Moçambique (pós-independência) anterior a 1987

A luta armada contra a dominação portuguesa desencadeada a 25 de Setembro de 1964 desembocaria na transferência dos poderes (político, social e económico) das mãos dos Portugueses para as dos Moçambicanos, a 07/09/1974. Portanto, após a tomada do poder pela FRELIMO, um novo conjunto de projectos teve-se que levar a cabo para fazer face aos desafios que colocavam-se ao governo nessa fase. Deste modo, pretende-se neste capítulo, entender de forma sintética os projectos de elevada importância que a FRELIMO encetou no sentido do desenvolvimento do novo Estado sob sua responsabilidade e não mais, na responsabilidade dos Portugueses.

O Plano Prospectivo Indicativo (PPI)

Antes de avançar muito, urge-se relevante referir que o Novo Estado Moçambicano após a conquista da sua independência vai adoptar um governo do modelo Socialista, caracterizado pelo Centralismo. A opção da FRELIMO pelo modelo Socialista, na visão de Cabaço (2007) circunscreve-se no sentimento anticolonialista, pelo que dá-se a entender que as raízes do socialismo moçambicano encontram-se no período de luta de libertação de Moçambique.

É nessa perspectiva que, o mesmo autor afirma que: Um processo revolucionário implicaria a negação da estrutura que o criou. A finalidade do esforço da guerra e dos esforços consentidos se deveria materializar no acesso da população à gestão de uma nova realidade (2007: 417). Portanto, tomando em conta que o sistema colonial regia-se pelo modelo capitalista, torna-se evidente que o sentimento anticolonialista e da necessidade de implantação de uma nova estrutura social diferente desta, desembocaria na opção pelo sistema Socialista.

Esta opção liga-se também a situação que, então dominava o mundo (a Guerra Fria), pelo que o Mundo encontrava-se sob domínio das ideologias Capitalista e Socialista. Portanto, uma negação ao Capitalismo poderia resultar na opção pelo Socialismo e, vice-versa.

O PPI foi elaborado após o Terceiro Congresso da FRELIMO (realizado em 1977), em 1978, porém a sua aprovação ocorreria em Agosto do ano seguinte, em uma sessão do Conselho de Ministros. O objectivo primordial do PPI era o de acabar com o subdesenvolvimento no país em dez (10). Para responder ao objectivo deste plano, definiram-se as seguintes principais acções:

  • Socialização do campo e desenvolvimento agrário – através do desenvolvimento acelerado do sector estatal agrário, mecanização da agricultura, introdução das cooperativas no campo e a criação de aldeias comunais;
  • Industrialização rápida – investir fortemente na indústria ligeira em articulação com o sector agrícola para garantir as necessidades básicas da população e promover as indústrias de exportação;
  • Educação – a formação e qualificação da força de trabalho através da massificação da formação formal e da alfabetização.

O PPI revelava a partir das acções interventivas que, para o alcance do objectivo traçado como primordial, seria necessário realizar investimentos de elevada importância. Contudo, algumas das fraquezas desse programa consistiram da falta de recursos financeiros internos para a realização desses investimentos, sendo demasiado dependente de recursos externos, com uma orientação comercial e económica centralizada no mercado interno, uma gestão macroeconómica desequilibrada e excessivamente centralizada com uma articulação não efectiva com o sector agrário.

Factores da Ineficiência do PPI

Muito cedo, em menos de três anos (1980-1983), um conjunto de factores revelou evidente a impossibilidade da concretização dos objectivos que norteavam o PPI. Em 1981, os serviços da dívida e as taxas de juro sofreram uma alteração no que diz respeito aos empréstimos contraídos a juros móveis. Desta forma, o país encontrava-se em dificuldades para a amortização da dívida e as reservas de divisas disponíveis eram insuficientes, havendo, então, necessidade cada vez mais crescente em contrair mais empréstimos, que devia-se a factores de ordem Nacional, Regional e Mundial.

Contexto Nacional

Guerra Civil – a sua generalização por quase todo país, alcançou zonas de grande importância económica a Sul do Save (o Vale do Limpopo e as vias de acesso a Maputo começaram a ser persistentemente atacadas) e a Norte do Save, ocupou-se com tamanha facilidade o Vale do Zambeze;

Catástrofes naturais – as cheias e a seca atingiram o auge nos princípios da década de 1980, tendo influenciado para a generalização da fome e da desagregação da economia rural.

