A presença indiana em Moçambique
Se o grosso da riqueza acumulada em Moçambique ia para Goa, é porque era através de Goa que a Coroa portuguesa administrava Moçambique. O capitão-general de Moçambique que, as vezes, servia como Governador, não se subordinava directamente ao Rei português, mas sim através do Vice-Rei português em Goa.
Este vínculo entre Moçambique e Índia levou a que, a partir do século XVII, começassem a chegar a Moçambique mercadores indianos tornando-se este país na verdadeira metrópole mercantil de Moçambique.
Em 1686 foi formada a companhia dos Mazanes pelo vice-rei de Portugal em Goa, da qual faziam parte mercadores indianos ricos, armadores. Esta companhia obteve monopólio do comércio Moçambicano e privilégios comerciais em fretes, ajuda oficial Portuguesa e apoio logístico.
A formação dessa companhia beneficiava a nobreza Portuguesa na Índia, e não a estabelecida em Portugal, o que ilustra bem as contradições que haviam entre os dirigentes portugueses. Terão sido essas contradições que estiveram na origem da separação de Moçambique de Goa em 1752.
Quase todo o tipo de comércio a retalho e a grosso era feito pelos indianos a partir do Interland da ilha de Moçambique, Mussuril e nas duas Cabaceiras. Os indianos de menor posse, via de regra, se estabeleciam como relojoeiros, mecânicos, etc.
As Modalidades de Comércio
O comércio de marfim, envolvendo os makua e os mercadores estrangeiros, fazia-se de duas formas que por vezes se complementavam:
- Tráfico regular com os makua dos reinos vizinhos e, por vezes, com mercadores Yao, do Lago Niassa, que levavam marfim, tabaco e azagaias para trocar nos armazéns dos portugueses, por tecidos e missangas. Para estas trocas os portugueses usavam tecidos fornecidos a crédito pelos comerciantes indianos;
- Envio, ao sertão, dos patamares (mercadores africanos). Este sistema era, em geral usado pelos mercadores indianos.
As Disputas Entre os Mercadores Portugueses e Indianos
O comércio do marfim, especialmente a primeira modalidade, levou os mercadores portugueses, sem capital e dependentes do fornecimento de tecidos nas lojas dos indianos, (superiores aos portugueses tanto em termos de capital- dinheiro como na “arte” de fazer negócio), a endividarem-se progressivamente e, por via disso os indianos apropriaram – se gradualmente das propriedades dos portugueses que tinham sido colocadas sob hipoteca. Instalou-se, então um ambiente de rivalidade entre os dois grupos de mercadores, com os portugueses a pretenderam a expulsão dos concorrentes indianos. Os termos pejorativos – Baneanes e outros – com que os portugueses passaram a referir-se aos indianos atestam bem essa rivalidade.
Como Sobreviveram os Indianos à Ira dos Portugueses?
De facto os indianos conseguiram quase sempre “aliar-se” aos governantes portugueses para se defender dos ataques dos mercadores portugueses. Embora em algumas ocasiões aparecessem governantes interessados em defender os interesses dos portugueses, em geral, os indianos conseguiram sobreviver às pressões dos seus concorrentes.
As Guerras do Marfim
As disputas pelo controlo do comércio do marfim não se deram apenas entre os mercadores estrangeiros. Também ocorreram entre os reinos africanos envolvidos nesse comércio e entre esses reinos e os portugueses. Vejamos, então quais foram os principais episódios dessas “guerras do marfim”.
Se até finais do século XVII, altura em que declinou a rota Chire Mussoril, os mercadores phiri dominavam o comércio do marfim, a partir desse tempo os reinos Makua e os mercadores Yao emergiram como novos parceiros dos portugueses e indianos.
A Makuana compreendia três territórios localizados entre Memba e Angoxe: Uticolo, Cambira e Uocela, que faziam parte de pequenos reinos chefiados por Morimuno, Mauruça, Mocutuamuno, Movamuno e Inhamacoma (um aliado dos portugueses). Desses reinos os mais poderosos eram os de Mauruça e Morimuno.
No início do século XVIII registaram-se alguns conflitos entre estes reinos Makua e os portugueses devido ao bloqueio movido pelos Makua ao trânsito dos Yao pelo seu território em direcção a costa para comerciar com os portugueses.
