Por: Aílton Duarte Assucena Magane
NOTA INTRODUTÓRIA
A Europa do século XVIII, foi marcada, praticamente em 1680 à 1789, pelo iluminismo caracterizado por uma extrema confiança na razão, que tinha como objectivo encaminhar o homem de forma progressiva à sabedoria e a verdade nas ciências “exactas”.
O iluminismo que ocorreu na França produziu impactos que fez com que os seus princípios se expandissem por todo mundo ocidental. A França neste período era marcada por grandes contradições do Regime, que gerava insatisfações nos diversos sectores, especialmente na burguesia e nos pequenos campos.
O Renascimento, o Humanismo, Reforma Luterana de 1517, Racionalismo cartesiano, a Revolução Inglesa de 1688 foram uma espécie de alicerces (que possibilitaram) para o surgimento de um outro período, em que a religião não tivesse mais espaço para impor sobre o Estado, isto é, para a criação de Estado de direito -, o período das luzes. Onde o ditado de Protágoras, antropos est metron vem a ser traduzido como a razão humana é a medida de todas as coisas, daquelas que são e das que não são. Nesta ordem de pensamento, o período das luzes é a época em que o ser humana confiou excessivamente, se não abusivamente, nos poderes da razão humana para o progresso da humanidade.
Para tal, na França foi necessário reunir e selecionar todo o conhecimento já adquirido, para que se educasse o ser humano com conhecimentos válidos, objetivos e precisos que se baseassem em princípios racionais. Esta Bíblia, Enciclopédia, que esteve sob direção de Diderot, que trabalhava com as artes e cultura e, D’Alembert que estava ligado as ciências naturais, foi em 1751 e 1772 lançado 27 volumes, mais 5 volumes de suplemento e 2 de índice analítico. Buscavam com a Enciclopédia o experimentalismo, racionalismo, a crítica da religião, da tradição e do autoritarismo.
Teve ainda como intelectuais como Voltaire (1694-1778), que foi um crítico ideário, escritor poeta e intelectual combativo – fazia críticas direcionadas aos privilégios da nobreza e do clero embrora o seu deísmo. O seu pensamento recebeu influências de Locke no que diz respeito a apologia da liberdade de expressão e igualdade de direitos, e ainda, pretendia combater a opressão absoluta e de Newton; Montesquieu (1689-1755) que a partir da sua obra O espirito das leis desenvolveu a separação de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) projectada por Locke; e por fim Rousseau (1712-1778) que foi um dos críticos da Enciclopédia, que em certo, se baseava em princípios racionalistas. Teve como obras principais O discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e O Contrato Social.
I. D’Alembert e o objectivo da Filosofia
Jean Baptist Le Rond D’Alembert nasceu em Paris, em 1717, abandonado no átrio da igreja da qual recebeu o nome Saint-Jean Le Rond. Quando jovem interessou-se por direito e medicina, porém esforçou-se mais na matemática. Publicou várias obras como o Tratado da dinâmica em 1743 seguido do Tratado do equilíbrio e do movimento dos fluidos em 1744 e, em 1772 foi nomeado secretário perpétuo da Academia da França. D’Alembert morreu em 1783, em Paris, sua terra natal[i].
A Filosofia como a ciência dos factos deve ter como objectivo principal de instruir, dando a incutir nos homens a experimentação e a análise de modo a garantir o progresso da ciência
A ideia fundamental que sustenta a teoria de conhecimento de D’Alembert é a de que a razão humana nunca deve estar distante dos factos, portanto, a filosofia deve estudar os factos.
