O Infante D. Henrique era o quinto filho de D. João I com Dona Filipa de Lancaster, sendo já senhor da Covilhã, recebeu do pai o título de Duque de Viseu em 1415, quando tinha 21 anos; pelo incentivo e estruturação da exploração dos mares nunca dantes navegados, ficaria conhecido como o Navegador.

Segundo alguns cronistas, depois do parto de uma menina natimorta chamada Branca, a rainha deu a luz a Afonso em 1390, que morreu aos 10 anos de idade; o terceiro filho foi Duarte, nascido um ano após o irmão, em 1391, o qual se tornaria rei sucedendo D. João I, morreu em 1438, vitima da peste negra que assolava Lisboa.

Em 1392 nasceu Pedro, Duque de Coimbra, que seria regente de Portugal entre 1439-48, governando no lugar do sobrinho Afonso V em sua menoridade – tornando-se este seu genro ao se casar com a prima Isabel, filha do tio, no último ano da regência.

Henrique nasceu em 1394, quarta-feira de cinzas, na cidade do Porto, sendo o quinto filho do casal real, o quarto a nascer vivo e o terceiro menino.

Em 1397, Dona Filipa deu a luz a uma sexta criança, a única menina, Isabel, casada com um francês em 1430, o Duque de Borgonha, notabilizando-se pela diplomacia em nome do irmão e do sobrinho, reis de Portugal; o sétimo filho, João, veio ao mundo em 1400, recendo do pai o título honorifico de Mestre da Ordem Militar de Santiago, tornou-se Condestável no lugar de D. Nuno Álvares Pereira, após a morte deste.

O oitavo e mais novo filho do casal nasceu em 1402, trata-se de Fernando, Senhor de Salvaterra de Magos e de Atouguia da Baleia, Segundo Administrador da Ordem de Avis, que ficaria conhecido como Infante Santo.

Esteve a serviço do Papa, que ofereceu a ele o título de Cardeal, o qual recusou para ajudar o irmão Henrique na conquista do norte da África, onde foi capturado e morreu no cativeiro esperando o pagamento do resgate que a família se recusou a ceder, daí a alcunha Santo.

Nascido nesta família ilustre, coube ao Infante D. Henrique convencer aqueles que, dentre os nobres do reino, ainda resistiam a ideia de lançar Portugal na aventura marítima.

Segundo a concepção da época, a Coroa precisava da nobreza para ocupar os cargos de comando nas tropas terrestres, navios e postos administrativos.

A falta de braços no campo, que se fazia sentir principalmente nas grandes propriedades rurais, quando por altura do início de quinhentos, era a principal razão da oposição da alta nobreza a epopeia marítima.

Representantes diretos do sistema feudal, para duques e condes, iniciar uma expansão marítima significava que a mão de obra no campo escassearia ainda mais, uma vez que estimularia uma intensificação da migração dos camponeses em direção às cidades e de lá para os navios lusitanos.

A Coroa necessitava cada vez de mais marinheiros para tripular as caravelas, praticamente a única alternativa oferecida aos pobres para escapar da miséria e, ao mesmo tempo, não morrer de fome nas cidades.

Em contrapartida, D. João I temia que alguns nobres politicamente mais poderosos, a cada dia mais empobrecidos; que haviam tomado o partido da Infanta D. Beatriz e, portanto, de Castela na sucessão de D. Fernando; pudessem vir a derrubá-lo do poder.

Por isto encarregou o filho de criar estratégias para direcionar a belicosidade e os ideais de glória em batalha, da alta nobreza, para luta contra os infiéis.

Sabendo que estes se oponham a uma expansão comercial do trânsito de especiarias via Atlântico, mas apoiava a continuidade da cruzada contra os muçulmanos; persuadiu o pai a montar uma campanha para conquistar Ceuta, na costa norte-africana junto ao estreito de Gibraltar.

No entendimento do infante, a sua posse poderia fomentar a continuidade da cruzada contra os infiéis e uma guerra marítima de corso permitiria superar a crise financeira pela qual passava Portugal, uma vez que eram atividades que no passado haviam se mostrado lucrativas.

