
Muitos fatores impulsionaram Portugal ao pioneirismo naval, recaindo a primazia sobre o desbravamento de mares nunca dantes navegados.
Um deste, em geral ignorado, são as razões económicas que possibilitaram e foram alterando a expansão ultramarina, conforme evoluiu a instalação das rotas marítimo-comerciais lusitanas.
Embora uma série aglutinada de motivações tenham conduzido ao desbravamento dos oceanos, não significa que, simultaneamente, obstáculos relacionados a estas razões não tiveram que ser superados para a vocação marítima cumprir-se.
O primeiro e principal, paradoxalmente, foi o mesmo que conduziu os portugueses a buscarem no mar os recursos que o solo não podia suprir: a situação financeira de Portugal e o próprio quotidiano de sua população.
Apesar da pilhagem aos mouros ter enriquecido o país, tais recursos rapidamente se esgotaram na continuidade da cruzada contra os infiéis.
A tomada de Ceuta dos muçulmanos em 1415, considerado o marco do início dos chamados descobrimentos; não trouxe os resultados esperados e tampouco resolveram os problemas decorrentes da longa luta pela independência.
As guerras de fronteira com Castela tornaram-se um sumidouro de recursos que se manteve ativo mesmo depois da oficialização da paz, os portugueses precisaram encontrar alternativas para preencher o deficit.
Buscavam as riquezas que transitavam pela norte da África, embora houvesse também a questão religiosa; mas nunca conseguiram atingir este objetivo.
A manutenção de Ceuta custava muito e sua posse não gerava receitas, obrigando a captar o financiamento junto a mercadores italianos para construir as embarcações.
Preocupado em expandir a fé e dar continuidade a sua política de pilhagem contínua, Portugal deixou ao relento seu escasso potencial agrícola, o que mais tarde acarretaria em graves consequências.
Contornado este obstáculo, fixada uma rota para o Oriente, o capital de mercadores e banqueiros fluiu para Portugal, depois vieram investimentos holandeses, ingleses e de gente de outras nações.
1- As guerras e o empobrecimento
As guerras de fronteira com Castela pela independência do Condado Portucalense, que duraram de 1383 até 1411, geraram uma grande quantidade de gastos.
Um longo período de 28 anos em guerra provocou uma enorme mortandade, que iria contribuir para um esvaziamento do campo e para o aumento da pobreza no reino.
Não bastasse as baixas entre as tropas mobilizadas, a guerra em si trouxe o empobrecimento.
A exigência de soldados privará as lavouras de camponeses, a necessidade de armas conduzirá a elevação de impostos.
Criando um imenso problema, pois, à medida que havia menos mão-de-obra para produzir e, portanto, menor quantidade de produtos, maior a taxação sobre o pouco que havia disponível.
Uma situação que causou grande fome no campo, que se agravava devido aos alimentos disponíveis serem direcionados às tropas que combatiam Castela.
O encerramento oficial da disputa não trouxe alivio, reconhecida à independência de Portugal, as fronteiras continuaram inseguras, constantemente atacadas por hordas de cavaleiros castelhanos em busca de vingança, glória em batalha e saques.
Simultaneamente, os esforços de centralização política tinham saído caro para os monarcas lusitanos.
Apoiado pela burguesia mercantil e baixa nobreza, que em muitos casos se fundiu; formou-se em torno do rei uma nobreza parasitária que passou a viver às custas dos impostos extorquidos do povo.
A fidelidade da alta nobreza precisou ser comprada com regalias, a burguesia e baixa nobreza necessitou ser cultivada com constantes agrados; o que foi preciso para fazer frente aos castelhanos, mas que trouxe despesas crescentes.
Assim estava configurada a situação, quando Portugal lançou-se a conquista de Ceuta, retomando a cruzada contra os infiéis, que estava na gênese do nascimento do Estado.
A despeito de inicialmente a continuidade da cruzada contra os mouros ter aumentado as riquezas de Portugal, tratava-se de um fluxo monetário momentâneo e ilusório.
A tomada de Ceuta, precedida de diversas tentativas e consequente pilhagem contínua, como citou o cronista Gomes de Zurara em 1449, motivada pelos sacos de especiarias; em um primeiro momento, abarrotou os cofres da Coroa.
Todavia, quando Ceuta foi finalmente ocupada, depois de algum tempo, passou a gerar prejuízos que e acumularam.