É de notar que D’Alembert reconhece os feitos de Newton, de Descartes, de Locke e de Leibniz, por isso, diz o autor que estes autores faziam (fizeram) uma nova e verdadeira filosofia
1.1. A questão do deísmo e a moral natural
D’Alembert reconhece a existência de Deus como criador do mundo, nós compreendemos tanto o universo como a sua ordem através da razão partindo de leis da natureza que são imutáveis. Os homens são responsáveis pela criação dos seus hábitos, princípios, valores morais, o Deus criador não interfere na moral do homem, por tanto religião e moral não possuem alguma relação quando se trata da primeira fundamentar a segunda, a moral é natural, isto é, racional.[ii]
1.2. O conhecimento racional e sua limitação
D’Alembert sustenta que a razão compõe tem a sua origem na experiência, por isso, ele reconhece que existam questões importantes das quais a razão é limitada, onde só é possível ter as soluções acima do esclarecimento. Quando se está diante de questões como: como é que as sensações produzem as ideias?; qual é aa natureza das alma?; em que consiste a união entre o corpo e a alma e sua influência recíproca?; em que consistem as desigualdades dos espíritos?[iii], de entre outras, é necessário ter em mente, que a inteligência suprema colocou-nos cegos, impossibilitando-nos de um dia saber as respostas. A nossa busca por respostas é tão triste que se limita em tal curiosidade, pois esse é o destino da humanidade. Contudo, tudo o que abarca questões metafísicas constitui uma utopia dos filósofos, por isso, não merecem nenhum espaço em uma obra que pretenda resumir os conhecimentos reais adquiridos pelo espírito humano.
II. Diderot e o seu contributo para a Enciclopédia
Denis Diderot nasceu aos 6 de Outubro de 1713 e morreu em 1784, na França. Foi um filósofo, poeta, romancista, matemático e crítico das artes, defendendo a renovação radical de todos os campos da cultura e da vida, que foi de grande influência para a produção da enciclopédia.
Assim como os outros enciclopedistas, ele vê a razão como a única chave para a produção do conhecimento, onde é tida como “o único guia do homem, e cabe-lhe também ajuizar sobre os dados dos sentidos e dos factos.”[iv]. Para ele as dúvidas são benéficas para o homem, pois permitem ao homem conhecer novas realidades, porém ele tem de se limitar aos poderes da razão.
A Filosofia deve dedicar-se ao estudo dos factos, são estes que constituem a sua riqueza[v]. No que diz respeito à Matemática ou às ciências abstratas comportam um mundo intelectual, em que o que se vê como realidade perde a sua essência ao tentarem ser aplicados aos factos concretos. Com isso não se pretende refutar a possibilidade de se formular hipóteses gerais, pois são inevitáveis. Esta generalização é uma espécie de espinhosíssimo, porém, para ele, “Deus, como alma do mundo não é um intelecto infinito, mas uma sensibilidade difusa, que tem graus diversos e que pode também permanecer bastante obscura”[vi].
No que se refere ao conceito de Divindade, Diderot posiciona-se entre o deísmo e o panteísmo, para ele a existência de Deus confirma-se mais pela física do que pela metafísica - Deus é a alma do mundo, é a arranha de uma teia gigantesca.
No que diz respeito à Estética, mais precisamente ao belo, ele afirma que o belo designa a qualidade de “tudo que fora de mim contém algo em si capaz de despertar no meu entendimento a ideia de relação; é belo em relação a mim tudo quando desperta a mim essa ideia[vii]. A relação neste sentido, pode ser entendida como o que distingue as formas que os objectos possuem e a noção que deles se tem.
III. A contribuição de Voltaire para a Enciclopédia
François Marie-Arouet, pseudónimo Voltaire, nasceu na França, em Paris aos 21 de Novembro de 1694 e morreu aos 30 de 1778, filho de burgos e grandes comerciantes. Foi muito apaixonado pela tolerância, com seus risos e suas fúrias, é o emblema da cultura iluminista. Voltaire escreveu vários poemas La ligue[viii] (1723), dedicado à Henrique IV, em 1726 As cartas filosóficas sobre os ingleses, em 1762 a obra Traité sur la tolérance, foi resultado de um acho ilícito ocorrido, denunciou os erros judiciários, o fanatismo dogmático e a intolerância religiosa, de entre várias outras obras e poemas.
3.1. O deísmo, teísmo em Voltaire
Voltaire no que diz respeito ao deísmo, reconhece Deus como sendo o criador, isto é “Deus [...] é o grande engenheiro ou maquinista que idealizou, criou e regulou o sistema do mundo. Ora, Deus criou a ordem do universo físico...”[ix], porém, Deus não interfere na construção da história do homem, nem nas questões ético-moral do homem.
