O Reino Visigótico foi um Estado germânico fundado pelos visigodos que ocupou o sudoeste da Gália (atual França) e a Península Ibérica dos séculos V-VIII. Sucessor do Império Romano do Ocidente, foi originalmente criado quando os visigodos sob Vália (415-419) foram assentados pelos romanos na província da Aquitânia e começaram a se expandir em direção à Península Ibérica. O reino manteve-se independente do Império Bizantino, que tentou restabelecer no século VI a autoridade romana na Hispânia.
Pouco depois da derrota de Vouillé, que repele os Visigodos para a Espanha, tudo parece anunciar o fim de um Estado que parecia fortemente consolidado. No interior, o filho de Alarico II vê-se ameaçado por uma revolta dos grandes e dos naturais da Tarraconense. A protecção do seu avô Teodorico permite-lhe fazer frente aos revoltosos, mas, morto o rei ostrogodo (526), o seu poder é abalado.
No exterior, os Fran¬cos procuram tomar a Septimânia e combatem Amalarico perto de Narbona; o rei é assassinado pelos seus soldados (531). Surgem então insurreições no País Basco, revoltas na Andaluzia, de que Justiniano se vai aproveitar para prosseguir a sua reconquista (tomada de Ceuta). A energia do ostrogodo Theudis, antigo governador de Espanha no tempo de Teodorico, permite deter a invasão franca e repelir os Bizantinos para o mar, mas o seu assassinato volta a pôr tudo em causa.
A luta entre o ariano Agila (549-554) e Atanalgildo permite aos Bizantinos, instalados nas Baleares, ocupar as costas desde Valença a Málaga e depois conquistar Múrcia e Córdova. Atanalgildo, proclamado rei, procura então desembaraçar-se dos seus aliados da véspera: para melhor resistir, estabelece a capital, que até então fora Barcelona e depois Mérida, na planície de Castela, no sítio fortificado de Toledo. Na corte, o primeiro grande príncipe visigodo tem grande prestígio; a sua reputação é tal que os reis francos Sigeberto e Chilperico lhe pedem as filhas em casamento: uma delas, Brunehaut, parece ter herdado as qualidades políticas do pai.
Com a morte de Atanalgildo, o período crítico passou. Justiniano morreu, e com ele os sonhos de reconquista total da Espanha, e o seu sucessor recebe o reconhecimento teórico do novo rei, Leovigildo (567).
Uma das primeiras tarefas do novo rei foi a con¬quista do reino dos Suevos, que, desde a partida dos Vândalos para a África, se organizara na região ocidental da Península (ao norte do actual Portugal). Aliados por algum tempo aos Visigodos, eles tinham-se convertido ao catolicismo, graças ao apostolado de Martinho, bispo de Braga, e assim se tornaram inimigos ferrenhos dos Gados. Várias campanhas foram necessárias para destruir o reino suevo, que, em 585, foi anexado à Espanha visigótica. A noroeste, para se defender das revoltas dos Bascos, Leovigildo funda Vitória, enquanto a leste fortifica Narbona e Carcassona contra os ataques dos Francos. A sul recon¬quista Córdova e Málaga aos Bizantinos, que em breve deverão abandonar definitivamente as costas do Levante espanhol.
Assim, o reinado do «unificador nacional» conclui-se por um saldo positivo. A corte de Toledo continua a ser famosa pelo seu fausto «à romana», a sua moeda de ouro e mesmo a sua cultura. Mas, se a unidade política é realizada, se a fusão social começa a fazer da Espanha uma grande nação, o arianismo do rei continua a ser um obstáculo à unidade moral. As lutas com o seu filho Hermenegildo, que os bispos católicos e as cidades de sul apóiam, parecem reforçá-lo na sua posição. O seu sucessor Recaredo, rei em 5867 não vai adoptar essa política religiosa.
Sob a influência de Leandro, metropolita de Sevilha, dez meses depois da sua subida ao poder, Reca¬redo fez, juntamente com a sua família, uma espetacular abjuração. O terceiro concílio de Toledo (589) registrou essa conversão e organizou a luta contra o arianismo. Enquanto na Gália a conversão de Clóvis provocou a do seu povo, parece que em Espanha a aristocracia gótica abandonou mais lentamente as suas práticas religiosas. Daí nascerão numerosos conflitos que enfraquecerão a monarquia visigótica.
Monarquia Visigótica
A corte do rei, aula regia, lembra muito a corte de Ravena: o príncipe, que abandonou o vestuário bárbaro, está rodeado pelos seus seniores e é ajudado na sua administração pelo conde da câmara real, pelo conde do tesouro público, pelo conde do património, etc. Os actos da sua chancelaria, formalmente semelhantes aos de Bizâncio, são enviados aos rectores das províncias e aos curiales das cidades. Nesta corte, Romanos e Gados encontram-se e os príncipes gabam-se de serem letrados: Recaredo e os seus sucessores Sisebut e Recesvindo deixaram-nos nas suas poesias ou nas obras hagio¬gráficas as marcas do seu talento literário. Os nobres não podiam deixar de seguir este exemplo.