Sitiada pelos muçulmanos, sem a presença dos comerciantes sarracenos, a cidade nada valia, pois eram estes que conheciam os caminhos para abastecê-la e que controlavam as caravanas que traziam as riquezas do Oriente.
Ceuta, a exemplo de outras cidades dominadas pelos europeus no norte da África, sob o domínio português gerou somente despesas.
Foi conquistada por uma tropa de 20.000 cavaleiros e soldados, com um alto custo de deslocamento e manutenção; a permanência destes era a única barreira que impedia sua retomada pelo islã, gerando gastos ainda mais elevados com a defesa.
Estes gastos, com pessoal e armamento, contribuíram para o esvaziamento dos cofres do Estado; enquanto as receitas esperadas com a posse do entreposto comercial nunca vieram.
A solução, mais uma vez, foi buscar no aumento de impostos sobre a produção agrícola a compensação para obter fundos, mantendo a posse de Ceuta, financiando a nobreza e as escaramuças fronteiriças com aventureiros castelhanos.
Ocorre que a nobreza e o clero, dentro do contexto medieval, não podiam ser taxados e; diferente do que ocorreria em outras partes da Europa, tampouco à burguesia era adequadamente taxada, visto estar misturada com a baixa nobreza ou a este segmento incorporado por dádivas de títulos concedidos pelo rei.
O peso da manutenção do erário público recaiu sobre os camponeses, o elo mais fraco da corrente que formava o Estado Nacional português; estamento já debilitado pelas guerras de reconquista, independência e continuidade da cruzada no norte da África.
Oprimidos por todos os lados, os camponeses, que restavam ao meio rural, fugiram para as poucas e escassas cidades existentes no reino.
O esvaziamento dos campos
Enquanto em outras nações, na Baixa Idade Média, melhorias no ritmo de produção agrícola, tal como o sistema de plantio em três campos e a introdução do cavalo na tração do arado, gerou um aumento na produção em torno de 50%, criando um excedente que propiciaria uma nascente e fértil sociedade comercial nos moldes mercantilista.
Em Portugal, a carência de fertilidade do solo fez os lusos se voltarem, primeiro, para a pesca e, depois, para o comércio.
Igualmente ao inverso do que ocorreria em outras partes da Europa, não foram os cercamentos que expulsaram os camponeses do solo e muito menos o crescimento populacional, mas a fome e consequente mortandade.
Depois da crise demográfica do século XIV e XV, a mortalidade, associada aos constantes maus tratos dos senhores de terra e a perspectiva de uma vida melhor a partir de atividades ligadas a pesca, estimulou o abandono do campo.
Entretanto, a indústria pesqueira não tinha capacidade de absorver a crescente mão-de-obra a rumar para as cidades, as quais, alias, haviam se desenvolvido em torno deste setor.
A maior parte deste contingente populacional, oriundos do meio rural, constituiria um estamento marginal a mendigar pelas cidades, vivendo do roubo e outros delitos, agravando a carência de gente no campo.
Incorporado como excedente urbano propiciaria o material humano conhecido como degredado, a ser utilizado nos navios de além-mar e lançado em terra para, posteriormente, servir de interprete e facilitar a penetração portuguesa na África, Ásia e, sobretudo, América.
O potencial agrícola de Portugal já era bastante restrito e, sem gente para trabalhar, tornou a situação ainda pior.
Dois terços do solo português eram demasiados rochosos, escarpados ou pedregosos para ser cultivados, era tão pobre que não permitia senão colheitas incertas e inferiores.
Razão pela qual, os lusos se dedicaram desde a antiguidade ao cultivo de gêneros de exportação, notadamente uvas e azeitonas para produzir vinho e azeite; buscando peixe no mar e importando trigo da Alemanha para alimentar a população urbana.
No terço restante que a terra era fértil, havia uma variedade de culturas, mas utilizava-se principalmente para pasto, concentrando-se na criação de ovelhas e cabras que forneciam carne.
A falta de mão-de-obra rural agravava a situação económica, tornando decrescente a produção dos gêneros de exportação, necessários à obtenção de receitas para manter os gastos da Coroa e cobrir os custos de importação de trigo.
Em 1572, no censo a que mandou realizar o rei D. João III, verificou-se haver em Trás-os-Montes, na vila de Teixeira, apenas dois moradores, enquanto quarenta e seis outros residiam nas imediações.
Por esse motivo, disposições várias, de lei geral e das municipalidades, tentaram prender a terra e coagir ao trabalho os braços úteis.