As bases do seu deísmo estão nesse argumento, pois não se duvida da existência de uma entidade suprema que exista, porém ignorando as punições, favorecimentos e perdoa. Está religião não se fundamenta a partir de doutrinas metafísicas ininteligíveis e nem nos diversos aparatos culturais, e sim na adoração e na justiça em criar condições de fazer o bem e de se submeter a Deus
Sendo deísta Voltaire é contrário ao ateísmo, considerando como monstro perigosos, assim como o teísmo, visto que “os eventos humanos não dependem de modo algo da providência[x], porém das acções e actividades específicas do homem.
O deísmo é a ideia de que Deus é uma espécie de relojeiro, que cria o relógio com todas as leis, porém não é responsável pelos seus ponteiros, e, a fé é vista por esta “religião” como sendo aquilo que não transcende a dependência de um ser supremo e são submissiva às ordens eternas.
3.2. Os fundamentos da tolerância
Voltaire concorda com a ideia de Gassendi e de Locke, na qual admitiam que a intolerância advinha de uns que se consideravam no direito divino da omnisciência.
É possível verificar no Dicionário de filosófico, que a tolerância é definida como “o apanágio da humanidade. Nós todos estamos prenhes da fraqueza e de erros: perdoemo-nos reciprocamente nossas bobagens, essa é a primeira lei da natureza.”[xi]. Todos nós somos sujeitos a erros, temos conhecimentos limitados e todos erramos, é partindo disso que surge a intolerância, pois então, reconhecendo isso é necessário que nos toleremos mutuamente pois somos fracos incoerentes, condenado a inconstantes erros. A intolerância tem uma relação com a tirania, pois o tirano é o soberano que faz de leis as suas vontades.
IV. Montesquieu e seu contributo na Filosofia das Luzes
Charles Louis de Secondat de Montesquieu nasceu no castelo de La Brède, na França em 1689 e morreu em 1755. É um dos destacados, se não o principal, filósofo que trata da política iluminista. A sua teoria política encontra-se na sua obra prima “O espirito das leis”, onde aborda vários conteúdo, tendo como principal a análise teórica da divisão dos poderes.
Montesquieu é tido como sendo um dos fundadores da Sociologia, visto que os seus estudos da sociedade têm como base os critérios do método experimental.
Segundo Reale e Antiseri[xii] Montesquieu sustentava a ideia de que a razão iluminista do homem, assim como da sociedade renunciam à procura da melhor forma de Estado, pois as condições que garantem regimes políticos aptos para uma boa convivência civil é a liberdade.
4.1. As leis e o seu fundamento
Montesquieu enfatiza o método das ciências naturais, razão pela qual, vê-se nele o fundamento para examinar e explicar os acontecimentos históricos e sociais[xiii].
Na perspectiva de Montesquieu apud Reale e Antiseri[xiv] os homens são governados por várias coisas, de entre as quais o clima, a religião, as máximas de governo, as coisas passadas, os costumes, isto é, o espírito geral – relações que dão valor a um conjunto de leis positivas e históricas, que regem as relações humanas em várias sociedades.
Por leis deve-se entender a razão humana, enquanto princípio que governa e legisla todos os povos da terra. As leis políticas e civis de cada nação são casos particulares dos quais tem a sua origem na razão humana – o seu propósito é o de garantir o bem do povo, porém em casos muito raros pode verificar-se a intervenção de tais leis em um outro espaço (território geográfico).
Neste sentido, as leis são de povo para povo distintas, são formadas tendo em conta o clima, a religião e os outros aspectos acima mencionados. É importante referir que Montesquieu quando trata da diversidade de leis não se refere às leis que se baseiam em princípios a priori à experiência, abstrato e absoluto. O seu fundamento está em princípios empíricos e coloca-os de forma ordenada: O republicano, monárquico e despótico. O primeiro (governo republicano) o povo é tido na sua totalidade ou a maioria dele com o poder soberano; o segundo (governo monárquico) um só governa tendo base leis fixas e imutáveis assim como o primeiro, havendo possibilidade de refazer as leis se necessário e o terceiro (governo despótico) um só governa sem leis e regras que regulam o Estado, tudo neste governo depende da vontade do rei, isto é, do seu bel-prazer.
