Marx Plank escreveu que «efectivamente, em face de uma natureza infinitamente rica, em constante renovação, o Homem, por maior que seja o progresso do conhecimento científico, é sempre uma criança admirada e deve estar sempre pronto para novas surpresas».

Para Platão e Aristóteles (que constituem, juntamente com Sócrates, os primeiros e os mais importantes filósofos da Grécia antiga), a Filosofia nasce da admiração e do espanto.

Estes filósofos não se referiam à surpresa que é o extraordinário, o nunca visto, o inesperado, mas sim à administração face ao que parecia conhecido, habitual e sem surpresa. Para Descartes (outro grande filósofo, francês, da Idade Moderna), a Filosofia nasce da dúvida. Tenhamos, contudo, sempre presente que não basta a admiração, a dúvida; estas estão presentes no início do questiona¬mento filosófico, mas, para existir Filosofia, é importante a persistência na busca de respostas.

O que faz então com que uma questão seja filosófica? As questões filosóficas não são simples proposições terminadas com um ponto de interrogação; são afirmações ou negações ligadas a certas questões prévias e representam, muitas vezes, a formulação avaliadora de um princípio que exige justificação.

Vejamos as respostas de alguns filósofos. Para Karl Jaspers, as questões filosóficas dizem respeito ao Ser, que não pode ser objecto das ciências, pois não está estruturado da mesma maneira que as coisas. Gabriel Marcei diz que as questões filosóficas são mistérios, enquanto para Denis Diderot a peculiaridade das questões filosóficas pode obter-se através da distinção do conteúdo de dois termos: «como» e «porquê». Assim, por exemplo, enquanto o físico se interessa em saber como se dá um fenômeno, o filósofo pergunta-se por que razão se dá tal fenômeno.

A Filosofia é a única disciplina que pode responder a perguntas do gênero: O que é a verdade? O que é o Homem e qual é o seu lugar no mundo?

Os problemas filosóficos surgem no interior de qualquer actividade humana. Qualquer questão de natureza científica, política, moral, artística, ou outra, pode ter manifestações e desenvolvimentos filosóficos. Com efeito não é pelo seu conteúdo e formulação imediata que um problema se torna filosófico ou não filosófico, mas pela forma como ele é abordado e desenvolvido, ou seja, é assumindo uma atitude filosófica que um problema se torna filosófico.

Portanto, o que faz com que uma pergunta seja considerada filosófica não é apenas o modo (como é colocada a questão) mas também o conteúdo, que compreende quatro aspectos fundamentais que a seguir se enunciam.

Universalidade

O alcance das questões filosóficas não se circunscreve a realidades particulares; os problemas filosóficos dizem respeito a todos os homens. A Filosofia coloca questões e problemas que são filosóficos na medida em que são universais, interessam a toda a humanidade, dizem respeito a todos os homens em todas as épocas, em todas as culturas e em todas as localizações geográficas. A Filosofia pergunta, entre outras questões:

O que é o Bem? O que é o Homem? O que é a Verdade? Qual é o sentido da vida humana?

Radicalidade

Procura a raiz e a origem dos problemas; o que caracteriza as questões filosóficas é o aprofundamento do problema e não a busca de soluções imediatas.

Autonomia

É a capacidade do filósofo de ter a liberdade de raciocinar na busca da verdade e de fundamentos, distanciando-se muitas vezes do que a História terá definido.

A pergunta «O Homem é mau por natureza?» serve de exemplo de problema e questão filosófica que resiste a soluções fundamentadas na experiência e na História. Tendo presente as notícias, veiculadas quer pela televisão, quer pela rádio ou qualquer outro meio de comunicação, cujo conteúdo são as guerras, assassínios, linchamentos, conflitos de toda a espécie e, ainda, o conhecimento sobre a História Universal, em que a paz e as relações amigáveis entre os povos e grupos étnicos parecem coisas raras, muitas pessoas, se não a maioria, Concluem, sem mais exame, que o Homem é mau por natureza (o homem é lobo do homem).

Daí que o problema não chegue a existir, já que assim o mostra a experiência. E, de acordo com esta teoria, cada pessoa procura dominar ou controlar os outros e só por interesse obedece às leis e aos princípios morais que promovem a igualdade entre os homens.

A experiência humana pode também, em contrapartida, apresentar argumentos contra a tese da maldade do Homem, dando suportes para respostas alternativas. Neste sentido, nos seus estudos sobre a vida lúdica da criança, os psicólogos chamam atenção para o facto dos jogos das crianças revelarem neles a natureza humana.

Pode ver-se que, tanto nas brincadeiras de «faz-de-conta» como também nos jogos mais desportivos, onde já há vencedores e vencidos, temos verificado que as crianças manifestam prazer ao desenvolver actividades com regras que deverão ser iguais para todas, regras que elas mesmas criam e recriam. Este prazer, que é espontâneo e que não está, à partida, dependente de um desejo de dominar e controlar os outros, revelaria que os seres humanos também estão vocacionados para tratar os outros como iguais e as leis ou regras seriam os meios de realização dessa vocação e não apenas uma limitação dos impulsos malignos do homem.

Historicidade

Diz respeito ao enquadramento histórico das questões filosóficas.

O objecto de estudo da Filosofia simultaneamente universal (as suas questões são universais) e particular, pois cada época histórica coloca questões próprias a que os filósofos contemporâneos dessas épocas respondem. Em determinadas situações históricas surgem questões e problemáticas que reflectem as vivências e experiências próprias de uma época, cultura ou situação histórica. Estas questões e respostas dadas fazem parte da História da Filosofia, constituem parte da Filosofia ou pensamento filosófico.

A dimensão essencial da Filosofia é o facto de esta ser uma resposta e uma atitude perante determinada realidade humana e, por isso, para fazer Filosofia, não basta aprender as teorias e respostas de determinada época: é necessário filosofar, ou seja, aprender a pensar de forma livre, crítica e autônoma.

Jean-Paul Sartre (1905-1980), filósofo francês, para sublinhar a necessidade de haver filósofos em todas as épocas, dizia: Eu penso que nenhuma sociedade pode passar sem filósofos, porque a Filosofia numa sociedade qualquer é a compreensão do que é o Homem dessa sociedade.