Origem de família

Estende-se por um passado imensurável, e se perde no tempo por ser impossível definir sua extensão.

No entanto, é singular a ideia de que os seres vivos se unem e criam vínculos uns com os outros desde sua origem, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pelo desejo de não viver só, a ponto de se ter por natural, muitas vezes, a ideia de que a felicidade só pode ser encontrada a dois.

 Partes da família humana existiram num estado de selva geria, outras partes em um estado de barbárie, e outras, ainda, no estado de civilização, por isso a história tende à conclusão de que a humanidade teve início na base da escala e seguiu um caminho ascendente, desde a selva geria até a civilização, através de acumulações de conhecimento e experimentos, invenções e descobertas.

As instituições modernas têm suas raízes plantadas no período da barbárie, que por sua vez tiveram suas origens transmitidas a partir do período anterior, o de selva geria. Ou seja, por meio de uma descendência linear, foi apresentado um desenvolvimento lógico das instituições, como é o caso da família.

Alguns estudiosos tentaram decifrar o enigma referente à origem da família, mas até hoje não se sabe com precisão, uma vez que a história é feita de sucessivas rupturas. Por ser uma realidade sociológica, para se falar em família, temos que falar em Estado.

Inúmeras são as teorias que tentam explicar a origem do Estado. Para muitos o Estado sempre existiu, pois desde que o homem vive sobre a Terra ele está integrado numa organização social; para outros, a sociedade humana existiu durante certo período sem o Estado; e há outros, ainda, que só admitem como Estado a sociedade política dotada de características bem definidas.

Independente da teoria adotada para explicar a origem do Estado, fato é que há dois meios para sua formação: uma forma originária e outra derivada. No entanto, delimitaremos o presente estudo às causas originárias de surgimento do Estado.

Dallari afirma existirem dois grandes grupos que procuram explicar a formação originária do Estado. O primeiro se refere às teorias que sustentam a formação contratual dos Estados, apresentando em comum – apesar de também divergirem entre si quanto às causas -, a crença em que foi a vontade de alguns homens, ou então de todos os homens, que levou à criação do Estado.

Já o segundo grupo, faz menção às teorias que afirmam pela formação natural ou espontânea do Estado, não havendo entre elas uma coincidência quanto à causa, mas tendo todas em comum a afirmação de que o Estado se formou naturalmente, e não por um ato puramente voluntário.

A primeira teoria – contratualista – fora formulada por autores que pensaram a constituição do Estado Moderno a partir de um contrato, um pacto em que cada indivíduo cede parte de sua liberdade para sair de um estado de natureza, para um estado limitado por um poder central (o Soberano).

Hobbes (2000) preconizava a centralização do poder nas mãos de um único sujeito: o monarca. Para ele, sem soberania não há poder político e nenhuma constituição (acordo entre indivíduos) seria possível; o Estado, portanto, seria condição para a existência da sociedade.

Entretanto, não tardou para que se fizessem críticas a este pensamento. Um dos grandes críticos de Hobbes foi Locke (2001), que criticou a concepção de Estado fundado em um Estado Absolutista – compreendido pelo Leviatã -, e propôs a formação de um Estado baseado no respeito aos direitos naturais e políticos do cidadão. Locke, então, pensou o modelo do Estado Liberal como organização política de poder limitado e destinado a garantir a protecção de direitos naturais (liberdade e propriedade).

Além disso, formulou a distinção entre poder absoluto e poder moderado. O poder absoluto seria o exercício concentrado do poder legislativo e executivo em um único sujeito; já o poder moderado seria o exercício separado e distinto do poder legislativo e do poder executivo. Esses dois poderes são distintos e, assim, Locke estabeleceu a máxima do constitucionalismo: quem tem o poder de fazer a lei não pode e nem deve dispor dos recursos e dos meios de governo, como o poder de coerção sobre os indivíduos; e quem dispõe de todo esse poder não pode ser, por sua vez, titular do poder legislativo.

Montesquieu (2000) buscou estabelecer a construção de um regime político moderado instituído por uma Constituição.

Para ele, o homem tende a naturalmente abusar do poder, por isso os direitos individuais de cada um somente estariam protegidos se houvesse a instituição de um regime político que assegurasse esses direitos. Além disso, propôs a separação entre os três poderes.

Assim, com a noção de poder concentrado nas mãos do monarca (Hobbes), a garantia e protecção de direitos naturais (Locke) e a separação dos poderes (Montesquieu) funda-se as bases do Estado Liberal Moderno, porém, a fundamentação e legitimação democráticas se dão com Rousseau.

