metalurgia e têxteis) e betas-artes- Enquanto nas artes mecânicas o artista está preocupado com a utilidade da sua obra, isto é, c lucro, nas belas-artes a preocupação fundamental do artista é a expressão do gosto pelo belo. Enquanto o belo se ama por si próprio, ou seja, pelo facto de ser belo, o útil ama-se por aquilo que é, mas em razão da sua finalidade.

      Portanto, o útil é sempre relativo, ao passo que a beleza é, como era proclamada por Platão, absoluta e perfeita.

    As belas-artes classificam-se em artes plásticas e artes rítmicas. Vejamos estes grupos.

Artes plásticas – são as artes que exprimem a beleza sensível através do uso das formas e das cores. Estas compreendem:

  • A escultura – que representa imagens plásticas em relevo total ou parcial e expressa sentimentos e atitudes através das formas Vivas, buscando a perfeição e a beleza sublimes;
  • A pintura – que, pela combinação imaginativa e sensitiva das cores, exprime a percepção que o artista tem da Natureza. A pintura supera a escultura, pelo menos no homem, pela maneira como fixa nele as suas expressões faciais;
  • A arquitectura – pela criatividade, esta atinge e expressa a beleza com equilibradas e agradáveis proporções das massas pesadas.

As artes rítmicas (ou artes de movimento) – são artes que, na sua essência, produzem obras que exprimem a beleza mediante várias formas: sons, ritmos e movimentos. Estas, por sua vez, compreendem:

  • A poesia (ou seja, a arte literária) – com ritmo mais ou menos suavizado pelas rimas e palavras harmonizadas entre si, cria uma sensação agradável e é recitada ou lida em silêncio;
  • A música (arte musical) – expressa a beleza através de acordes vocais, melodias e ritmos ou batidas compassadas em tempos alternados. Com a simultaneidade de melodias, a música pode transmitir sentimentos de vária ordem, assim como uma critica social. Através da música, o artista exprime o que lhe vem da alma, ou o que gostaria que fosse, mas não é;
  • A coreografia (ou a dança) – conhecida como arte mista ou arte da dança. Através de uma sequência de movimentos corporais realizados de forma rítmica, ao som da música ou do canto, o artista exprime o modo como vê, sente e encara o mundo a sua volta.

4.2.5. Significado e valor social das produções artísticas

As obras de arte retratam a Vida quotidiana de uma sociedade. Por esta razão, em parte, as obras de arte não podem pretender representar o universal, porque constituem uma expressão da visão do mundo do artista. Como a arte representa a percepção do artista do mundo em que Vive, torna-se a janela através da qual a sociedade nela se revê. Ou seja, a sociedade espelha-se nas obras de arte, porque estas são a sua representação.

      Nem toda a gente tem a capacidade de fazer uma leitura critica da sociedade ou de ter um olhar antecipado da realidade e o artista pode representar a sociedade de forma critica. Este poderá igualmente intuir o que poderá vir a ser a sociedade futura.

4.2.6. A arte e a moral: relação mútua?

Alguns filósofos, como Platão, Aristóteles e Vico, estabelecem de uma forma mais ou menos directa a relação da arte com a moral. Assim, condenam as obras de arte que julgam moralmente censuráveis.

     Platão, o primeiro filósofo a tratar do problema estético, diz que a arte é fruto do amor que impele a alma para a imortalidade para atingi-la, a alma gera e procria o belo, antecipando, desta feita, a Vida feliz. No mundo das ideias, a alma vive feliz mediante a contemplação da beleza subsistente. Para o alcance da felicidade, na Vida terrena, a alma cria o belo através de imitações da Beleza.

      A moral ganha ainda maior importância pela sua relação com a moral. Platão assevera que a arte deve subordinar-se à moral. Por consequência, deve ser favorecida só a arte que é útil à educação. A arte que favorece corrupção deve ser condenada e excluída. Por esta razão, Platão condena a tragédia e a comédia porque são formas de arte imitativa que se afastam da verdade (do mundo das Ideias) em vez de se aproximarem dela.