Contexto Regional

Política de desestabilização de África do Sul – que, tendo adoptado a estratégia da CONSAS, contra a SADCC, onde a primeira pretendia perpetuar a dependência regional em relação a África do Sul. Assim, no âmbito mais abrangente da estratégia da CONSAS, o sistema ferro-portuário moçambicano que, representava-se como instrumento estratégico da SADCC, tornou-se alvo de dois processos Sul-Africanos (a desestabilização militar e a desestabilização económica).

Conjuntura Mundial

Guerra Fria – assolou de forma negativa a proficiência do PPI. Este fenómeno deveu-se ao excesso de confiança dos apoios dos países socialistas e nórdicos a Moçambique. Ora, essa confiança traduziu-se na dependência directa de concessão de apoios financeiros e de mão-de-obra especializada estrangeira, sobretudo oriundos de países socialistas.

Crise Mundial da década de 1970 – fez-se sentir em Moçambique através dos níveis de inflação registados a nível mundial.

O Programa de Reabilitação Económica (PRE)

A origem do Programa de Reabilitação Económica em Moçambique está associada a sua adesão as Instituições da Bretton Woods4, cujo propósito era de obter apoios externos dos países ocidentais para imiscuir-se da crise que acuava o Estado Nacional. Portanto, este capítulo visa abordar sobre o PRE introduzido em Moçambique, concretamente no que diz respeito a sua origem, ao seu desenvolvimento, aos impactos que ele trouxe para a sociedade e, por fim, revelar os principais problemas que determinaram os resultados que o este programa trouxe.

Bretton Woods foi o nome dado ao acordo de 1944 que juntara 45 nações, com o objectivo de definir medidas que regessem a economia mundial após Segunda Guerra Mundial, a despeito da crise eclodida em 1929.

Os Programas de Reajustamento Estrutural

Falar de Reajustamento Estrutural é referir-se a uma expressão surgida nos anos de 1980, que associa-se ao conjunto de prescrições da política económica instituída pelas instituições de Bretton Woods. Ora, encontra seu enquadramento nas políticas de grandes instituições económicas surgidas no contexto de desempenhar papel preponderante na economia do mundo – Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional.

Os Programas de Reajustamento Estrutural reconhecem-se como conjunto de medidas económicas que assentam-se em pressupostos que as grandes instituições internacionais da Bretton Woods (especialmente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) apontam como necessários para a remissão possível da crise. Assim, o Reajustamento Estrutural será a implementação das políticas económicas que essas instituições apresentam como necessárias para a resolução de desequilíbrios macroeconómicos e a rectificação de políticas não adequadas que impulsionam o desempenho das economias dos países em via de desenvolvimento.

O Reajustamento Estrutural é um processo a partir do qual procura-se colocar a economia de uma nação em uma posição estratégica, para o alcance de um crescimento sustentável, quando esta arrosta-se com uma crise macroeconómica que caracteriza-se por balanças internas e externas insustentáveis.

A Adesão de Moçambique ao BM e ao FMI

A grave crise amadurecida já nos princípios dos anos de 1980 preocupava o governo da FRELIMO, foi então que sentiu-se no seio dela a necessidade de reavaliar as suas políticas e a sua posição nos assuntos internacionais. Deste modo, Samora Machel começou a consertar as relações com os países ocidentais, afirmando até, que a FRELIMO sempre esteve aberta aos investimentos estrangeiros e mostrara-se favorável ao Ocidente. Mas, foi em 1982 que o governo decidiu atrair o auxílio Ocidental e candidatar-se a aderir ao FMI. Portanto, no ano seguinte, a FRELIMO realizou o seu IV Congresso, onde adoptou uma mudança da política radical que, imediatamente associou-se a outra campanha (campanha de produção)5. Já em 1984 aderiu à Convenção de Lomé e, a 24 de Setembro foi aceite como membro do FMI.

A campanha de produção foi lançada em 1983, a qual obrigava milhares de pessoas a deixar suas famílias e ir para Niassa. Essas pessoas eram levadas dos grandes fluxos urbanos, devido ao disparo do desemprego e fragilidade de serviços de educação e saúde e, que diminuía a capacidade d produção nas zona rurais.

Ainda no mesmo ano de 1984 aprovou-se o Programa de Acção Económica (1984-1986), sendo um sinal do Programa de Reajustamento Estrutural e foi submetido às IBW para o financiamento. E porque as IBW têm seus pressupostos ou ainda medidas para todos países que aderem aos Programas de Reajustamento Estrutural, Moçambique recebeu entre 1985-1986 cinco missões do FMI na perspectiva de verificação da aplicação dessas medidas. Essas missões, Meque menciona-as sequencialmente:

Abril de 1985 consultas no âmbito do Artigo IV do acordo; Novembro de 1985 discussão do Programa de recuperação económica; Julho de 1986 segundas consultas ao abrigo do artigo IV do acordo e prosseguimento da discussão do programa; Outubro/Novembro de 1986 avaliação dos efeitos da alteração da taxa de câmbio e dos preços oficiais no sector empresarial, políticas monetárias e de créditos, orçamento do Estado; Dezembro de 1986 missão conjunta com o Banco Mundial (2013).