Para Rousseau (2002), a soberania reside nas mãos do povo – democracia como governo da maioria. Rousseau não admitia a representação; além disso, a vontade geral expressada pelos cidadãos seria um ato de soberania, enquanto a vontade declarada por intermédio de um representante seria vontade particular, um decreto, e é somente a partir da compreensão da vontade geral, como expressão da soberania popular, que se podem fundar as bases da democracia como governo do povo.

Por esta razão, tomando como base os estudos do antropólogo Lewis Henry Morgan, Engels em seu livro “A origem da família da propriedade privada e do Estado” (1984) pode concluir que existiu uma época primitiva, e identificou os tipos de família que existiram ao longo da história.

A família diz Morgan, é o elemento activo; nunca permanece estacionada, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado.

Conceito        

A entidade familiar de início é constituída pela figura do marido e da mulher. Depois se amplia com o surgimento da prole. Sob outros prismas, a família cresce ainda mais: ao se casarem, os filhos não rompem o vínculo familiar com seus pais e estes continuam fazendo parte da família, os irmãos também continuam, e, por seu turno, casam-se e trazem os seus filhos para o seio familiar.

 A família é uma sociedade natural formada por indivíduos, unidos por laço de sangue ou de afinidade. Os laços de sangue resultam da descendência. A afinidade se dá com a entrada dos cônjuges e seus parentes que se agregam à entidade familiar pelo casamento.

Com o passar dos tempos esta sociedade familiar sentiu necessidade de criar leis para se organizar e com isso surgiu o Direito de Família, regulando as relações familiares e tentando solucionar os conflitos oriundos dela, através dos tempos o Direito vem regulando e legislando, sempre com intuito de ajudar a manter a família para que o indivíduo possa inclusive existir como cidadão (sem esta estruturação familiar, onde há um lugar definido para cada membro) e trabalhar na constituição de si mesmo (estruturação do sujeito) e das relações interpessoais e sociais.

 O Direito é, portanto, um conjunto de normas e princípios que regulamentam o funcionamento da sociedade e o comportamento de seus membros. O Direito protege o organismo familiar, por ser uma sociedade natural anterior ao Estado e ao Direito. Não foi, portanto, nem o estado nem o Direito que criaram a família, pois foi esta que criou o Estado e o Direito, como sugere a famosa frase de Rui Barbosa: “A pátria é a família amplificada.

Para Camilo Colani o Direito de Família seria o ramo do Direito Civil, cujas normas, princípios e costumes regulam as relações jurídicas do Casamento, da União estável, do Concubinato e do Parentesco.

Ao regular a sociedade familiar é necessário conceituar institutos ligados ao conceito de entidade e familiar como o pátrio poder que Pontes de Miranda, à luz do Código Civil de 1916 conceitua como pátrio poder moderno é conjunto de direitos concedidos ao pai ou à própria mãe, a fim de que, graças a eles, possa melhor desempenhar a sua missão de guardar, defender e educar os filhos, formando-os e robustecendo-os para a sociedade e a vida.

Evolução histórica da família

 Não há na história dos povos antigos e na Antiguidade Oriental como na Antiguidade Clássica o surgimento de uma sociedade organizada sem que se vislumbre uma base ou seus fundamentos na família ou organização familiar.

 O modelo de família brasileiro encontra sua origem na família romana que, por sua vez, se estruturou e sofreu influência no modelo grego.

 A Família no Direito Romano

 Foi a Antiga Roma que sistematizou normas severas que fizeram da família uma sociedade patriarcal. A família romana era organizada preponderantemente, no poder e na posição do pai, chefe da comunidade. O pátrio poder tinha carácter unitário exercido pelo pai. Este era uma pessoa que chefiava todo o resto da família que vivia sobre seu comando, os demais membros eram alini júris.

Pelo relato de ArnoldoWald:

A família era, simultaneamente, uma unidade económica, religiosa, política e jurisdicional. Inicialmente, havia um património só que pertencia à família, embora administrado pelo pater. Numa fase mais evoluída do direito romano, surgiam patrimónios individuais, como os pecúlios, administrados por pessoas que estavam sob a autoridade do pater.

Na sociedade Romana, elitista e machista os poderes patriarcais eram numerosos. Como mostram os princípios que vigiam à época:

– Jus vita ac necis (o direito da vida e da morte);

– Jus exponendi (direito de abandono);

– Jus naxal dândi (direito de dar prejuízo).