Reagindo às constantes interferências de Morimuno no trânsito das caravanas Yao, em 1753, os portugueses atacaram o reino de Morimuno entretanto sem lograr sucesso.
Entre 1756 e 1758 Murimuno, em colaboração com Mauruça, volta a bloquear o trânsito Yao e não tendo conseguido sucesso militar ou comercial, os portugueses assinaram com os chefes Makua um acordo em 1783, segundo o qual “ (…) serão obrigados a dar passagem livre pelas terras dos seus domínios aos cafres Mujao (Yao), ou de outra qualquer nação que viessem comerciar com os portugueses”.
Sendo os estados envolvidos no tráfico de escravos, os reinos afroislâmicos, eles viam nas guerras contra os Makua a possibilidade de captura de escravos, mas também uma oportunidade para eliminar um concorrente.
O comércio Yao na costa terá iniciado com os ferreiros a-chisi, tendo a procura de tecidos levado ao aumento de produtos envolvidos no comércio, começando a entrar com o marfim no mercado internacional através da Ilha de Moçambique.
O marfim vendido na ilha de Moçambique, era na sua maior parte, canalizado para Índia onde era utilizado no fabrico de ornamentos para as cerimónias nupciais hindu. A parte, menor, que chegava a Europa era utilizada no fabrico de bolas de bilhar.
Os contactos ao longo da costa e suas repercussões
Desde o século IX, marcas da presença árabe na costa oriental moçambicana são evidentes. Esta presença foi movida essencialmente pela vontade de fazer comércio. Populações oriundas do Golfo Pérsico estabeleceram-se principalmente na Ilha de Moçambique e em Quelimane.
A presença árabe em Moçambique trouxe melhorias na arte de navegação, na criação de entrepostos comerciais, na definição dos produtos a produzir/comercializar, no aparecimento de outros povos prontos para o comércio. Contudo, esta ligação árabe-persa e habitantes do actual território de Moçambique teve as suas interrupções devido a presença portuguesa em Moçambique a partir do século XV.
A formação da companhia dos Mazanes
Em Moçambique estiveram instalados dois sistemas de exploradores e ou comerciantes: A coroa portuguesa com a sua sede em Lisboa e os Prazeiros com uma parte em Lisboa e outra na Índia.
Destes, a maioria parte da riqueza comercial era canalizada para Goa – Índia, onde uma elite comercial se estabelecera luxuosamente em GOA, DIU, etc, e o que chegava a Lisboa era em pequena escala.
Era através de Goa que a coroa portuguesa administrava Moçambique. O capitão-geral de Moçambique estava subordinado ao vice-rei de Goa. No séc. XVII, a Índia tornou-se verdadeiramente “metrópole” mercantil de Moçambique no que diz respeito à acumulação do capital quando os primeiros indianos começaram a chegar à Ilha de Moçambique.
Em 1686, o vice-rei de Portugal formou em Diu uma Companhia chamada Companhia dos Mazanes, composta por ricos armadores e mercadores indianos, a qual obteve o monopólio do comércio entre Diu-Índia e Moçambique, bem como extensos privilégios comerciais em termos de fretes, apoio logístico, ajuda oficial portuguesa, etc.
Na sequência da formação da companhia dos Mazanes, os mercadores indianos foram chegando no nosso país, os primeiros 7 em 1687 e fixaram-se na Ilha de Moçambique. Ano após ano, passaram ao Interland da Ilha, depois ao vale do Zambeze, Inhambane e em Lourenço Marques.
O principal objectivo (papel) da criação da Companhia era de controlo do comércio do ouro (séc. XVI-XVII) e mais tarde de marfim e escravos.
A formação desta companhia foi programada em Goa e não em Lisboa pelo interesse da nobreza portuguesa na Índia e não da estabelecida em Portugal. Esse facto reflectiu contradições dentro da própria classe dirigente portuguesa (pele obtenção do maior bocado da mínima colonial mercantil), culminando com a separação de Moçambique de Goa em 19 de Abril de 1752, altura em que o nosso país passou a ter um estatuto próprio de subordinação à Lisboa, onde D. Francisco de Melo e Castro foi nomeado Governador-General.