O PRE de 1987

A partir do momento em que Moçambique foi aceite como membro do FMI e do BM, em 1984, começaram-se as reformas neoliberais que seriam introduzidas em 1987 com o Programa de Reabilitação Económica, este que surge no contexto do Programa de Reajustamento Estrutural inspirado nas decisões do Congresso de Washington. Essas reformas tinham em vista a substituição do modelo Socialista de desenvolvimento pelo modelo Capitalista.

O PRE tinha como seu principal objectivo reestabelecer os equilíbrios macroeconómicos e restaurar um ambiente que destinasse-se ao desenvolvimento económico, na perspectiva de reverter a situação de tendência negativa que até então registava-se e a consequente degradação social sem perspectiva de nenhuma melhoria. Na mesma perspectiva, MALENDZA (2006) aponta como principais objectivos do PRE os seguintes:

  • Reverter o declínio da produção;
  • Assegurar às populações as receitas mínimas e um nível de consumo mínimo;
  • Restaurar o balanço macroeconómico através da diminuição do deficit orçamental;
  • Reforçar a balança de transacções correntes e a balança de pagamentos.

Tendo em conta que o PRE tinha em vista o reparo aos erros do PPI e recuperar os índices de produção e de exportação registados em 1981, este programa destacava como haverem sido principais erros da estratégia do PPI a má gestão macroeconómica, a distorção da estrutura dos preços relativos em desfavor da agricultura e das exportações, e o desincentivo à operação do sector privado nacional e estrangeiro. Deste modo, o argumento que apresentava-se era que a má gestão macroeconómica do período do PPI, havia conduzido a economia nacional à um estado de grave desequilíbrio financeiro e estrutural, assim sendo, somente um forte  compromisso do governo em reverter as políticas do passado e introduzir correcções fiscais e monetárias duras seria possível restaurar a saúde da economia e a credibilidade internacional do país.

Entretanto, para que se conseguisse alcançar êxitos nos objectivos impostos pelo PRE, havia a necessidade de encontrar medidas através das quais o programa pudesse processar-se. Contudo, no contexto do PRE que estava assente nos Programas de Ajustamento Estrutural baseados nas instituições internacionais (BM e FMI), devia seguir estritamente6 as medidas que essas instituições impunham, as quais Gobe (1994) aponta:

Diz-se estritamente, pelo facto de o reajustamento da economia nacional ter de obedecer impreterivelmente as medidas dos credores, pois a não obediência destas, o país não teria a sua dívida reescalonada e nem acesso a novos créditos e ajuda.

  • Desvalorização da moeda nacional;
  • Restrição da expansão monetária por via da elevação das taxas de juros combinados com redução e imposição do limite do crédito;
  • Redução do financiamento pelo Banco Central dos défices governamentais;
  • Redução das despesas governamentais;
  • Reforma fiscal;
  • A retirada do Estado da actividade produtiva através da privatização das empresas estatais e intervencionadas;
  • Liberalização do comércio e abolição do sistema de preços fixos;
  • Depositar mais esforços na agricultura privada e em pequena escala através da melhoria dos termos de troca e dum aumento de oferta de bens de incitamento necessárias;
  • As despesas do Estado deveriam ser diminuídas através da abolição de subsídios a unidades produtivas que não fossem rentáveis e da diminuição dos subsídios ao consumidor e, outras medidas de estruturação e ajustamentos a níveis sectoriais.

O PRE passou mais tarde ao PRES (1990), devido a necessidade de focalizar mais a dimensão humana, uma vez que com tal política o fosso entre ricos e pobres aumentava progressivamente, trazendo impactos significativos nas estruturas da sociedade. A inflação atingiu, em 1989, níveis insustentáveis para o poder de compra do cidadão comum, o PRE, contrariamente ao que motivou a sua adopção criou um impacto social negativo. É nessa linha que Cabaço (1995) refere que, a situação social estava, todavia, agravando-se por efeitos da política de reajustamento estrutural que o Governo aplica com rigor. A riqueza concentra-se nas mãos de uma minoria, nacional e estrangeira, a custa da degradação galopante das condições de vida de uma maioria sempre mais numerosa.