Pensava que a fixação lusitana em cidades do norte da África serviria também ao interesse da burguesia, pois permitia obter bases avançadas à penetração comercial dentro da rota terrestre muçulmana de especiarias.

A conquista de Ceuta aconteceu em 1415, marcando o inicio oficial da expansão ultramarina lusitana, ocasião na qual, junto com seus irmãos, D. Henrique foi armado cavaleiro pelo rei, seu pai.

A intenção de quebrar a resistência da alta nobreza ao desbravamento dos oceanos, com a invasão do norte da África, foi um sucesso; mas do ponto de vista militar e administrativo, derrotas sucessivas posteriores, fizeram do projeto um desastre.

Depois de ocupada, Ceuta mostrou-se um sumidouro de gente e recursos, custando caro sua defesa contra as tentativas de investidas do islã para retomar a cidade; sem a presença dos comerciantes sarracenos, nada valia, não gerando lucros, sua posse era mais um símbolo do que um empreendimento comercial.

Neste sentido, servia somente como fomento ao ideal cruzadístico de combate aos mouros, então impulsionado pela ilusão de que a pilhagem das cidades, controladas pelos inimigos de fé, conduziriam a um enriquecimento fácil e rápido.

Para motivar a população a buscar no mar a solução dos problemas econômicos, o infante pintou a expansão ultramarina com cores fortes mescladas com o catolicismo.

Transformou a epopeia marítima, de empreendimento estritamente comercial, em movimento cruzadístico de caráter humanitário e religioso, quebrando a resistência da nobreza, transmutada em apoio.

 O cronista Gomes de Zurara, em obra que data do século contemporâneo dos fatos, na invocação do Infante D. Henrique, assim justifica a expansão além-mar:

Oh tu, Principe pouco menos que divinal! (…) Tua gloria, teus louvores, tua fama, enchem assim as minhas orelhas e ocupam minha vista, que não sei a qual parte acudo primeiro. Ouço as preces das almas inocentes daquelas bárbaras nações, em número quase infinito, cuja antiga geração desde o começo do mundo nunca viu luz divinal, e pelo teu engenho, pelas tuas despesas infinitas, pelos teus grandes trabalhos são trazidas ao verdadeiro caminho da salvação, as quaes lavadas na agua do baptismo e ungidas com o santo olio, soltas desta miseravel casa, conhecem quantas trevas jazem sob a semelhança da claridade dos dias de seus antecessores. Mas não direi com qual piedade, contemplando na divina potencia, continuadamente requerem o galardão de teus grandes merecimentos, a qual cousa se não pode reprovar por aquele que bem escoldrinhar as sentenças de S. Tomaz e de S. Gregorio, sobre o conhecimento que hão as almas daqueles que lhe em este mundo aproveitaram ou aproveitam”.

São atribuídos adjetivos de caráter divino ao príncipe que comanda a expansão ultramarina, tenta-se transformar a empreitada de caráter comercial em divino, religioso, quase sagrado.

É como se o próprio Deus tivesse através de uma “luz divinal”, nunca antes vista, “ungido” o infante e inspirado por seus merecimentos a guiar os portugueses em um combate contra as trevas que existiam “sob a semelhança de claridade”.

E a invocação prossegue atribuindo um caráter humanitário à empreitada, diz Zurara:

Vejo aqueles Garamantes e aqueles Tiopios, que vivem sob a sombra do monte Caucaso; negros em color porque jazem de sob o oposito do auge do Sol, o qual sendo na cabeça de Capricornio é a eles em estranha quentura, segundo se mostra pelo movimento do centro do seu excentrico, ou por outra maneira, porque vezinham com a cinta queimada e os Indios maiores e menores [a] todos iguaes em color, que me requerem que escreva tantas dadivas de dinheiros e de roupas, passagens de navios, gasalhado de pessoa, quanto de ti receberam aqueles que por visitação do Apostolo ou cupiçosos de ver a fremosura do mundo, chegaram às fins da nossa Espanha”.

Os portugueses se colocam como salvadores dos nativos que, antes da sua chegada, viviam na sombra, sem roupa e dinheiro.

