O M´FECANE E A CENTRALIZAÇÃO POLÍTICA NA ZULULANDIA

Antes do século XIX, no sul de Moçambique, mais precisamente nos vales do Incomáti e Limpopo, nunca existiram grandes reinos. Existiram chefaturas e pequenos reinos com 3 a 20 mil habitantes, situação que se alterou desde o ano de 1821, com a formação do Estado de Gaza.

A formação deste Estado está ligada ao fenómeno de lutas e de transformações políticas ocorridas na Zululândia (actual África do Sul), desde a segunda metade do século XVIII a princípios do século XIX, conhecidas por "Mfecane" que levaram à centralização política, nesta região, seguidas por grandes migrações de populações Nguni para o Norte.

  1. Ano: c. 1770
  • Reinos existentes: 20
  • Acontecimentos importantes: lutas pelo controlo da baía de Maputo, agravada pela crise ecológica da qual derivava a disputa pelas melhores terras e pastagens.

lI. Ano: C. 1810/1821

  • Reinos existentes: Nduandue (chefiado por Zuide); Mtetua (chefiado por Dinguisuaio)
  • Acontecimentos importantes: conflitos entre os dois reinos. Dinguisuaio é morto mas, seu reino, sob a chefia de Tchaka, sai vitorioso. Uma parte dos Nduandue derrotados submete-se à Tchaka e outra, foge. Entre os que fugiram contam-se:
  1. a)Zuangedaba, Nqaba Msane e Nguane Maseko que por algum tempo fixaram-se em Moçambique. É assim que por volta de 1890, Estados dominados por descendentes de Maseko e Zuangedaba incluiam territórios moçambicanos do Niassa e Tete;
  2. b)Mzilikaze I, fixou-se no território do actual Zimbábwe;
  3. c)Sobhuza na Swazilândia;
  4. d)Sochangane (Manicuse) fixou-se no sul de Moçambique, onde formou o Estado de Gaza.

O Estado de Gaza

Segue com atenção a seguinte cronologia:

ü  1821-1858-Sochangane forma o Estado de Gaza;

ü  1858 - 1854 -Maueue, filho de Sochangane herda o poder de seu pai mas entra em conflito com outros membros da aristocracia Nguni; ,

ü  1861 - 1864 - Coligação formada por parte da aristocracia Nguni e populações (principalmente do vale do Incomati) e alguns comerciantes de marfim apoia Muzila na guerra com seu irmão Maueue;

ü  1862 - a capital da Gaza é transferida no decurso destes conflitos para Mossurize (Manica)

ü  1864 - 1884 - Muzila é chefe do Estado de Gaza; (durante o seu governo, importantes transformações económicas ocorreram: os elefantes começaram a rarear, a principal força de trabalho começa a procurar emprego na África do Sul e o Estado do de Gaza integra-se na economia monetária);

ü  1884 - 1895 - Ngungunhana filho de Muzila herda o trono do pai, tornando-se no último chefe do Estado de Gaza;

ü  1889 - a capital do Estado de Gaza é novamente transferida para Manjacaze (esta mudança deveu-se ao facto de: i) o Vale do Limpopo e as zonas vizinhas possuirem todos os recursos que começavam a escassear em Mossurize; ii) evitar pressões de Manica onde britânicos e portugueses desejavam começar com a mineração do ouro).

O Estado de gaza resultou da conquista do Sul de Moçambique por exércitos Nguni chefiados por Sochangane. Na sua extensão máxima o território deste Estado abrangia regiões situadas entre a Baía de Maputo e o Rio Zambeze.

A ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA

A conquista e a administração de um território tão vasto corno este foram possibilitadas por uma política de assimilação praticada pelos Nguni através da qual alguns elementos das populações conquistadas eram integradas em regimentos nguni e mais tarde serviam como funcionários no exército e na administração territorial. Populações do vale do Limpopo e os Cossa de Magude, foram integrados em bloco como assimilados, daí serem conhecidos até hoje como Changana/súbditos de Sochangane). A capital, onde residia o monarca "Inkosi", acumulava funções políticas, militares, judiciais, económicas e religiosas.