Com a transformação do PRE em PRES (Programa de Reabilitação Económica e Social), verificaram-se alguns resultados satisfatórios, visto que os recursos destinados aos sectores sociais foram crescendo, passando, então, a representar 23% dos doadores que reflectiram um crescimento de 11% comparativamente ao período de 1987-89.

Impacto do PRE na Sociedade Moçambicana

Em uma visão tão ampla, depreende-se que o PRE visava essencialmente melhorar a vida da população das zonas rurais que, inegavelmente estava degradada, devido as políticas não adequadas a realidade, tal como é o caso das aldeias comunais e das machambas estatais, visto que a população rural havia sido atingida de forma severa pela guerra civil, pelas catástrofes naturais sucessiva, cujos efeitos traduziam-se em fome crónica e degradação das condições de vida e assim, as dificuldades de alimentação eram enormes

Na visão de Matsinhe (2011), o Programa de Reabilitação Económica provocou para a sociedade moçambicana, mais desgraças do que benefícios. Contudo, dos benefícios notáveis, refere-se que o PRE:

  • Inverteu a tendência do declínio económico;
  • Aumentou o fluxo de ajuda alimentar e cooperação internacional, reduzindo as consequências da fome, a incapacidade por endividamento do país e amorteceu o colapso do sector externo;
  • Os mercados e as lojas começaram a ter bens para a venda e muitos produtos que, até então existiam no mercado paralelo, passaram a ser vendidos;
  • PRE juntamente com outras medidas políticas e diplomáticas facilitaram o isolamento da RSA e da RENAMO, o que abriu caminho para a paz em Moçambique e na região.

Entretanto, o lado negativo parece ter sido maior do que o positivo pelo que refere-se que, com a implementação do PRE em 1987, verificou-se que o poder de compra e de consumo diminuíram por causa do agravamento dos termos de trocas e da diminuição de oportunidades de emprego. O aumento das quantidades registado durante os primeiros anos do PRE (1987-89) dependeu mais do facto de os camponeses venderem maiores quantidades do que anteriormente graças ao processo de liberalização do mercado e não pelo aumento da produção real para a venda ter aumentado.

O corte drástico das verbas destinadas a saúde e educação exigidas pelos programas do FMI levou ao rebaixamento dos empregos para trabalhadores com baixo nível de alfabetização. Assim, as famílias cujos chefes haviam perdido emprego ficaram incapacitadas de arcar com as despesas de tratamentos hospitalares.

É, em meio disso que chega-se a referir que no período anterior a implementação do PRE, a situação do país era relativamente melhor, tomando em consideração que o governo assegurava os preços da alimentação básica e outros bens e serviços vitais aos mais carentes. Porém, com as políticas neoliberais adoptadas, assistiu-se a eliminação de subsídios, tendo acarretado a subida de preços dos alimentos e dos bens de base, o que causou de forma directa problemas como a desnutrição e doenças infecciosas como a malária e a cólera. Assistiu-se também, após a implementação do PRE, a redução das taxas de inscrições para o ensino primário (entre 1989-94, o número de matriculados nas escolas primarias decresceu de 86% para 60% da população estudantil), pelo que os pais preferiam tirar os filhos da escola (por falta de dinheiro para pagar as matriculas e os livros escolares), aumentando-se assim a quantidade de mendigos. Por conta dessa realidade, assume-se que o PRE atingiu as populações mais pobres com tamanha dureza.

A diminuição do poder interventivo do governo e a respectiva diminuição de remunerações fizeram com que os quadros técnicos do governo abandonassem para as Organizações Não-Governamentais e para empresas de consultoria ou empresas estrangeiras, visto que essas instituições ofereciam melhores remunerações relativamente ao sector público.

Os poucos que permaneciam nas instituições estatais são os que estavam mergulhados na corrupção, aceitavam subornos em troca de prestação de serviços, verificava-se mais os desvios de fundos para o benefício pessoal em detrimento do Estado. Portanto, essa situação pode ter contribuído de forma significativa para os níveis actuais da corrupção em Moçambique.

Com a questão de privatização das empresas estatais, viu-se a necessidade de criação de uma classe empresarial nacional. Esta classe formou-se de forma selvagem, através da exploração do povo. Isto é, as elites locais, os bancos internacionais e o capital estrangeiro, em conluio com a burocracia local, construíram relações de apoio recíproco baseadas no enriquecimento sem causa das elites locais que ia produzindo dívidas públicas que teriam de ser pagas pelos cidadãos comuns. Para além deste facto, as privatizações aumentaram a corrupção e não  alcançaram os objectivos propostos. Ora, elas promoveram a acumulação de capital de forma desleal e geraram um capitalismo selvagem. A corrupção que acompanhou o processo de privatização, contribuiu para o declínio da ética e dos valores morais da sociedade e para o desvio de fundos públicos para a utilização privada da elite do governo e seus aliados.