Segundo a invocação, de acordo com a visão lusitana, somente a Europa era dotada de formosura, enquanto a África e a Ásia estavam isentas de qualquer atributo do gênero.

Construção que distorcia a realidade, na época havia cidades maiores e mais desenvolvidas na Ásia do que na Europa.

O texto prossegue com a afirmação de que os nativos só “souberam” que coisa era o “pão” depois que os portugueses povoaram “as ilhas desertas, em que não havia outra povoação senão alimárias monteses”.

Afirmação contraditória, pois, ao contrário, eram os portugueses que passariam fome dentro das suas feitorias e navios, principalmente no caso da rota da Índia.

Não fosse pelo comércio com os nativos, todos os portugueses teriam perecido de fome e sede na Ásia e África durante o processo de desvendamento dos novos territórios.

O objetivo que se queria atribuir à empreitada era não somente de cristianizar, mas também civilizar, o outro era relegado e inferiorizado, os portugueses queriam que se tornasse mero reflexo imperfeito do seu próprio eu.

Afirma Zurara:

Espantam-se aqueles vizinhos do Nilo, cuja grande multidão tem ocupado os termos daquela velha e antiga cidade de Thebas, porque os vejo vestidos da tua divisa; e as suas carnes, que nunca conheceram vestidura, trazem agora roupas de desvairada colores, e as gargantas das suas mulheres guarnidas com joias de ricos lavores de ouro e de prata”.

Atribui-se ao que realmente se almejava, ou seja, ouro e prata, o valor da civilidade, como se isto pudesse se resumir em sinônimo de civilização.

Por outro lado, a Índia era vista como lugar desconhecido que se almejava alcançar já por esta época, assemelhada a um paraíso terreno, onde se mostram “as grandes filhas das colmeias, cheias de enxames, de que trazem carregadas de mel e de cera para o (…) reino”.

Aguardando os lusos no Oriente haveria “as grandes alturas das casas, que vão ao céu, que se fizeram e fazem com a madeira”.

Este foi somente mais um artifício utilizado para convencer a nobreza da necessidade da expansão ultramarina, onde se poderia alcançar o ideal guerreiro e, simultaneamente, enriquecer com as navegações.

Através da invocação do Infante, podemos notar toda a gama de imaginário projetado e manipulado pela Coroa visando manobrar, principalmente a alta nobreza, de quem precisava fundamentalmente se não para iniciar a expansão ao menos para dar continuidade a ela.

Porém, depois de iniciada a aventura marítima, passado algum tempo, a própria nobreza acabou percebendo que mais que uma cruzada contra os infiéis, a expansão ultramarina representava a oportunidade de lucro certo.

Foi dentro deste contexto de criação de um subterfúgio, visando direcionar a belicosidade da nobreza e enraizar no imaginário uma predestinação lusitana à humanização do mundo por desbravar, que, não por acaso, logo ao subir ao poder; D. João I deixou-se convencer pelo filho, que tratou de organizar uma grande expedição guerreira ao norte da África para armar novos cavaleiros e honrar aos antigos.

A tomada de Ceuta, em 21 de agosto de 1415, marcou o início oficial da expansão ultramarina, ocasião em que D. João I se autointitulou Rei de Portugal e do Algarve e Senhor de Ceuta.

A partir de então, obteve um contínuo e crescente apoio da nobreza ao seu intento, data que marca, portanto, também a superação do obstáculo representado pela oposição da alta nobreza a expansão marítima.

Não obstante, contornada esta dificuldade, em conjunto com a superação deste obstáculo, outro precisou ao mesmo tempo ser vencido, o imaginário popular negativo sobre o mar Tenebroso, uma questão a ser discutida em outro momento.

Entretanto, além de vencer a barreira da oposição da nobreza, o grande mérito do Infante D. Henrique foi organizar a expansão ultramarina.

Depois da conquista de Ceuta, retirou-se para Lagos, onde dirigiu expedições navais, mas, embora rodeado de eruditos, nunca criou uma escola de navegação em Sagres.

 

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