Branqueamento de capitais e lavagem de dinheiro

Conceito

O branqueamento de capitais é um crime económico-financeiro: crime “não violento que tem como consequência uma perda financeira” (Vienna International Centre, 2005), e é um crime de natureza internacional (Célia Ramos, 2004), sendo a ponte que liga o mundo do crime à sociedade legitima (Williams, 1997).

É um crime de actividade que se esgota na própria acção (Santiago, 1992, citado por Canas, 2004). Por ser um crime praticado sobretudo em países desenvolvidos ele visa a fuga aos impostos (Christensen, 2007). Actualmente fala-se em branqueamento de bens e de produtos (Braguês, 2009), embora para facilitar utilize-se apenas o termo “branqueamento”.

Origem, a necessidade e o sigilo

O surgimento do branqueamento de capitais não tem uma data precisa, além de que antes de um crime ser descoberto pode haver outros tantos anteriores, ou mesmo esse crime pode ter origem em outros anos, impossibilitando a determinação de uma data. Santos Pais (2004) diz que o branqueamento de capitais surgiu na China 2000 a.C. associado à colocação de capitais offshore e à fraude fiscal. Para Wasserman (2002, citado por MorrisCotterill, 2001) o branqueamento de capitais surge na China, por volta de 1000 a.C., onde os comerciantes com medo de verem o governo a ficar com o seu dinheiro escondiam os rendimentos que ganhavam das suas actividades em propriedades fora do seu território ou investiam em negócios.

Actualmente pensa-se que o branqueamento de capitais começou em 1920. Foi nesta data que os criminosos investiram “em casas de lavagem” (lavandarias), ou mesmo em estações de serviços automóvel que lhes permitiam branquear o dinheiro (Braguês, 2009). Foi a partir do século XVI que se desenvolveram actividades bancárias offshore ligadas às operações comerciais, e em 1973, com uma proibição americana, aparece pela primeira vez no vocabulário o termo branqueamento de capitais ou lavagem de dinheiro: métodos que serviam para reintroduzir a liquidez ilegal que provinha do tráfico de drogas. Mais tarde acresce-se a este o tráfico de álcool, a prostituição, o jogo, entre outros (Brandão, 2002; Santos Pais, 2004).

Este crime surge pelo facto de quase todas as actividades ilegais serem realizadas em dinheiro e por isso aparece a necessidade de o “transformar” em dinheiro lícito (Schneider, 2008), para que consigam (Masciandaro, 2007):

Evitar os custos/danos de uma possível incriminação transformando o poder de compra· potencial em poder de compra real (transformation);

 A possibilidade de aumentar a taxa de penetração nos setores da economia, através· dos investimentos (pollution);

Aumentar a camuflagem das organizações e dos criminosos (camouflaging).

Para este autor o dinheiro “lavado” vale mais que o dinheiro sujo, daí a forte necessidade de se branquear capitais, já que assim este pode ser utilizado para o seu bem-estar e ser investido, criando lucro, sem levantar suspeitas.

A utilização de dinheiro ilícito tem riscos e não provoca tanto lucro, mas o criminoso tem sempre a opção de escolher branquear ou não.

Como os países ainda preservam o segredo bancário os criminosos optam por branquear. Este problema é a principal entrave para o acesso das autoridades às informações bancárias de modo a poder combater de uma forma mais fácil o branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo. O sigilo bancário vai-se quebrando, de forma lenta, mesmos pelos paraísos fiscais, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

As fases do processo de branqueamento de capitais

Sendo um processo, todos os autores que estudam estas matérias têm procurado delimitar as várias fases constitutivas do mesmo, sendo mais comummente aceite o chamado “modelo das três fases”, adoptado pelo Grupo de Acção Financeira Internacional (FATF/GAFI)

Segundo este modelo, o processo é composto por três fases distintas: Colocação (“placement” / “le placement”) Circulação (“layering” / “l`empilage”) Integração (“integration” / “intégration”)

No entanto, conforme os autores e a língua que usam, surgem por vezes outras palavras para designar o mesmo processo. Vitalino Canas, por exemplo, prefere usar a palavra “camuflagem” em vez de “circulação”. Prefere-se a palavra “circulação” por ser mais próxima da que se usa nos meios mais operacionais que lutam contra este fenómeno.

É importante também acrescentar que mais recentemente alguns autores falam de uma 4ª fase a “segurança” reportando-se à actividade que os líderes das organizações criminosas têm que assegurar durante todo o processo de forma a não serem também defraudados. No espírito puro da consideração do branqueamento de capitais como um processo dinâmico, parece-me que esta questão da segurança tem mais a ver com a forma como decorre o processo, assente nas suas três fases, do que propriamente uma “fase”autónoma e específica, necessária para consolidar o processo. Vejamos agora a que correspondem essas fases:

Colocação

A colocação consiste na introdução dos bens, produtos ou capitais que se pretendem branquear no sistema económico-financeiro, utilizando os mais diversos meios ou instrumentos. Se lerem textos mais antigos sobre estas matérias, constatarão que quase sempre se fala em exclusividade de colocação de dinheiro ou capitais, e da utilização do sistema financeiro para tal.