 Com a morte do “pater famílias” não era a matriarca que assumia a família como também as filhas não assumiam o pátrio poder que era vedado a mulher. O poder era transferido ao primogénito e/ou a outros homens pertencentes ao grupo familiar.

No casamento Romano existiam duas possibilidades para a mulher: ou continuava se submetendo aos poderes da autoridade paterna (casamento sem manos), ou ela entrava na família marital e devia a partir deste momento obediência ao seu marido (casamento com manos).

Duas espécies de parentesco existiam no Direito Romano: a danação consistia na reunião de pessoas que estavam sob o poder de um mesmo pater, englobava os filhos biológicos e os filhos adoptivos, por exemplo. A cognição era o parentesco advindo pelo sangue. Assim, a mulher que houvesse se casado com manos era contada com seu irmão em relação ao seu vínculo consanguíneo, mas não era ganhada, pois cada qual devia obediência a um pater diferente, ou seja, a mulher ao seu marido e o irmão ao seu pai. Com a evolução da família romana a mulher passa a ter mais autonomia perante a sociedade e o parentesco agnóstico vai sendo substituído pelo cognitivo.

Na época do Império Romano passam os cognatos a terem direitos sucessórios e alimentares, além da possibilidade de um magistrado poder solucionar conflitos advindos de abusos do pater. Nesta fase, a mulher romana já goza de alguma completa autonomia além de corresponder ao início do feminismo. A figura do adultério e a do divórcio se multiplica pela sociedade romana e com isso a dissolução da família romana.

No Digesto, esclarece Marciano: Carcopino, no seu estudo sobre a vida quotidiana dos romanos, assinala que, à medida que o pai deixava de ser a autoridade severa e arbitrária dos primeiros tempos para reconhecer a autonomia e a independência dos filhos, multiplicava-se em Roma a figura leviana dos filhos mimado e egoísta, gastando num dia fortunas acumuladas pelo trabalho de gerações, caracterizando assim uma sociedade que adquiriu o hábito do luxo e perdeu a sobriedade. Após o austero e rígido pater, veio à época da soberania incontestável das novas gerações.

A Família no Direito Canónico:

A partir do século V, com o decorrente desaparecimento de uma ordem estável que se manteve durante séculos, houve um deslocamento do poder de Roma para as mãos do chefe da Igreja Católica Romana que desenvolveu o Direito Canónico estruturado num conjunto normativo dualista (laico e religioso) que irá se manter até o século XX. Como consequência, na Idade Média, o Direito, confundido com a justiça, era ditado pela Religião, que possuindo autoridade e poder, se dizia intérprete de Deus na terra.

Os canonistas eram totalmente contrários à dissolução do casamento por entenderem que não podiam os homens dissolver a união realizada por Deus e, portanto um sacramento.

Para Arnoldo Wald:

Havia uma divergência básica entre a concepção católica do casamento e a concepção medieval. Enquanto para a Igreja em princípio, o matrimônio depende do simples consenso das partes, a sociedade medieval reconhecia no matrimónio um ato de repercussão económica e política para o qual devia ser exigido não apenas o consenso dos nubentes, mas também o assentimento das famílias a que pertenciam.

O direito canónico fomentou as causas que ensaiavam impedimentos para o casamento, incluindo as causas baseadas na incapacidade de um dos nubentes como eram: a idade, casamento anterior, infertilidade, diferença de religião; as causas relacionadas com a falta de consentimento, ou decorrente de uma relação anterior.

A evolução do Direito canónico ocorreu com a elaboração das teorias das nulidades e de como ocorreria a separação de corpos e de patrimónios perante o ordenamento jurídico. Não se pode negar, entretanto, a influência dos conceitos básicos elaborados pelo Direito Canónico, que ainda hoje são encontrados no Direito Brasileiro.

Visão do direito de família no Código Civil de 2002

Entre os Códigos Civis de 1916 e 2002, além da natural evolução dos costumes que determinaram o fim da indissolubilidade do casamento e a extensão do poder familiar à mulher, existe um marco histórico temporal que é a carta Magna de 1988 quando se estuda o Direito de Família no Brasil.

O legislador constituinte visivelmente pretendeu contornar as distinções, preconceitos e desigualdades existentes no Direito familiar brasileiro, assim como, consolidar as conquistas de forma que introduziu o conceito de união estável, reduziu de cinco para dois anos o tempo exigido para o divórcio direito e impediu qualquer discriminação a respeito da origem dos filhos entre outros temas reservados à legislação ordinária agora, tratados pela Constituição Federal.