A extensão da companhia dos Mazanes e a presença ilegal indiana em Moçambique
Em 1777, a Companhia dos Manzanes foi extinta, e então os baneanes permaneceram na actividade comercial por conta própria. Com o tempo foram se apoderando não só das casas, mas também dos palmares e escravos dos moradores da Ilha.
Não é muito difícil perceber que na raiz de tal opinião, marcada pela incompreensão e até certo ódio aos baneanes, se encontra a inveja suscitada pelos invulgares meios de fortuna acumulados em curto espaço de tempo.
Essa não é uma opinião isolada de um administrador português, mas sim quase um lugar comum, que era, no entanto, contrabalançado por uma atitude ou espírito tolerante, demonstrado pela ausência de qualquer acção ostensiva contrária à comunidade baneane, em razão do reconhecimento de que estes exerciam um relevante papel social. Por exemplo, eles exerciam as tarefas artesanais, pela falta de artífices portugueses.
Essa ambiguidade também é encontrada em outras regiões da costa oriental africana, uma vez que em 1781, os moradores da Zambézia se insurgiram contra a presença dos comerciantes baneanes nos Rios de Sena.
Principal actividade económica
Os baneanes vieram a monopolizar o comércio tanto o atacado como o varejo no comércio de importação. Inicialmente, suas actividades concentravam-se na Ilha de Moçambique, e apenas posteriormente foram autorizados a levar suas actividades comerciais também para o interior do continente. Estas concessões eram sucessivamente autorizadas ou revogadas, conforme os baneanes conseguissem ou não corromper os governadores gerais. Chegaram até mesmo a fundar casas comerciais nos Rios de Sena.
Os estabelecimentos baneanes comercializavam mercadorias diversificadas em regime de monopólio. Haviam até 1793, 13 comerciantes baneanes bem abastados na Ilha de Moçambique, proprietários de várias casas e armazéns, além de muitos baneanes e muçulmanos indianos, que forneciam escravos para as forças militares portuguesas.
Actividades complementares
No que diz respeito às outras actividades comerciais exercidas pelos baneanes, a contradição entre a prática sócio-religiosa hindu e a actividade profissional, era bastante patente. Seja o comércio de armas e munições, feito com os macuas e mujavos, fundamental para a intensificação do tráfico de escravos a partir do final do século XVIII; seja o tratamento desumano dado aos escravos, em que muitos morriam como consequência dos maus tratos; seja até mesmo no comércio de marfim – do qual os baneanes detiveram o monopólio por mais de um século -, uma vez que a maior parte do marfim que negociavam era resultado da morte violenta de elefantes. Todas estas práticas contrariavam as regras fundamentais das religiões indianas. (ANTUNES, 2001: 121).
Consequências da Presença indiana em Moçambique
Os contactos com carácter permanente entre as populações moçambicanas na costa norte e os mercadores asiáticos contribuíram para o desenvolvimento de transformações sociopolíticas, económicas, religiosas e culturais.
A nível religioso
A presença hindu em Moçambique tem mais de quinhentos anos e se torna visível pela construção de templos em várias regiões urbanas e rurais do país, como o templo de Maputo, o templo de Salamanga, em Marracuene, o templo hindu de Inhambane, o templo hindu da Ilha de Moçambique, em Nampula, e o templo hindu de Palma, em Cabo Delgado. Tal como os ismaelitas, a maior parte dos hindus que vive em Moçambique, dedicam-se ao comércio. Estes hindus são oriundos do estado de Gujarate e são falantes do Gujarati.
A nível político
Emergiram e desenvolveram-se unidades políticas nas costas de Cabo Delgado e de Nampula com sistemas políticos árabes. Tais unidades políticas foram os Sultanatos de Angoxe e os Xeicados de Sangage, Quitangonha e Sancul.
A nível económico
Foram introduzidas plantas alimentícias como o arroz de regadio, o coqueiro, a bananeira, o inhame, os citrinos, a pimenta, a canela, etc. detêm ainda hoje certa influencia no comércio e na indústria hoteleira: Hiper Maputo (Maputo), Hotel Milénio (Nampula), Pemba Beach Hotel (Pemba), Hotel Executivo (Nampula), etc.
Conclusão
Com o fim da pesquisa concluiu se que, em Moçambique, existem várias comunidades de natureza heterogénea do ponto de vista religioso, socioeconómico, linguístico e mesmo da sua história de imigração.
Referências bibliográficas
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