No entanto, esta fase não se limita à colocação de dinheiro no sistema, até porque o produto do crime que se pretende branquear não é só numerário, embora o seja na grande maioria das vezes. Assim, prefere-se dizer que o branqueador utiliza as potencialidades oferecidas por todo o sistema económico-financeiro para proceder à colocação dos bens, produtos ou capitais que pretende branquear, e não apenas só o sistema financeiro.

Isto é assim porque na sua génese, designadamente após a Convenção de Viena de 1988, sobre tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, e a criação do GAFI, na cimeira de Paris de 1989 do G7 (então G5), o branqueamento de capitais reportava-se apenas ao crime precedente de tráfico de estupefacientes.

Mas, com a evolução, nomeadamente com a adopção pelos diversos países de outros instrumentos jurídicos de direito público internacional, o branqueamento de capitais é agora transversal à maior parte dos crimes que podem produzir ganhos ou lucros, pelo que não é só de dinheiro que estamos a falar. Parece não restar dúvida que a esmagadora maioria do que se branqueia é dinheiro, uma vez que a criminalidade mais grave como o tráfico de droga, tráfico de armas, falsificação de documentos, lenocínio e tráfico de pessoas, o que produz mais imediatamente é dinheiro.

Uma estrutura empresarial legítima pode fazer branqueamento de capitais face a ganhos obtidos a partir da fraude fiscal. Uma pessoa singular pode fazer a mesma coisa tendo como crime subjacente a fraude fiscal.

Assim a fase de colocação não se reporta exclusivamente a numerário, embora seja de facto este que é mais utilizado na fase de colocação. Por conseguinte, esta fase caracteriza-se pela colocação dos bens a branquear dentro do sistema económico-financeiro, tendo em vista a sua conversão para outro meio, especialmente anónimo se possível, de modo a evitar o “papel trail” ou “rasto documental”, pois o branqueador sabe que a sua eventual responsabilização pela prática de tal crime passa necessariamente pela reconstrução que as autoridades competentes consigam fazer dos bens em causa com vista a identificar a sua origem e respectivo titular passado e actual.

Esta é sempre a fase mais crítica para o branqueador por ser aquela em que mais facilmente os fluxos são detectados e mais próxima da origem se encontra. Qualquer acção das autoridades nesta fase tem maior probabilidade de estabelecer a sua ligação com o crime precedente e logo com o criminoso. Embora potencialmente possam ser exploradas inúmeras possibilidades, apontam-se algumas mais comuns:

Bancos – Quando se tem grandes somas de numerário e se encontram formas de camuflagem para a sua introdução. Este é um dos sectores com grande vigilância deste fenómeno por imperativos legais.

Casas de câmbios – Muito utilizadas quer para mudar o carácter do dinheiro, fazendo-se uma pré-colocação, quer porque se obtém um documento de câmbio, e por vezes o dinheiro já “cintado”, o que faz levantar menos dúvidas quando da sua colocação nos bancos; Sector imobiliário – O investimento em imobiliário apresenta enormes potencialidades de branqueamento, uma vez que, por vezes, até com a desculpa da questão fiscal – cada vez menos usada – se fazem pagamentos de parte de aquisições de imobiliário em “cash”. Sociedades e empresas em falência – Procuram-se empresas em dificuldades e injecta-se o capital no sistema financeiro através das contas dessas empresas.

Comércio de bens de elevado valor unitário – Caso de jóias e antiguidades, veículos topo de gama. Jogos de fortuna e azar / Casinos – Outro sector vulnerável nesta fase. Tradicionalmente fala-se no caso dos casinos. É nossa opinião que nos casinos tradicionais, que cumprem a legislação e são permanentemente “vigiados” pela actividade da Inspecção Geral de Jogos, as possibilidades são diminutas.

No entanto, certas actividades, como a restauração localizada nas imediações dos grandes casinos e a agiotagem associada levantam-nos grandes dúvidas. Têm sido registados casos de branqueamento em que são utilizados cheques ao portador, sacados de contas de restaurantes ou dos seus sócios ou empregados. O branqueador perde uma percentagem do que quer branquear, 10 a 20%, entregando dinheiro como se fosse para o jogo mas que afinal é só para branquear.