Além da capital suprema onde vivia o "Inkosi", tinham também importância administrativa e sobretudo ritual, as as capitais sagradas onde viviam as rainhas-viúvas ligadas ao culto nacional dos falecidos monarcas.

O Império subdividia-se em reinos, à frente dos quais estava o "Hossana", responsável pela cobrança dos tributos, distribuição de terras, resolução de litígios, mobilização de regimentos, etc. Os reinos subdividiam-se em.provínvias, dirigidas por um "Induna";

As províncias, por seu turno, subdividiam-se em povoações, dirigidas por um "Mununusana".

A administração territorial do Estado de Gaza fazia-se através do "sistema de casas", como eram chamadas as áreas tributárias em que foi dividido o Estado.

Organização sócio-econômica

Várias camadas são identificáveis neste Estado: no topo da hierarquia social, estava a Alta Aristocracia (Rei e seus familiares); logo a seguir a Média Aristocracia (outros ngunis que não fossem da linhagem real). Estes constituiam a classe dominante aliada aos "assimilados" (elementos da população dominada já integrados na estrutura social nguni). Por baixo, estavam as populações dominadas que independentemente do seu grupo etno-linguístico eram designados por Tanga. Existiam também cativos que trabalhavam nas comunidades domésticas nguni. Mulheres cativas podiam ser tomadas por esposas de homens nguni sem necessidade de lobolo. Em todos o caso, estes cativos gradualmente eram emancipados. Mas, como existiam guerras constantes sempre existiam cativos.

As principais actividades produtivas do Estado de Gaza eram a agricultura (cultivavam a mapira, meixoeira, naxemim, milho), a caça e a pesca que eram realizadas pelas populações dominadas tanto para o seu sustente come para o pagamento de tributos à classe dominante. Também praticavam a criação de gado e o comércio (exportação de marfim e escravos, importação de tecidos, artigos de ferro e cobre.

FONTE ECONÓMICA DO PODER DOS CHEFES

Para além do pagamento de tributos em géneros agrícolas, as populações dominadas entregavam aos Nguni outros tributos em marfim e em dinheiro (libras) ganhos na África do Sul com o início do trabalho migratório para aquela região. Os cativos também constituíam outra fonte de riqueza para os Nguini: trabalhavam nas unidades domésticas destes. Soldados e mensageiros

Nguni eram alimentados pelas populações.

Ideologia

Os cultos e outros rituais eram oficiados pelo rei, pois entre os Nguni e exercício de poder não estava dissociado de exercício das cerimónias mágico-religiosas. Existiam cultos agrários; os destinados a "dar força" aos homens que partiam para a guerra/Mbengululu; e os destinados à chuva, etc.

Decadência

A necessidade de "ocupação efectiva do território", determinada pela Conferência de Berlim, único facto que, a partir daí, legitimaria a posse dos territórios em África, levou Portugal a iniciar as "campanhas de pacificação" no Sul de Moçambique a partir de 1895, tendo como alvo o Estado de Gaza.

"António Enes (comissário régio de Moçambique), insatisfeito com a autonomia de Gaza, apesar dos 'tratados de vassalagem' assinados por Muzila e Ngungunhane, e sobretudo pelas relações 'que este último desenvolvia com a British South Africa Company, traçou um plano para a conquista de Gaza" - In Livro de História, 9a classe, p. 190)

A superioridade bélica dos portugueses e a falta' de unidade entre os chefes do sul de

Moçambique, contribuíram para a decadência do Estado de Gaza. Mouzinho de Albuquerque, governador do distrito militar de Gaza foi o responsável pela prisão de Ngungunhane (Ngungunhane, morre exilado em Açores, em 1906).