Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu numa família luterana, seus dois avós eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em seguir a carreira de pastor. Entretanto, Nietzsche rejeita a “fé” (religião/crença religiosa) durante sua adolescência, e os seus estudos de filosofia afastam-no da carreira teológica. Em 1879 seu estado de saúde obriga-o a deixar o posto de professor. Começa então uma vida errante em busca de um clima favorável tanto para sua saúde como para seu pensamento entre França e a Itália: “Não somos como aqueles que chegam a formar pensamentos senão no meio dos livros – o nosso hábito é pensar ao ar livre, andando, saltando, escalando, dançando”.

Em 1882 ele encontra Lou Andreas-Salomé, a quem pede em casamento. Ela recusa, após ter-lhe feito esperar sentimentos recíprocos. No mesmo ano, começa a escrever o Assim Falou Zaratustra. Nietzsche não cessa de escrever com um ritmo crescente. Este período termina brutalmente em 3 de Janeiro de 1889 com uma “crise de loucura” que, durando até a sua morte, coloca-o sob a tutela da sua mãe e sua irmã. No início desta loucura, Nietzsche encarna alternativamente as figuras míticas de Dionísio e Cristo, expressa em bizarras cartas, afundando depois em um silêncio quase completo até a sua morte. Uma lenda dizia que contraiu sífilis. Estudos recentes se inclinam antes para um cancro no cérebro, que eventualmente pode ter origem sifilítica. Após sua morte, sua irmã, Elisabeth Förster-Nietzsche e Peter Gast, dileto amigo do filósofo, segundo um plano de Nietzsche, datado de 17 de março de 1887, efetuaram uma coletânea de fragmentos póstumos para compor a obra conhecida como Vontade de Poder. Essa obra foi, amiúde, acusada de ser uma deturpação nazista; tal afirmação mostrou-se inverídica

Crítica da moral

A cultura ocidental e suas religiões assim como a moral judaico-cristã foram temas comuns em suas obras. Nietzsche, sem dúvida considera o Cristianismo e o Budismo como “as duas religiões da decadência”, embora ele afirme haver uma grande diferença nessas duas concepções. O budismo para Nietzsche “é cem vezes mais realista que o cristianismo”. Religiões que aspiram ao Nada, cujos valores dissolveram a mesquinhez histórica.

Não obstante, também se auto-intitula ateu: “Para mim o ateísmo não é nem uma consequência, nem mesmo um fato novo: existe comigo por instinto” (Ecce Homo, pt.II, af.1). A crítica que Nietzsche faz do idealismo metafísico focaliza as categorias do idealismo e os valores morais que o condicionam, Nietzsche pretendeu ser o grande “desmascarador” de todos os preconceitos e ilusões do gênero humano. E assim a moral tradicional, e principalmente esboçada por Kant, a religião e a política não são para ele nada mais que máscaras que escondem uma realidade inquietante e ameaçadora, cuja visão é difícil de suportar.

A moral, seja ela kantiana ou hegeliana, e até a catharsis aristotélica são caminhos mais fáceis de serem trilhados para se subtrair à plena visão autêntica da vida. Nietzsche criticou essa moral que leva à revolta dos indivíduos inferiores, das classes subalternas e escravas contra a classe superior e aristocrática que, por um lado, pela adoção dessa mesma moral, sofre de má consciência e cria a ilusão de que mandar é por si mesmo é adotar essa moral. A vida só se pode conservar e manter-se através de imbricações incessantes entre os seres vivos, através da luta entre vencidos que gostariam de sair vencedores e vencedores que podem a cada instante ser vencidos e por vezes já se consideram como tais. Neste sentido a vida é vontade de poder ou de domínio ou de potência. Vontade essa que não conhece pausas, e por isso está sempre criando novas máscaras para se esconder do apelo constante e sempre renovado da vida.

Porém as máscaras, segundo ele, tornam a vida mais suportável. Não existe vida média, segundo Nietzsche, entre aceitação da vida e renúncia. De fato, Nietzsche é contrário a qualquer tipo de igualitarismo e principalmente ao disfarçado legalismo kantiano, que atenta o bom senso através de uma lei inflexível, ou seja, o imperativo categórico: “Proceda em todas as suas ações de modo que a norma de seu proceder possa tornar-se uma lei universal”. Essas críticas se deveram à hostilidade de Nietzsche em face do racionalismo que logo refutou como pura irracionalidade. Para ele, Kant nada mais é do que um fanático da moral.

