A filosofia grega inaugurou, pela primeira vez na história da humanidade, uma atitude crítica com relação àquilo que se acreditava ser inquestionável: as explicações fornecidas pelas crendices perpetuadas pela tradição oral, que hoje chamamos de senso comum, e que para os gregos eram os mitos.

Devemos notar que estas opiniões não foram todas questionadas, imediatamente, quando surgiram os primeiros filósofos.

A criticidade humana, que deu origem a ciência moderna, nasceu a partir da filosofia em um processo lento e gradual que demorou séculos.

Na antiguidade, os mitos forneciam explicações sobrenaturais para aquilo que a razão não conseguia compreender.

É curioso notar que, ainda hoje, em plena era da informação, com conclusões cientificas acessíveis com um simples toque do dedo na tela do celular; alguns segmentos populacionais continuam acreditando nos mitos, recusando-se a enxergar o mundo a luz da razão.

Além disto, entre os gregos, os mitos normatizavam a vida em sociedade, fornecendo um código de ética primitivo ao demonstrar as pessoas como se comportar através de lições transmitidas de geração em geração.

O que, antes da modernidade, tinha grande utilidade coletiva, permitindo a vida harmônica em sociedade, condicionando comportamentos e formas de pensar (mentalidades).

O mito de Édipo, por exemplo, aquele no qual o filho se apaixona pela mãe, sem saber seu real grau de parentesco, acaba em tragédia; servindo para demonstrar que relações incestuosas podiam acabar mal.

Já o mito de Narciso, que teria se apaixonado pela própria imagem refletia em um lago e se afogado; simbolizava como a vaidade poderia acabar em tragédia.

Os mitos, de certa forma, foram se perpetuando e condicionando a maneira de pensar de toda a humanidade; estando presente inconscientemente no condicionamento do comportamento de todos nós.

Razão pela qual Freud, no século XIX, nos primórdios do que depois seria chamado de psicologia; usou a mitologia greco-romana para estudar o funcionamento da mente, os impulsos que nos levam a agir desta ou daquela forma.

Quando a filosofia surgiu na Grécia Antiga, não existia o que chamamos atualmente de ciência, os mitos eram ordenadores do mundo, explicando todos os fenômenos e condicionando comportamentos não apenas inconscientes, serviam até mesmo para sustentar a argumentação das leis.

Ao questionar os mitos, os primeiros filósofos passaram a procurar por um elemento ordenador racional, algo que se opusesse ao Kaos, a desordem.

Eles procuravam entender o Kosmos, o mundo (tudo que existia), através de um principio organizador. O que os gregos chamaram de Arkhé, aquilo que está a frente, que governa tudo.

O mundo seria como uma grande orquestra, a qual escutamos, ouvimos a música, sem conseguir ver quem está tocando os instrumentos e quais seriam estes.

Esta orquestra invisível seria o Kosmos, que teria um regente, um maestro, o Arkhé. A ideia era visualizar este organizador da orquestra para, depois, desvendar quais instrumentos estariam sendo usados para produzir o som da música e quem estaria tocando cada um deles.

O que conduz, inclusive, a outras indagações, como qual som emite cada instrumento, como este som se combina com outros para compor a melodia, quem fez os instrumentos, como foram feitos, etc.

Esta analogia permite entender uma das características da filosofia: o desdobramento de uma pergunta em várias outras e assim por diante, infinitamente.

Visto que a filosofia nasceu com a intenção de recusar explicações simplistas de senso comum, pretende desvendar o que está por trás das aparências usando a racionalização; e, obviamente, uma pergunta conduz a inúmeras outras.

Responder estas questões, que vão se desdobrando em outras, foi o trabalho da vida dos filósofos; os quais, literalmente, levaram toda a vida para contribuir com a construção do conhecimento de forma tímida.

A questão central que tirou o sono destes pensadores, no entanto, nos primórdios da filosofia na antiguidade, foi como encontrar o principio ordenador de tudo, buscando a verdade por trás das aparências.

Como entender o mundo racionalmente e alcançar a verdade? Como articular o pensamento racionalmente? São perguntas fundamentais que os gregos pensaram e que, também, permitem entender o que é a filosofia.

 

Bibliografia

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