Circulação

Esta fase é a que normalmente exige mais especialização e capacidade criativa. A circulação implicará um conjunto de procedimentos que provoquem grande rotatividade de titularidade dos bens, com vista ao maior afastamento possível entre a sua origem e forma de obtenção, e aquele que finalmente ficará na posse dos mesmos. Esta fase preenche-se com a multiplicação das operações, em mais que um país se possível, para que, em caso de investigação ou perseguição, as dissimulações realizadas possam frustar a prossecução dos intentos da justiça.

Saliento que determinados ordenamentos jurídicos, quase sempre coincidentes com zonas de regimes especiais, como os off-shores ou territórios que protegem especialmente o património, caso da Suíça e Liechtenstein na Europa e muitos outros no mundo, têm nas instituições financeiras ferramentas específicas como o “walking account”- quando os bancos, executando instruções dos seus clientes, procedem à movimentação das contas para outra jurisdição ao menor sinal de investigação criminal.

Também aqui se visa interromper o “paper trail”, recorrendo, por exemplo, a terceiros, como são os casos das profissões liberais, mediadores de seguros, advogados, solicitadores, contabilistas, bancários, etc.; – alguns dos quais até há bem pouco tempo não tinham qualquer obrigação na panóplia das leis do branqueamento, permitindo-se desde logo “ofi ciosamente” ocultar o verdadeiro titular dos fundos investidos, aplicados ou depositados. Quanto mais longa for esta fase, quanto mais etapas tiver, quantos mais ordenamentos jurídicos usar, melhor para o branqueador. A dissimulação da origem dos activos é agora efectuada com recuso a processos mais complexos, nomeadamente:

  • Off-shore Banking
  • Empresas Fictícias
  • Empresas de fachada “écran”
  • Negócios fictícios
  • Contabilidade paralela em empresas com actividade regular
  • Mistura de activos “sujos” com activos “limpos” dentro de estruturas empresariais regulares

Integração

A terceira fase, constitui-se com a integração dos bens e/ou dos valores na esfera patrimonial do criminoso a quem os valores são devidos. Completa-se quando os bens ou valores ilícitos surgem com a aparência de lícitos e são usados livremente pelo criminoso, à frente de todos, muitas vezes até com elevada consideração social.

Alguns autores mencionam que a integração pode repartir-se em três estádios: o primeiro significaria um investimento a curto prazo, em meios de transporte e comunicação; médio prazo, aquisição de companhias de fachada com recurso a empregados qualificados; longo prazo, em actividades “inteiramente legais ou de influência política (apoios eleitorais), económica ou social.

Porém, o mais significativo sobre a integração, é referir que ela se consolida quando os bens ou valores obtidos ilicitamente, como produto de um ou vários crimes, são usados livremente sem levantarem qualquer dúvida sobre a sua proveniência. Em alguns casos é até possível encontrar subsídios, apoios ou comparticipações por parte do Estado, em investimentos feitos com activos “sujos”.

As penalidades nos casos de não comunicação de transacções suspeitam

O não cumprimento com o sistema de medidas preventivas em vigor na lei de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, incluindo o dever de comunicar transacções suspeitas, por parte das entidades sujeitas a este regime preventivo, é considerada infracção administrativa e sujeita a pena de multa  que pode atingir as 500.000 patacas quando o infractor é um indivíduo ou os 5.000.000 de patacas nos casos em que o infractor seja pessoa colectiva.

O combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo

Quer que sejamos um residente de qualquer país ou um simples visitante que planeia visitar um país por um curto período de tempo, tem-se por responsabilidade cooperar com as entidades acima referidas uma vez que a luta contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo é hoje uma obrigação verdadeiramente internacional. Sem uma adequada e actualizada informação acerca dos clientes ou parceiros de negócios será extremamente difícil que qualquer sistema de controlo instalado consiga a detecção e identificação de transacções suspeitas em relação ao normal funcionamento dos negócios e actividades daquelas entidades.

Tudo o que você precisa de fazer é facultar alguns elementos necessários à sua correcta identificação tais como os relativos ao seu nome e profissão bem como a morada utilizando os elementos de prova possíveis. Tenhamos em atenção que sempre que se recuse a prestar a informação relativa à sua identificação, de acordo com a legislação vigente de combate ao branqueamento de capitais, as entidades têm o direito de recusar a realização das transacções ou terminar a relação de negócio que mantêm consigo.

Bibliografia

ASSEMBLEIA NACIONAL DE ANGOLA: Lei do combate ao branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo Lei n.º 34/11 de 12 de Dezembro de 2011.

Filipe Rafael Magnório Salgado: Branqueamento de capitais: uma análise empírica. Brasil, 2015

_____________________ Lavagem de dinheiro. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lavagem_de_dinheiro. Acesso aos 18 de Outubro de 2016.