Em Nietzsche, diferentemente de Kant, o mundo não tem ordem, estrutura, forma e inteligência. Nele as coisas “dançam nos pés do acaso” e somente a arte pode transfigurar a desordem do mundo em beleza e fazer aceitável tudo aquilo que há de problemático e terrível na vida.

Na obra nietzschiana, a proclamação de uma nova moral contrapõe-se radicalmente ao anúncio utópico de uma nova humanidade. O homem libertado de qualquer vínculo, senhor de si mesmo e dos outros, o homem desprezador de qualquer verdade estabelecida ou por estabelecer e estar apto para se exprimir a vida, em todos os seus atos, era este não apenas o ideal apontado por Nietzsche para o futuro, mas a realidade que ele mesmo tentava personificar. Portanto, a realidade está na escolha consciente entre a moral superior (instinto, vontade do coração) e a moral racional (somatório de valores criados pelo homem).

Nietzsche acreditava que a base racional da moral era uma ilusão e por isso, descartou a noção de homem racional, impregnada pela utópica promessa, mais uma máscara que a razão não-autêntica impôs à vida humana. O mundo para Nietzsche não é ordem e racionalidade, mas desordem e irracionalidade. Seu princípio filosófico não era, portanto, Deus e razão, mas a vida que atua sem objetivo definido, ao acaso, e por isso se está dissolvendo e transformando-se em um constante devir. A única e verdadeira realidade sem máscaras, para Nietzsche, é a vida humana tomada e corroborada pela vivência do instante.

Nietzsche era um crítico das “idéias modernas”, da vida e da cultura moderna, do neo-nacionalismo alemão. Para ele os ideais modernos como democracia, socialismo, igualitarismo,emancipação feminina não eram senão expressões da decadência do “tipo homem”. A figura de Nietzsche foi particularmente promovida na Alemanha Nazista, tendo sua irmã, simpatizante do regime hitleriano, fomentado esta associação. Todavia, Nietzsche era explicitamente contra o movimento anti-semita, posteriormente promovido por Adolf Hitler e seus partidários. Sem dúvida, a obra de Nietzsche sobreviveu muito além da apropriação feita pelo regime nazista. Ainda hoje é um dos filósofos mais estudados e fecundos.

Niilismo

Há os que, ainda hoje, associam suas ideias ao niilismo, defendendo que para Nietzsche: “A moral não tem importância e os valores morais não têm qualquer validade, só são úteis ou inúteis consoantes a situação” e “A verdade não tem importância; verdades indubitáveis, objetivas e eternas não são reconhecíveis. A verdade é sempre subjetiva” e “Deus está morto: não existe qualquer instância superior, eterna. O Homem depende apenas de si mesmo” e “O eterno retorno do mesmo:

A história não é finalista, não há progresso nem objetivo”. Ou ainda “Se existem deuses, como poderia eu suportar não ser um deus!? Por conseguinte não há deus.” Passagem que deixa evidente que a conclusão não decorre da premissa, mas sim da pessoal inaceitação do autor a um ente superior, este è um eloquente niilismo.

Outros, entretanto, não pensam que Nietzsche seja um autor do niilismo, mas ao contrário um crítico do niilismo. Na Genealogia da moral o filósofo faz criticas abertas ao niilismo, que para ele seria uma “anseio do vazio”, uma manifestação dos seres doentes aonde se conformam e idealizam o vazio e não um verdadeiro estado de força. Além disso, para ele o homem pode ser, além de um destruidor, um criador de valores.

Tal afirmação se baseia na obra Assim falou Zaratustra, onde se faz clara a vinda do super-homem, sendo criar a finalidade do ser. Tal correspondência é totalmente contrária ao niilismo, pelo menos em princípio. Ou um “niilismo positivo”, para Heidegger. Todavia, Nietzsche procurou denunciar todas as formas de renúncia da existência e da vontade. É esta a concepção fundamental de sua obra Zaratustra: “a eterna, suprema afirmação e confirmação da vida”. O eterno retorno significa o trágico-dionisíaco dizer sim à vida, em sua plenitude e globalidade. É a afirmação incondicional da existência.