Quando não residem em Toledo, os nobres cultivam, directamente ou por meio dos colonos hispano-romanos, as terras que a partilha lhes concedeu e que estão situadas sobretudo no Norte da Meseta (campos góticos). Conservam eles a sua própria legislação? Até meados do século VII, Hispano-Romanos e Visigodos têm uma dupla legislação, o Breviário, condensado da lei romana dada por Alarico II, e os códigos visigóticos e suevos.
Em 654, para completar a fusão, o rei Recesvindo suprime esta personalidade das leis e promulga um código uno, o Liber Judiciorum, em doze livros, todos inspirados no direito romano. Só a Septimânia conserva a dualidade jurídica. Os outros factores de aproximação foram os casamentos mistos, autorizados desde o fim do século VI, e a entrada dos indígenas no exército. Sem dúvida, a cavalaria continua a ser exclusivamente gótica, mas as lutas comuns contra os Suevos e sobretudo contra os «Romanos» permitiram o despontar de um sentimento nacional que a conversão dos Godos ao catolicismo veio reforçar ainda mais.
A partir de 589, a Igreja desempenha um grande papel na monarquia. Não somente é nela que nasce, à volta de Isidoro de Sevilha, o «renascimento» das letras, mas sobretudo é ela que, com efeito, dirige a política dos reis.
O metropolita de Toledo é quem sagra os reis, pelo menos a partir de 672, e preside com eles aos numerosos concílios de Toledo, que podem ser considerados como as cortes da monar¬quia visigótica. E aí que são julgados os, grandes processos e que são aprovadas as decisões legislativas. E aí que são elaborados os decretos contra os Judeus, únicos elementos inassimiláveis da população espanhola, ou contra aqueles que recusam o juramento de fidelidade ao rei. Em 633, um concílio reconhece o princípio da eleição dos soberanos, mas não sabemos em que medida essa decisão foi seguida. O que podemos dizer é que o deus católico apóia constantemente os príncipes nas suas lutas contra a aristocracia.
E estas lutas foram numerosas no século VII. Quererão os nobres, sobretudo se alguns se manti¬veram arianos, libertar os soberanos das garras do clero ou, mais provavelmente, procurarão tornar-se independentes? Certos historiadores, como Sanchez Albornoz, vêem na anarquia do século VII aparecer já elementos de vassalagem: o rei cerca-se de uma corte de fiéis (os gardingos) que, ligados por jura¬mento e dotados de terras, o defenderiam da ambição dos grandes nobres.
Um outro ponto dessa história permanece ainda obscuro: o papel desempe¬nhado pela nobreza na invasão dos Bárbaros, no início do século VIII. Simbolizado pela traição do enigmático conde Juliano, de que a literatura árabe se apoderou, este papel terá sido o apelo directo ou o abandono? Enfraquecido por estas lutas internas, arruinado economicamente pelas perseguições dos Judeus, o reino visigodo não teve forças para resistir aos guerreiros de Tárique.
Roderico, o último rei godo, desaparece na batalha de Guadalete (711). Em 722, os Visigodos tentam, refugiando-se nas montanhas das Astúrias, retomar a ofensiva, mas serão necessários sete séculos para que esta «reconquista» consiga expulsar o Islão da Península Ibérica (tomada de Granada, 1492). Assim, apesar da fusão das populações, a realeza bárbara de Espanha não pôde manter o seu domínio. O destino das realezas germânicas estava, aliás, mais perto do berço dos povos bárbaros.
Direito visigótico
As novas leis foram aplicadas tanto às populações góticas como às hispânicas que estavam sujeitas a diferentes leis no passado, e substituíram todos os códigos de direito antigos. Entre as leis antigas eliminadas estavas as leis severas contra os judeus. O Código Visigótico mostrou que o velho sistema de divisões militares e civis na administração estava mudando, e duques (duces provinciae) e condes (comes civitatis) começaram a receber mais responsabilidades fora de seus deveres civis e militares originais.
Os servos ou escravos do rei tornaram-se muito proeminentes na burocracia e exerceram amplos poderes administrativos. Com os códigos de direito visigótico, mulheres poderiam herdar terra e título e administrá-la independentemente de seus maridos ou parentes masculinos, dispor de propriedade em testamentos levais, e podiam representar-se e testemunhar em tribunal aos 14 anos e organizar seus próprios casamentos aos 20.