Os fundos de ajuda ao desenvolvimento disponibilizados pelas instituições financeiras internacionais, ao invés de serem aplicados em projectos que visam o desenvolvimento, foram açambarcados para fins que não estimularam a produção interna de bens de consumo e de promoção de desenvolvimento económico e social do país e, mesmo sabendo que os fundos disponibilizados para o desenvolvimento do país eram investidos em infra-estruturas contraproducentes – casas e carros de luxo – o BM e o FMI seguiam com a transferência de recursos8, alimentando a corrupção e o gangsterismo na gestão de bens públicos.

As IBW persistiam dando créditos porque, o roubo dos mesmos fundos doados não prejudica os países doadores. Os recursos desviados em esquemas corruptos nos países receptores, voltam para os países de origem depositados em contas bancarias em paraísos fiscais, de onde voltam de novo para os mesmos países pobres em forma de crédito, agravando a divida externa e criando um ciclo vicioso de dívida.

Por outro lado, a ajuda alimentar teve efeitos muito negativos em Moçambique, porque não estimulou a produção local, na medida em que os próprios doadores vinculavam as necessidades de ajuda aos interesses das suas políticas agrárias. Os produtos agrícolas que chegavam a Moçambique eram adquiridos a preços do mercado internacional subvencionado, o que fez com que a ajuda alimentar à Moçambique se tornasse em um obstáculo ao desenvolvimento da produção interna de produtos alimentares.

Entre 1989 e 1997, assistiu-se no país o surgimento e crescimento do mercado informal estimulados pela economia do mercado e no contexto das privatizações, sobretudo na fase inicial das privatizações constituindo o factor de absorção e de incremento de rendimentos dos trabalhadores assalariados. Ora, se na pós-independência assistiu-se a adopção de medidas proteccionistas para a indústria geralmente e em particular a indústria de caju, limitando a exportação de castanha em bruto e regulando os preços de comercialização através das lojas do povo e as cooperativas agrícolas, era inevitável o declínio da indústria de processamento. Contudo, a indústria de caju sofreu mais com a liberalização do mercado, visto que a exportação em bruto sem o processamento prejudicava directamente a receita da indústria de  descasque e conduziu ao encerramento da mesma, levando muitas famílias ao desespero e atirando-as ao desemprego.

Problemas do PRE

É bem sabido que o PRE tinha como sua maior pretensão a reposição do equilíbrio macroeconómico e dar mais flexibilidade e eficiência à economia nacional, em forma de correcção dos erros gerados pelo PPI. Contudo, o PRE foi também caracterizado por uma série de problemas de que a essência é a sua incapacidade de equacionar e responder aos problemas estruturais da economia moçambicana. É nesse contexto que descrevem-se os seguintes problemas (do PRE):

  1. a) Atacou mais os efeitos das crises e não as causas, as quais propunham-se a enfrentar. Ora, concentrou-se na estabilização económica, sem tomar em conta as causas do atraso económico e da instabilidade económica e os constrangimentos impostos por esse estado de economia;
  2. b) Adoptaram-se opções que requeriam mudanças mais bruscas e rápidas, visto que a realidade institucional e socioeconómica do país e as capacidades materiais da economia não se tomaram em conta, e o ritmo da mudança foi imposto pelos modelos adoptados e pela pressão dos doadores;
  3. c) Ausência de uma visão de transição e do desenvolvimento como um processo de transformação, que passa pela selecção de objectivos, prioridades, tecnologias, métodos e formas sociais que a organização da produção deve assumir, sistemas de incentivo e a organização institucional necessária e, falta de consideração aos passos necessários para a construção das condições tecnológicas, institucionais e sociais para a implementação dos modelos propostos;
  4. d) A incapacidade de seleccionar prioridades com flexibilidade e coerência e de conceber transformações estruturais necessárias na economia nacional, bem como a adopção de modelos acabados de mudanças bruscas, levou a reprodução e ao agravamento do isolamento inter e intra-sectorial. Os diferentes sectores da economia operam muito mais em ligação com o exterior do que em ligação uns com os outros, reforçando-se assim, a dependência económica e minimizando o aproveitamento do potencial económico nacional;
  5. e) Fortemente dependente da ajuda externa desde a conceptualização, implementação até a dotação de recursos. Nesse sentido, deixaram-se de fora factores como: a ajuda externa pode desencorajar e substituir a produção nacional e, exercer enorme pressão sobre a alocação dos recursos escassos na economia, gerando mais ineficiência e aumentando o défice desses recursos.

 

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