Cada governo acima mencionado abarca consigo princípios éticos distintos, que condicionam ou que fazem com que cada um possa agir, neste caso, no primeiro tem-se a virtude, no segundo a honra e no último o medo.
Nos governos monárquicos e despótico a lei fica ameaçada, pois no primeiro o príncipe pode ver-se acima delas e no segundo devido à ausência de leis, o Estado passa a ser um conjunto de vontades. O único que se tem as leis como consistentes são no republicano (popular) porque as leis são virtudes, quem faz cumprir as leis está consciente de a elas também se submeter.
De referir que se está consciente de que em qualquer governo as leis possam ser corruptíveis, o que resulta da violação dos princípios de cada governo. No caso da democracia, ela pode ser corrompida quando o princípio de igualdade for mal entendido, isto é, quando o significado do termo for estendido ao exagero – extrema igualdade – cada um quer ser igual àquele à que escolheu submeter-se, o que criará conflitos, pois cada um deles lutará de qualquer modo possível para ser igual ao outro. A virtude caminha com a liberdade, porém a liberdade extrema (libertinagem) gera escravidão de uns sobre os outros; no governo monárquico, a honra é corruptível quando o poder excede o limite e se torna símbolo de escravidão e, no governo despótico, o medo faz com que o governo seja corruptível em todos os momentos, isto é, é natural e frequente o “princípio” de corrupção.
4.2. O poder e as suas divisão (o poder que detém o poder)
Na obra em análise, embora apresente uma descrição teórica política explicativa, ela não se limita em descrições, aborda também a questão da liberdade. O valor político da liberdade é dado em um determinado contexto histórico, de onde são estabelecidas teorias que são as condições fundamentais para a liberdade efectiva.
Montesquieu propõe-se a elaborar o valor da liberdade política na história enunciando condições que permitem que ela exista. Nesse processo da elaboração faz uma análise a monarquia inglesa, que já se via como um Estado de direito, fruto da Revolução Gloriosa de 1688. Nessa análise e teorização Montesquieu centra-se essencialmente na divisão dos poderes que a Inglaterra possuía, que era o elemento crucial da teoria do Estado de direito e da prática da democracia.
A liberdade política não consiste de modo algum em fazer aquilo que se quer [...] em uma sociedade na qual existem leis, a liberdade não pode consistir senão em poder fazer aquilo que se deve querer e não em não ser obrigado a fazer o que não se deve querer [...]. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.[xv]
Nesta ordem de ideia, as leis não devem ser entendidas como limitações da liberdade, mas como regras e princípios que asseguram a cidadania de cada um, facto esse que é a essência de um Estado de direito moderno.
Os Estados modernos são constituídos por três tipos de poder: o legislativo, o executivo e o judiciário. O poder legislativo é aquele que o príncipe ou magistrado criam leis, que podem ser limitadas ou ilimitadas, corrigidas ou revogadas; o poder executivo é aquele que tem em vista assegurar a paz ou guerra, envia ou recebe embaixadas, garante a segurança, previne as invasões; o judiciário é aquele que exige o cumprimento das leis, pune os delitos ou julga as causas entre pessoas privadas.
O conceito de liberdade política se bem compreendido chegar-se-á a conclusão de que “é aquela tranquilidade de espírito que deriva da persuasão que cada qual tem a sua própria segurança.”[xvi], para ela seja consistente o governo deve criar condições de eliminar o medo entre os cidadãos.
Para que se tenha liberdade é necessário que os poderes não sejam monopolizados, isto é, uma mesma pessoa com o poder legislativo e executivo, pois se isso se verifica a possibilidade de se ter leis tirânicas ou ditatórias é alta. A liberdade ficará sob tutela de um único individuo, que podendo fazer e desfazer eliminará por completo a liberdade, a liberdade de todos estará concentrado em uma única pessoa.
V. Rousseau e a sua oposição à Enciclopédia
5.1. O Estado de Natureza e a necessidade do Contrato Social
5.1.1. O Estado da Natureza e a concepção do homem
Um dos temas recorrentes nas obras de Jean Jacques Rousseau é o binómio homem natural – homem artificial, que acabam por nortear uma boa das suas teorias. Na tentativa de explicar a origem de tanto o primeiro quanto o segundo Rousseau concebe dois estágios: o Estado de Natureza e o Estado Contratual.