“Deus está morto”

Esta frase muito citada (“Gott ist tot” em alemão) aparece pela primeira vez em A gaia ciênciana seção 108 (Novas lutas), na seção 125 (O louco) e uma terceira vez na secção 343 (Sentido da nossa alegria). Uma outra instância da frase, e a principal responsável pela sua popularidade, aparece na principal obra de Nietzsche, Assim falava Zaratustra.

“Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste ato não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu ato mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda a história” .(A Gaia Ciência, §125)

É talvez uma das frases mais mal interpretadas de toda a filosofia. Entendê-la literalmente, como se Deus pudesse estar fisicamente morto, ou como se fosse uma referência à morte de Jesus Cristo na cruz, ou ainda como uma simples declaração de ateísmo são ideias oriundas de uma análise descontextualizada da frase, que se acha profundamente enraizada na obra nietzscheana. O dito anuncia o fim dos fundamentos transcendentais da existência, de Deus como justificativa e fonte de valoração para o mundo.

Nietzsche não se coloca como o assassino de Deus, como o tom provocador pode dar a entender: o filósofo enfatiza um acontecimento cultural, e diz “fomos nós que o matamos”.A frase não é nem uma exaltação nem uma lamentação, mas uma constatação a partir da qual Nietzsche traçará o seu projeto filosófico de superar Deus e as dicotomias assentes empreconceitos metafísicos que julgam o nosso mundo,  na opinião do filósofo, o único existente, a partir de um outro mundo superior e além deste. A morte de Deus metaforiza o facto de os homens não mais serem capazes de crer numa ordenação cósmica transcendente, o que os levaria a uma rejeição dos valores absolutos e, por fim, à descrença em quaisquer valores.

Para isso ele procurou, com o seu projecto da “transmutação dos valores”, reformular os fundamentos dos valores humanos em bases, segundo ele, mais profundas do que as crenças do cristianismo. Seria tarefa dos verdadeiros filósofos estabelecer novos valores em bases naturais e iminentes, evitando que isso aconteça. Assim, a morte de Deus abriria caminho para novas possibilidades humanas. Os homens, não mais procurando vislumbrar uma realidade sobrenatural, poderiam começar a reconhecer o valor deste mundo. Assumir a morte de Deus seria livrar-se dos pesados ídolos do passado e assumir sua liberdade, tornando-nos eles mesmos deuses. Esse mar aberto de possibilidades seria uma tal responsabilidade que, acreditava Nietzsche, muitos não estariam dispostos a enfrentá-lo. A maioria continuaria a necessitar de regras e de autoridades dizendo o que fazer, como julgar e como ler-o-mundo.

Alguns aforismos de Nietzsche

– “A filosofia é o exílio voluntário entre montanhas geladas.” – “O amor é o estado no qual os homens têm mais probabilidades de ver as coisas tal como elas não são.”- “Deus está morto. Viva Perigosamente. Qual o melhor remédio? – Vitória!”- “Há homens que já nascem póstumos.” – “O Evangelho morreu na cruz.” – “A diferença fundamental entre as duas religiões da decadência: o budismo não promete, mas assegura.

O cristianismo promete tudo, mas não cumpre nada.” – “O cristianismo foi, até o momento, a maior desgraça da humanidade, por ter desprezado o Corpo.” – “A fé é querer ignorar tudo aquilo que é verdade.” – “As convicções são cárceres.” – “Aquilo que não me destrói fortalece-me” – “Sem música, a vida seria um erro.” – “A moralidade é o instinto do rebanho no indivíduo.” – “Em qualquer lugar onde encontro uma criatura viva, encontro desejo de poder.” – “Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos.” – “Se minhas loucuras tivessem explicações, não seriam loucuras.” – “Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.” – “Deus está morto mas o seu cadáver permanece insepulto.” – “Será o Homem um erro de Deus, ou Deus um erro dos Homens?”