Herdado na tradição medieval, o Pelourinho era então o emblema da autoridade local; ficava no centro da vila, usado para amarrar os desobedientes e aqueles que teimavam em tentar fugir de obrigações com o seu senhor, o nobre que tinha a posse da terra.
Um símbolo do tratamento dispensado aos camponeses, que fazia com que os membros dos estamentos pobres do meio rural continuassem a fugir para as cidades.
O estado convulso impulsionava a população para as cidades e de lá à epopeia marítima, suscitando o gosto pela aventura e afastando do trabalho no campo, o que traria graves consequências não só para a Coroa, como também para tais aventureiros.
Apesar da Coroa precisar destas pessoas nos seus navios, a alta nobreza resistia, tentando obrigar os camponeses a permanecer no meio rural, sem sucesso.
Em 1490, as Cortes pediram ao rei uma lei pela qual os filhos dos lavradores deveriam ficar obrigados a seguir a profissão dos pais, não podendo tomar outro ofício sob pena de açoites e de degredo no norte da África.
Na prática uma tentativa de retorno à servidão, não mais existente em Portugal desde o inicio da guerra de independência, quando os servos foram transformados em soldados e suas famílias permaneceram cultivando as terras da nobreza.
A razão apresentada era que muitas terras estavam abandonadas, a míngua de cultivadores; empobrecendo seus senhores e dificultando o pagamento de impostos.
O rei negou o pedido, porque sabia que a única alternativa possível, para superar a pobreza do Estado, era a expansão ultramarina, o que exigia um fluxo contínuo de gente do meio rural para as cidades costeiras.
Nos centros urbanos de onde partiriam as expedições marítimas, notadamente Lisboa e Porto, mas também outras cidades, principalmente do Algarve; a falta de alimentos era compensada em parte pela pesca, a qual contribuiu para o florescimento de uma avançada indústria naval, que também carecia de mão-de-obra na mesma medida que crescia.
A oposição entre baixa e alta nobreza
No século XV, Portugal encontrava-se dividido entre a baixa e a alta nobreza tradicional; enquanto a burguesia mercantil estava intensamente envolvida com a intermediação de especiarias, via mar mediterrâneo, obtida com os italianos e vendida para o norte da Europa.
A grande nobreza dos duques, condes e marqueses era contrária à expansão ultramarina e a favor da fixação dos camponeses na terra, tinha ainda um caráter feudal.
A pequena nobreza de origem burguesa, ligada por casamentos com os barões, tinha interesse na ampliação das navegações, queria desbravar os oceanos e eliminar os italianos, transcender de atravessadores para fornecedores de especiarias.
Esta questão só foi resolvida com a subida ao trono de D. João I, Mestre da Ordem militar de Avis, em um momento em que a independência de Portugal estava ameaçada.
A alta nobreza se colocou a favor de Castela, contra a dinastia de Avis, sendo depois preterida pelo novo rei; fazendo com que, quando o mestre, apoiado pela burguesia, colocasse em marcha a expansão ultramarina.
Os elementos da baixa nobreza foram elevados a categorias superiores, mercadores que ainda permaneciam como reles burgueses receberam títulos de nobreza e terras; aqueles que permaneceram fiéis aos Borgonha e castelhanos foram expurgados.
Porém, continuavam a faltar recursos econômicos que pudessem possibilitar a expansão para mares nunca dantes navegados.
Diante da necessidade de recursos para construir navios e financiar expedições, como não havia dinheiro, a solução encontrada pela Coroa foi contrair empréstimos internos e externos a atrair investidores.
A exemplo de seus antecessores, que haviam recebido um número tão grande de empréstimos que em seus testamentos figuram apenas dívidas; ao subir ao trono, D. João I, além de herdar estas dividas, ampliou-as.
Os investimentos de particulares internos vieram de judeus portugueses, que pertenciam geralmente à burguesia comercial; o capital externo, inicialmente, foi obtido com mercadores e banqueiros italianos, que há muito haviam instalado entrepostos comerciais em Portugal.
Depois da abertura da rota atlântica para a Índia, o capital estrangeiro fluiu com investimentos holandeses, ingleses, franceses, alemães, suecos e até mesmo espanhóis.
A presença de investidores judeus
Os judeus foram mais forçados a contribuir com a empreitada marítima do que convencidos a aplicar seu capital.
Quando os judeus foram expulsos da Espanha em 1492, D. João II recebeu de braços abertos àqueles que puderam pagar uma propina por cabeça.
