A luta política entre os partidos democrático e aristocrático, entre populares e optimates, vinha-se desenvolvendo desde 108, com a derrota ou o triunfo dos respectivos chefes militares a reflectir-se de imediato na correlação de forças. De início, o essencial da luta de partidos girou em torno das campanhas militares, com os chefes democráticos a exigir o julgamento dos comandantes militares aristocráticos incapazes ou corruptos.

Dada a incapacidade da camarilha dirigente na política exterior, com Mário a conseguir vitória sobre vitória, o movimento democrático foi-se reforçando, com a sua ala radical a retomar as reivindicações dos tempos dos Gracos. Os chefes dessa corrente foram Lúcio Apuleio Saturnino e Caio Servílio Glaucia. Apuleio Saturnino pertencia à nobreza, havendo passado aos populares por razões de carácter pessoal. Sendo Apuleio questor em Óstia (talvez em 104), o senado afastara-o da direcção do abastecimento de cereais, substituindo-o por Marco Emílio Escauro. Profundamente ofendido, Apuleio muda-se então para o campo dos democráticos. Não foi caso único entre a nobreza.

Glaucia era plebeu. Rústico, extraordinariamente enérgico e orador nato, gozava de grande popularidade entre as massas. Em 104 é eleito tribuno da plebe, desencadeando com os seus colegas de tribunado uma vigorosa ofensiva legislativa contra os optimates. Nesse ano é aprovada a lei judicial de Glaucia (lex Servilia judiciaria). Ao que parece, visou repor a lei judicial de Caio Graco, revogada em 106 por proposta do cônsul Quinto Servílio Cepião. Os processos de investigação criminal voltam assim às mãos dos cavaleiros.

É ainda aprovada a lex Servilia repetundarum, que reforçou o controlo sobre os magistrados e agravou as penas para os crimes de concussão. Ainda em 104, são instruídos processos contra os chefes dos aristocráticos e os seus derrotados comandantes militares (Quinto Servílio Cepião, Marco Júnio Silano e outros).

A Ditadura militar

Ditadura teve no desenlace da República e a influência que alcançou na modernidade justifica‑se, para concluir este volume, uma sinopse sobre a evolução desta magistratura, cuja conceição do senso comum actual difere da tradição romana, pelo menos no que se refere ao desempenho anterior a Sula e César. Em Roma, a ditadura apresentava‑se como uma magistratura usada em situações especiais, contudo era um cargo legitimado pela “constituição”, e que, na essência, não deve ser confundido com a arbitrariedade dos governos despóticos modernos, nem com usurpações ilegais do poder, nem sequer com a representação retórica antiga do tirano helenístico. A sua criação e normalmente colocada no início da República, em concomitância com 430 as magistraturas ordinárias, como uma espécie de salvaguarda do Estado para ocasiões de emergência que os magistrados eleitos não poderiam resolver por si. Tratava‑se, portanto, de um cargo de nomeação para uma tarefa específica, a realizar num determinado tempo, e tão antigo como a República romana

A ditadura em Roma entende‑se a luz da lógica da constituição romana e do seu desenvolvimento. Aparece numa posição de equilíbrio entre o tabu em relação a Monarquia e a necessidade que por vezes o Estado tinha de ter um líder forte e único, com um império reforçado por questões de conflitos, externos ou internos, ou para aplacar os deuses.

No final da República, o equilíbrio quebrou‑se e a instituição acabou usada nas lutas entre facções. De missão entregue pelos cônsules, passou a ser uma forma de governo, cada vez mais longa. Utilizada para tentar sanar os males de que sofria a República, acabou por ser um dos factores que levou ao seu fim e a criação do principado, uma nova forma de monarquia que tornava em ficção a constituição republicana.

Bibliografia

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