O primeiro segundo Reale e Antiseri[xvii], não se trata de um período histórico, mas sim de uma categoria histórica, ou seja, de uma estágio hipotético que facilitaria a compreensão do homem presente ou social (artificial) e das suas contrafusões.
Centrando-se concretamente na descrição do Estado de Natureza, Percoraro[xviii] afirma que esse estado é caracterizado pela abundância, independência e inocência – não há distinção entre o homem e o animal senão a capacidade que o primeiro tem de se aperfeiçoar. Adiante, é esta capacidade de se aperfeiçoar que produzem desigualdades a desnaturação.[xix].
O Estado de Natureza de Rousseau distingue-se do de Thomas Hobbes na medida em que “os homens, neste estado, não representavam perigo uns aos outros, eram movidos pelo sentimento primitivo do amor de si – desejo natural de conservação – e pela piedade.”[xx].
Acredita-se que a concepção do homem apresentado por Rousseau e do seu Estado de Natureza foi influenciada pelo mito do “bom selvagem”, que fora bastante difundido na França no século XII, e, isso fica evidente na seguinte passagem:
“Os selvagens [que pode ser entendido como homem primitivo] não são maus porque não sabem ser bons: não é o aumento das luzes nem o freio da lei que os impede de fazer o mal, mas a calma natural nas paixões e na ignorância do vício.[xxi]
Então partindo da seguinte premissa “tudo é certo em sentido das mãos do autor das coisas, tudo degenera nas mão do homem[xxii], pode-se explicar e dar a entender a origem da problemática das desigualdades sociais, que possibilitam ao homem a saída do Estado de Natureza.
5.1.2. Das desigualdades ao Estado Contratual
Rousseau recusa a ideia da necessidade de passar de um Estado para o outro, mas aponta aspectos de evolução natural ligada a acção do acaso. A primeira causa da desnaturalização do homem, está ligada a questão da perfectibilidade (que no anterior foi tido como capacidade de se aperfeiçoar), concebida em duas vertentes contrárias, primeiro como “a potencialidade única que leva o homem a aprimorar-se ao mesmo tempo em que aprende a dominar a natureza.”[xxiii]; a segunda e principal causa da origem das desigualdades e da sociedade, é a introdução de propriedade privada. Sobre este assunto Rousseau afirma na sua obra A origem das desigualdades o seguinte:
O primeiro tendo cercado um terreno afirmou, isto é meu, e encontrou gente suficientemente para nele acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quanto aos crimes, guerras, misérias e horrores teria evitado o género humano aquele que arrancado as estacas ou enchendo o fosso tivesse gritado aos seus semelhantes. ‘Protegei-vos de ouvir esse impostor, estais perdido se esqueceis que os frutos são de todos e que a terra não é de ninguém!’. Mas, há uma grande possibilidade que então as coisas já chegassem ao ponto de não mais poderem pendurar como estavam; pois essa ideia de propriedade, dependendo de muitas ideias anteriores que só poderão nascer sucessivamente, não formarão de repente no espírito humano. Foi necessário alcançar muitos progressos adquirir muita engenhosidade e luzes, transmiti-las e aumentá-las de época para época antes de chegar à última etapa do estado de natureza.[xxiv].
Portanto, pode-se constatar que Rousseau não concebe a propriedade privada como um direito natural, mas como fruto do progresso da história da humanidade aliada a sua perfectibilidade. O que antes era colectivo, agora passa para as mãos do mais forte, que para legitimar esse pedaço de terra estabelece um “falso contrato” que serve para dominar os outros e alimentar o seu ego, afastando do amor de si do início. E, ainda nesse âmbito, surge a agricultura, a necessidade do outro, isto é, o trabalho passa a ser indispensável e a igualdade que existira fora substituída pela corrupção.
Em seguida Rousseau, aponta o segundo momento em que a desigualdade se estabeleceu quando se criou a magistratura, que acabou por acentuar as desigualdades entres os mais fortes e mais fracos. Percoraro[xxv] acrescenta que este segundo momento serviu para aprofundar a desigualdade nas diferentes formas de governo tido ao longo da história.
