A história dos Reis da Inglaterra começa com os Anglo-Saxões, no inicio do século IX. As datas e talvez até os anos podem não ser muito corretos, porque isso foi há muito tempo atrás. Nessa época, a Inglaterra, como você conhece, ainda não existia. A terra era dividida em vários pequenos reinos, e as pessoas que ali viviam eram chamadas de Anglo-saxões.

Para explicar a originalidade da ocupação germânica na Inglaterra devem-se realçar em primeiro lugar dois factos importantes: A fraca «romanização» desse território e a encarniçada resistência das populações locais. Roma ocupou a Bretanha, mas não a civilizou. Todo um equipamento militar deixa sem dúvida vestígios: estradas estratégicas, muralhas, cidades fortificadas onde se instalam colónias militares, mas, quando as legiões recuam para o Sul (a partir da segunda metade do século IV) e, depois, quando começam a deixar a ilha, em 407, a acção romana é em breve diluída e as cidades de Iorque, de Londres, de Lincoln, por algum tempo prósperas, entram rapidamente em decadência.

O génio romano, por todo o lado conseguira impor a língua latina, falhou aqui; só os clérigos se recordarão da linguagem dos ocupantes. Mais ainda, é preciso reparar que nem todas as regiões montanhosas da Inglaterra sofreram essa ocupação; os Celtas conservaram ali às suas instituições e, à partida das últimas legiões, podiam pensar em reconquistar as regiões do Sudoeste. A invasão germânica não lhes permitiu levar muito longe essa reconquista.

Os Romanos tinham lutado durante muito tempo contra a resistência bretã, não sendo, pois, de espantar que esse povo não tenha aceita a ocupação germânica. Pouco sabe-se desta longa luta: as únicas fontes quase contemporâneas são uma passagem da Vida dos Germanos, de Auxerre, e um opúsculo moralizador do monge Gildas. Mas, se os factos faltam, as lendas abundam e, se entre os heróis da resistência o rei Artur é o mais popular, está longe de ser o único. Confrontando textos históricos e lendários, parece que a conquista germânica foi feita em duas fases.

Por volta de 450-500, os invasores instalam-se em pequenos grupos nas regiões orientais: os Jutos ocupam a ilha de Wight; os Anglos, as planícies ao Norte do Wasch (East-Anglia); os Saxões, o Essex e o Wessex. Nas regiões arborizadas na bacia de Londres e nas terras do centro habitam os Bretões. Na segunda metade do século VI e no século VII, os Germanos retomam a ofensiva e repelem os Bretões para o Oeste; Severn torna-se a linha fronteiriça e os planaltos da Cornualha e, os País de Gales são o refúgio das populações célticas.

Vencidos, os Bretões não aceitam o domínio dos Anglo-Saxões; mesmo nas regiões orientais, a fusão não se faz: nem uma palavra do britânico na língua anglo-saxónica, poucos nomes bretões na toponímia da Inglaterra, nenhuma mistura de povos. Além disso, mesmo depois da conversão religiosa dos Anglo-saxões, os Bretões oporão a sua liturgia à dos Germânicos e as relações entre as diferentes serão nulas ou hostis.

Instalados numa região que nada conservou da ocupação romana e onde os povos locais recusam a fusão, os conquistadores vão manter-se fiéis às instituições germânicas. Eis, enfim, povos que nenhuma influência vai contaminar e isto é para o historiador das “invasões bárbaras” um precioso testemunho. Infelizmente para ele, nada sabe-se sobre o início das realezas anglo-saxónicas. Nesse ponto ainda as lendas nos descrevem a fixação dos primeiros reis do Kent, de Mercie ou de Nortúmbria, mas a realidade dos factos escapa-nos e a história desses reinos começa a ser conhecida no século VII.

Mas os historiadores ingleses não querem aceitar esta lacuna e, utilizando os dados da História Eclesiástica, de Bede (morto em 735), o Beowulf, primeiro poema em língua vulgar, e enfim as leis de Athelbert de Kent e de Ine de Wessex, tentaram reconstituir a sociedade anglo-saxónica do século VI. Fixemos alguns aspectos. Primeiramente, a anarquia política: enquanto os reinos bárbaros do continente conhecem muito rapidamente uma relativa unidade política e se pode falar do reino dos Francos ou dos Visigodos a partir do século VI, não existe reino anglo-saxónico unificado. Instalados em pequenos grupos isolados uns dos outros, os povos invasores vão formar principados independentes e inimigos.

Não sabemos o seu número: falou-se da «heptarquia inglesa», mas, de facto, a Inglaterra divide-se, não em sete reinados, mas em dezasseis ou dezoito. Alguns deles, vão, sem dúvida, cres¬cendo à custa dos vizinhos e podem-se distinguir, no fim do século VI, Bernicie e Deirie (Iorque), que formarão a Nortúmbria, ao sul do rio Humber a East-Anglia e Mercie (“marcha” contra os Bretões) e, por fim, os estados meridionais de Kent, Essex Sussex e Wessex.

Toda a história inglesa do século VI ao século IX é preenchida pela luta de influências desses pequenos reinos; e delimitam-se os seus períodos falando da supremacia de Ethelbert de Kent (fim do século VI), de Edwin e de OswaId de Nortúmbria (primeira metade do século VII), de Offa, rei de Mercie (757-796), até ao momento em que o Wessex dominará definitivamente, pouco antes das invasões dinamarquesas do século IX (reinado do rei Alfredo).

As instituições anglo-saxónicas diferem conforme os reinos e a ideia de um «sistema anglo-saxónico» primitivo, concebida no fim do século XIX pelo grande historiador Stubbs, está agora ultrapassada. As fontes do século VII que já citamos mostram-nos os chefes de bandos que se tornaram reis rodeados de uma nobreza de guerreiros, os jovens educando-se junto ao príncipe, os velhos formando um conselho político que mais tarde tomou o nome de witenan-gemot (assembleia dos anciãos). À antiga nobreza dos companheiros de armas (thanes) junta-se, depois da conquista, uma nova nobreza dotada de terras e encarregada de funções administrativas, a dos eorls. Abaixo destas nobrezas, a base da sociedade parece ser formada pela multidão de camponeses livres (os ceorls), depois pela dos escravos libertos (laets) – pelo menos no Kent- e, finalmente, pela dos escravos (theows) vindos da Germânia ou escolhidos entre os Bretões vencidos.

No conjunto, essas instituições conservam a marca do sistema germânico e, se estudássemos a organização judicial e as tarifas do Wergeld, ou a comunidade de aldeia (township) – cuja origem é ainda muito obscura -, ou, enfim, a religião dos Anglo-Saxões, esta influência germânica seria confirmada. Os reinos de Inglaterra ficam durante muito tempo em contacto comas civilizações escandinavas