A comunidade judaica em Portugal já era grande por esta época, a despeito de mantida segregada, o que demonstra que não foi por bondade que os lusos receberam os judeus, mas por interesses notadamente económicos.
Nenhuma lei obrigou os judeus a investir na expansão ultramarina, mas quando se fazia patente à falta de recursos, a perseguição era acirrada, forçando os detentores de capital a investir tudo nas rotas que eram abertas, ao que muitos migravam para as novas possessões para escapar de represarias violentas.
Em uma breve carta, um tanto danificada pelo tempo, endereçada a “El Rei”, datada apenas em 18 de Maio, sem referência ao ano, tratando-se de correspondência emitida na primeira metade do século XVI; D. Alvaro de Noronha, “Capitão Mor de Azamor”, faz referência a um contrato com judeus, no qual a Coroa havia se comprometido a doar “nove mil alqueirez dentro em tres annos, tres mil cada anno”, no norte da África
Não existe nenhuma referência ao que a Coroa obteve dos judeus para se comprometer a doar terras, mas tudo leva a crer que obtivera deles o numerário necessário à construção de embarcações destinadas à exploração da costa africana e à edificação da vila de Azamor.
Estando em condição marginalizada em Portugal, para os judeus, investir na empreitada marítima, em troca de terras nas novas possessões de além-mar, constituiu uma saída viável à recusa da aceitação de sua fé no reino.
Nas novas terras o controle sobre as judiarias, ao menos no início, não era tão rígido quanto em Portugal; além disto, estando próximos às fontes de riqueza da época, poderiam recuperar o investimento e quem sabe lucrar.
Por outro viés, para a Coroa, sempre a míngua de recursos para continuar a expansão marítima, compelir judeus ao investimento resolvia em parte a falta de recursos e, ao mesmo tempo, sob a distorcida ótica cristã, garantia o embarque de alguns daqueles, considerados indesejados para longe.
Diversos judeus recém-convertidos, chamados então cristãos novos, migraram quando por ocasião da abertura da rota da Índia, a qual haviam ajudado a estabelecer por conta de investimentos.
A documentação do período dá conta que muitos judeus migraram para Cochim, na Índia; onde, dado somas vultosas investidas, foram cedidos privilégios e cargos.
Jácome de Olivares, sendo já “Mestre da Ordem de Santiago”, devido “ao seu domínio das letras e dos números”, foi nomeado “escrivão da carreira da Índia”, cargo que era interditado a judeus
A maioria dos investimentos dos judeus não eram propriamente empréstimos, constituíam a compra do direito de poder participar do lucro proporcionado por determinada rota.
Parcela também considerável destes investimentos constituía a compra do privilégio de migração para possessões portuguesas para exercer atividades comercias.
Ao contrário do que se poderia supor, para os mercadores judeus da Rua Direita, em Lisboa, local onde possuir um comércio era um sinal de riqueza; nem sempre investir nas novas rotas marítimas foi um mau negócio.
Na maior parte dos casos, investiam em uma atividade que se mostrava imensamente lucrativa, sobretudo quando o capital era aplicado na Carreira da Índia, rota que ligava Lisboa com Goa e pela qual transitavam as cobiçadas especiarias, ao menos até o seu declínio, iniciado pela altura da União Ibérica no final do século XVI.
Situação diferente do financiamento compulsório da nascente Carreira do Brasil, rota ligando Lisboa e Salvador; onde os judeus que foram obrigados a investir na Companhia Geral do Comércio do Brasil, muitos dos quais foram arruídos quando a instituição faliu décadas depois.
Estes investimentos de mercadores judeus foram essenciais para armação dos navios que garantiram o descobrimento do caminho marítimo para a Índia, e; mais tarde, para o fortalecimento da rota do Brasil, principalmente, devido ao seu contributo à segurança das frotas, em um momento em que estas tiveram sua existência ameaçada pelo bloqueio naval holandês.
Entretanto, uma vez aberto o caminho marítimo para o Oriente pelo Atlântico, que tencionava eliminar a presença de italianos no rico comercio de especiarias distribuídas pela Europa; o capital judeu se mostrou insuficiente às metas cobiçadas pela Coroa para a ampliação da Carreira da Índia.
Ironicamente, os recursos necessários para continuidade da empreitada foram obtidos com mercadores italianos, no fim os principais beneficiados pela abertura da rota.
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