Tal impacto se fez sentir no Código Civil de 2002 no que pese, ter-se originado de um projecto de 1975. Ainda assim, reflecte, o tratado de direito privado de 2002 as modificações ocorridas na 2ª metade do século XX e os anseios da sociedade contemporânea.

A família regulada pelo Código Civil de 2002 passa a representar limitada forma de convivência, reconhece-se a existência das famílias monoparentais, identificadas constitucionalmente, o que reflecte efectiva conquista nos rumos do reconhecimento de novos núcleos de relações de afecto e protecção, gerando, inclusive, direitos patrimoniais.

O direito de família no Brasil atravessa um período de efervescência. Deixa a família de ser percebida como mera instituição jurídica para assumir feição de instrumento para a promoção da personalidade humana, mais contemporânea e afinada com o tom constitucional da dignidade da pessoa humana. Não mais encerrando a família um fim em se mesma finalmente, averba-se que ninguém nasce para constituí-la (a velha família cimentada no casamento, não raro, arranjado pelo pai que prometia a mão de sua filha, como se fosse uma simples negociação patrimonial).

Família como fenómeno cultural

Na língua grega, a natureza é indicada com a palavra physis de significação abrangente: indica a natureza física, mas também sua origem, seu fundamento, sua destinação, sua regularidade. (KOIKE, 1999) O homem antigo ficava admirado, cheio de maravilha e ao mesmo tempo de temor reverencial diante de fenómenos da natureza que se apresentavam como um extraordinário poder ou uma impressionante beleza. A natureza suscitava perguntas a respeito da origem, do destino, do significado de todas as coisas e, de maneira especial, do ser humano. A palavra “cosmos” indicava uma ordem imperscrutável, que abarcava desde o movimento dos astros até a vontade dos homens e dos deuses, fonte de harmonia e de justiça, mas também de um destino que reinava sobre todas as coisas e que poderia ser trágico. Diante do espectáculo da natureza, o espanto inicial traduz-se em perguntas intrigantes, que estão na origem da filosofia, isto é, do movimento da razão que aos poucos foi substituindo as antigas visões míticas.

No livro Locke e o direito natural, Bobbio (1998) referindo-se à classificação das ciências feita por Aristóteles, afirma que a categoria de natureza abrange tudo aquilo que não é produzido pelo ser humano isto é, tudo que não depende do agir humano. De um lado, então, está a natureza, isto é, o conjunto das coisas que não dependem do ser humano e que são aceitas como necessidades. Do outro, as coisas que existem porque foram feitas pelo homem e, por isso, podem ser desfeitas. Foram elaborados, a partir disso, conceitos antitéticos entre natureza e cultura, técnica, arte, ampliando-se em seguida a dicotomia entre natureza e costumes ou normas, isto é, entre natureza e convenções.

As regularidades observadas na natureza foram compreendidas como leis que expressavam a ordem racional da natureza à qual foi atribuído um valor normativo. Viver de acordo com a natureza foi reconhecido como respondente às exigências éticas.

Ao longo da Idade Média, a natureza era considerada como resultado da inteligência e da potência criadora de Deus, relembra ainda Bobbio (1998). Nesse contexto, compreendia-se o direito natural como a lei inscrita por Deus no coração dos homens ou como a lei revelada nos textos sagrados, mas também a lei comunicada aos homens por meio da razão.

A partir do início da era moderna, a natureza deixou de ser sinal de Outro, do Mistério Criador e não demorou muito para deixar também de ser considerada como o modelo normativo que aconselhava a viver “segundo a natureza”.

Foi John Stuart Mill, iluminista inglês famoso pelo estudo sobre o individualismo que, nos anos 50, do século XIX, escreveu um ensaio sobre a natureza. Ele deu uma densa argumentação para retirar do conceito de natureza significados que não eram funcionais ao novo estágio do desenvolvimento técnico-científico e produtivo, que não correspondiam à perspectiva de expansão da autonomia do homem diante de realidades externas a ele, de acordo com o ideal iluminista da emancipação.

Ele afirma que com o seu ensaio quer indagar acerca da verdade das teorias que fazem da natureza o banco de prova do justo e do injusto, do bem e do mal ou que, de qualquer modo ou medida, atribuem mérito e aprovação ao seguir, imitar e obedecer a natureza.