A terceira causa está ligada ao progresso que a própria história da humanidade atravessa, isto é, desde o progresso registado no Estado de Natureza, graças a perfectibilidade do homem até então, na verdade, provava um regresso. É neste ponto que Rousseau dissocia-se dos enciclopedistas, na medida em que eles viam nas letras, artes e na ciência o progresso, porém Rousseau acredita que por estes elementos vistos como progresso terem surgido da arrogância e do saber somente regrediam o homem e em nenhum momento tornaram o homem feliz.
Por fim, encontramos a quarta causa que é o despotismo, que acabam por forjar uma igualdade que, na verdade, é um estado corrompido e degenerado.
Do falso contrato surge um homem degenerado, egoísta e violento, que em mais nada recorda o homem que outrora fora. É neste âmbito que Rousseau propõe um novo contrato que permita conciliar a liberdade que o homem tinha no Estado de Natureza e a vida, do mesmo, na sociedade em que está inserido, ou seja, esse novo contrato não visa devolver o homem para o Estado de Natureza, mas resgatar a natureza humana. Reale e Antiseri acrescentam que:
Tal contrato não projecta o retorno à natureza originária, mas exige a construção de um modelo social não baseado nos estímulos e impulsos passionais, como o modelo primitivo, nem porém na pura razão isolada e contraposta aos sentimentos ou à voz do mundo pré-racional, mas na voz da consciência global do homem aberto para a comunidade.[xxvi]
Este novo contrato não deve se basear em uma vontade e lei arbitrárias, como o anterior, mas deve ser fruto do consentimento global, isto é, de todos os membros de uma tal sociedade.
Assim como o contrato é produto do consentimento global, então na sociedade deve vigorara vontade global, que segundo Abbagnano[xxvii] não consiste na soma das vontades particulares, mas sim naquela vontade que tende para o bem geral, sendo neste à vontade geral.
Rousseau reduz todo o contrato à colectividade, apesar de admitir que em cada membro patentes encontra-se as duas facetas, que é ser cidadão ao mesmo tempo.
O contrato social rouseauniano produz os seguintes efeitos: há uma transição de simples homens para cidadão, que renunciam os seus direitos pessoais em favor da colectividade que agora é guiado pela lei, não mais pelo instinto.[xxviii]
5.2. A pedagogia de Rousseau
A educação em Rousseau está intrinsicamente ligada a sua teoria, ele retoma alguns assuntos desenvolvidos nas obras anteriores, como a questão da liberdade, da sociedade, das degenerações, e principalmente, faz crítica a sociedade em que ele vivia.
A obra que trata do assunto em destaque e a do Emilio, esta obra divide-se em cinco partes, onde nos dois primeiros, que correspondem ao I e II livros – são enfatizados o exercício inteligente dos sentidos; o III livro parte dos 12 aos 15 anos – deve existir uma educação intelectual que consiste basicamente em ensinar o Emílio a amar a ciência, isto é, aprender mediante a própria construção de seus instrumentos e a verificação dos fenómenos naturais. Não se aconselha qualquer tipo de leitura, nem mesmo fábula, por estas possuírem uma moral encoberta, nem muito menos ensinar algo por meio de exposição. No IV livro que parte dos 15 aos 22 anos – transfere-se a sua emoção para a dimensão moral, no amor ao próximo, na necessidade de compartilhar o sofrimento do próximo e esforça-se por aliviá-los. E, no último livro, V, encontram-se na educação da Sofia e do posterior casamento como Emílio.
A educação é norteada por três factores principais que são a natureza, as coisas e o homem, sendo que estes factores, bem como toda a educação deve ser regida pelo princípio de liberdade bem gerada.
Nessa obra Rousseau concebe a educação como uma arte que visa tanto educar a criança para a sociedade como o cidadão, quanto educar para si mesmo, como a um indivíduo, porque o verdadeiro estudo é o da condição do homem.
Ao contrário de seus contemporâneos, ele valoriza a infância quando os outros estágios da vida do homem, estabelecendo para cada estágio um tipos de educação que será gerada, como já se mencionou, pela liberdade, conjugada como curiosidade e o princípio da utilidade, caso não se respeite essa educação seguindo fidedignamente os estágios “produziremos frutos precoces, que não que não terão maturação, nem sabor e não tardará em corromper-se, teremos jovens doutores e crianças velhas”[xxix].