Três são as razões que levaram Platão a condenar as artes imitativas:

  • 1. Representam os deuses e heróis com paixões humanas, perdendo respeito;
  • 2. Não exprimem a ideia original das coisas (é uma imitação imperfeita e, por isso, distante da verdade);
  • 3. São fundadas nos sentimentos e não na razão. Agita as paixões, provocando o prazer e a dor.

A única arte digna de ser cultivada, no entender de Platão, é a música. Esta educa para o belo e forma a alma para a harmonia interior.

    Kant diz, na Critica cia Razão Prática, que a razão Humana não tem somente a capacidade de conhecer, tem igualmente a capacidade de determinar a vontade para agir moralmente. Portanto, o objectivo da segunda critica é estudar como é que a razão determina a vontade para agir moralmente. Em Observações Sabre o Sentimento do Belo e do Sublime, Kant atribui, às virtudes, adjectivos estéticos. São belas e atraentes a compaixão e a condescendência (virtudes presentes no homem de bom coração); é sublime a virtude genuína de um homem justo, de coração nobre.

 

Na critica do juízo, Kant diz que um objecto pode ser agradável, belo ou bom. O nosso interesse vai pelo que nos agrada ou pelo que é bom, mas não pelo que é belo. O belo proporciona-nos uma satisfação desinteressada e livre. Não procuramos o prazer estético, ele acontece-nos inesperadamente. É um prazer que não depende do nosso desejo. Nós somos surpreendidos pelas formas belas. Portanto, é preciso distinguir o estético do ético, cuja separação se manifesta através do interesse, ausente no primeiro e presente no segundo. Todavia, o belo e o bom são análogos:

  • Agradam imediatamente;
  • São universalmente partilháveis;
  • São inspirados por uma forma (forma de imaginação e forma da lei moral);
  • São livres (a vontade só depende das prescrições da razão).

Ponto de vista diferente e contestatário foi apresentado por Beneditto Croce. Este defende que a arte é absolutamente autónoma. Para que a arte seja arte verdadeira deve ser genuína expressão dos sentimentos íntimos do artista.

 

Segundo Mondin, «para fazer arte verdadeira é preciso expressar aquilo que há em si mesmo» e argumenta que «quem o exprime bem é o artista. Mas o homem e o artista são duas realidades diferentes. Para se ser artista, basta expressar bem os próprios sentimentos, enquanto o homem deve ser também moral, sábio e prático. Portanto, embora não esteja sujeito moral como artista, o artista está sujeito à moral como homem». Como assevera Croce, «se a arte está aquém da moral, não está do lado de cá nem do lado de lá, mas sob o seu império está o artista enquanto homem, que aos deveres do homem não deve escapar, e a própria arte […] deve ser considerada como uma missão e exercitada como um sacerdócio».

 

Portanto, a moralidade do artista é uma realidade imanente em si, como homem. Se o artista observar as normas morais, jamais produzirá obras susceptíveis de serem classificadas como imorais, pois a obra de arte é a expressão do sentimento íntimo do artista.

 

Vamos recordar...

– As belas-artes classificam-se em artes plásticas e artes rítmicas.

– Para Kant, a estética e a ética estão separadas pelo interesse presente na última, mas o belo e o bom estão próximos.

– A obra de arte espelha a Sociedade.

– O artista, enquanto homem, está sujeito moral.

 

Texto 6

Beleza

Para o julgamento de objectos belos enquanto tais requer-se gosto, mas para a própria arte, isto é, para a produção de tais objectos requer-se génio.

Se se considera o génio como o talento para a arte bela e, em vista disso, se quer desmembrá-lo nas faculdades que tom de convergir para construir um tal talento, é necessário determinar antes e com exactidão a distinção entre a beleza da natureza, cujo julgamento requer somente gosto, e a beleza da arte, cuja possibilidade (que também tem de ser considerada no julgamento de um tal objecto) requer génio.

Uma beleza da natureza é uma coisa bela; a beleza da arte é uma representação bela de uma coisa.

O gosto é, porém, simplesmente uma faculdade de julgamento, e não uma faculdade produtiva, e o que lhe é conforme nem por isso é uma obra de arte bela.

Kant, Critica Faculdade do Juim, Imprensa Nacicnal, Lisboa, 1992

 

Texto 7

Obra de arte

A obra de arte provém, pois, do espírito e existe para o espírito e é senhora de uma superioridade que consiste em ser uma obra perene enquanto produto natural, dotado de Vida e perecível. A perenidade dá-lhe um interesse superior. Vêm os conhecimentos e, como vêm, desaparecem; é a obra de arte que lhes confere perenidade, que na imperecível verdade os representa. O interesse humano, o valor espiritual de um acontecimento, de uma acção, de uma característica individual, no seu desenvolvimento e finalidade, são pela obra de arte apreendidos e realçados de um modo mais puro e transparente do que o da realidade ordinária, não artística. A obra de arte é, por isso, superior a qualquer produto da natureza que não efectua essa passagem pelo esprito. Assim, o sentimento e a ideia, que em pintura inspiram uma paisagem, conferem a essa obra do espírito um lugar mais elevado do que o da paisagem tal como existe na natureza. Tudo quanto pertence ao espírito é superior ao que se encontra em estado natural. E não esqueçamos que a natureza de modo algum representa ideias divinas, que só a obra de arte pode exprimir.

Hegel, Estética, Guimarães Editores, Lisboa

 

Texto 8

A arte

O que leva o homem a criar obras de arte? Sem dúvida uma das razões será a necessidade premente de enfeitar e decorar o mundo sua volta, necessidade que faz parte de um outro desejo, mais vasto, não o de recriar o mundo à sua volta, mas a de dar a si próprio e ao mundo que O cerca Luna nova forma ideal. A arte, porém, é muito mais que decoração.

A arte permite-nos transmitir a nossa de coisas que não podem ser expressas de outra forma. Na verdade, um quadro vale milhares de palavras, não só pelo seu valor descritivo, mas ainda pela sua importância na arte, como na linguagem, o homem é um criador de símbolos, através dos quais nos transmite, de um modo novo, pensamentos complexos. Temos de encarar a arte não em termos da prosa comum do dia-a-dia, mas em termos de poesia, que tem a liberdade de recomendar a sintaxe e o léxico convencionais, de modo a transmitir novos e múltiplos significados e estados de espírito. Do mesmo modo, um quadro pode sugerir mais do que diz. E, tal como um poema, o seu valor reside tanto naquilo que diz como na maneira como di7. Recorre alegoria, expressão facial, para suge1iL significados, ou então evoca [esses significados através de elementos visuais, como o traço, a forma, a cor e a composição.

Janson, H. W, História Arte, F. C. Gulbenkian, Lisboa, 1979, påg. 145

 

Texto 8

Os artistas

Todos nós somos inclinados a aceitar formas e cores convencionais como as únicas correctas. Por vezes, as crianças pensam que as estrelas devem ter mesmo o formato estelar, embora não o tenham naturalmente. Os adultos que insistem em que, num quadro, o céu deve ser azul e a relva verde, não são muito diferentes dessas crianças. Indignam-se se vêem outras cores num quadro, mas, se [...] olharmos o mundo como se tivéssemos acabado de chegar de outro planeta numa viagem de descoberta e o víssemos pela primeira vez, talvez concluíssemos que as coisas são susceptíveis de apresentar cores e formas mais surpreendentes.

Ora, os artistas sentem-se as vezes como se estivessem empreendendo tal viagem de descoberta. Querem ver o mundo como uma novidade e rejeitar todas as noções aceites e todos os preconceitos sobre a carne ser rosada e as macas amarelas ou vermelhas. Não é fácil libertarmo-nos dessas ideias preconcebidas, mas os artistas que conseguem faze-lo produzem frequentemente as obras mais excitantes. São eles quem nos ensina a ver na natureza novas belezas de cuja existência nunca havíamos sonhado. Se os acompanharmos e aprendermos através deles, até mesmo um relance de olhos para fora da nossa própria janela poderá converter-se numa aventura emocionante.

Gombrich, E. H., A Histöria Arte, Ed. Guanabara

 

Bibliografia

GEQUE, Eduardo; BIRIATE, Manuel. Filosofia 12ª Classe – Pré-universitário. 1ª Edição. Longman Moçambique, Maputo, 2010.