A pedagogia de Rousseau está muito ligada ao seu Contrato Social, na medida em que a educação é antes de mais um problema político
NOTA CONCLUSÓRIA
A luz de uma ideia nobre -, o de traduzir o dicionário das artes e das ciências dançando ao modo inglês, Ephraim Chambets, os Franceses, Diderot e D’Alembert partiram para objectivos mais ambiciosos – o de reunir em diversificados volumes todo o saber julgado útil até então encontrado, sujeito a verificabilidade num só lugar, igualável à um parto cardeal do conhecimento.
Como já se fez referência, de entre outros pontos o projecto tinha um intento pedagógico- instruir e emancipar o homem da prisão medieval, alicerçada por aspectos metafísicos, que substituíam a razão pela fé, a ciência pela religião e o cientista pelo Papa.
Durante 1000 anos o homem manteve-se refém do suprassensível, eis então que partindo de pressupostos do renascimento, o iluminismo assumiu-se com a tarefa de libertar o homem em tripla dimensão: de Deus, dos poderes fortes e da natureza.
A Enciclopédia constitui desde suas raízes um ciclo complexo de aprendizagem, legado este, que D’Alembert e Diderot não levaram em consideração, pois mais do que um ciclo completo de aprendizagem, propuseram-se somente a edificar uma parte do saber ligado à ciências naturais, dos quais eram sujeitos a verificabilidade.
Nos tempos em que sucederam o “progresso” técnico-cientifico, surgiram lemas e paradigmas epistemológicos, como caso do filósofo August Comte e o seu positivismo sociológico, e mais tarde em um nível mais radical o positivismo lógico sob liderança de Moritz Schlick.
[i] Cfr. REALE e ANTISERI, 2005: 241
[ii] Cfr. Idem, p. 242
[iii] [iii] ibidem
[iv] (ABBAGNANO, 2000: 40)
[v] [v] ibidem
[vi] (idem, p. 41)
[vii] .” (idem, p.42)
[viii] Republicado em 1728 como Henriade
[ix] (REALE e ANTISERI, 2005: 255)
[x] (ibidem)
[xi] (VOLTAIRE apud REALE e ANTISERI, 2005: 260)
[xii] (2005: 261)
[xiii] [Este exercício analítico empirico pode verificar-se nas Cartas persas (Lettres persannes – 1721) e nas Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência (Considerations sur les causes de la grandeur des Romain e de leur decadence – 1733), e, é também frequente no Espírito das leis (L’esprit de loix – obra que levou vinte anos a ser escrita).]
[xiv] (idem, p. 262)
[xv] (MONTESQUIEU apud REALE e ANTISERI, 2005: 264)
[xvi] (ibidem)
[xvii] (2005: 280)
[xviii] (2009: 357)
[xix] Cfr. ABBAGNANO, 2000: 59
[xx] (op. cit, ibidem)
[xxi] .” ([nota nossa] REALE e ANTISERI, 2005: 281)
[xxii] ” (ROUSSEAU, 1995: 9)
[xxiii] (ibidem)
[xxiv] (ROUSSEAU apud PERCORARO, 2009: 376)
[xxv] (idem, p. 358)
[xxvi] . (REALE e ANTISERI, 2005: 285)
[xxvii] (2000: 61)
[xxviii] Mondin, 1981: 189
[xxix] (ROUSSEAU, 1995: 75)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, Nicola. (2000). História da Filosofia. 4. ed., Lisboa, Presença.
PERCORARO, Rossano. (2009). Os filósofos: clássicos da filosofia, de Sócrates a Rousseau. 2. ed. Rio de Janeiro, Vozes.
MONDIN, Battista. (1981). Curso de Filosofia. Trad. Benôni Lemos. São Paulo, Paulus.
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. (2005). História da Filosofia: de Spinoza a Kant. São Paulo, Paulus, v. 4.
ROUSSEAU, Jean Jacques. (1995). Emílio ou da Educação. Trad. Sérgio Millict. 3. ed., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
Por: Aílton Duarte Assucena Magane