Tomando-se inicialmente o primeiro, em sua obra Segundo Tratado Sobre o Governo (2005): neste livro, Locke vai expor suas ideias sobre o estado de natureza, a formação e condução do corpo político. Para Locke, o homem nasceu sob o “estado natural” ou “de natureza”: não existia poder comum ou lei estabelecida, exceto a lei natural, que é a razão humana.

John Locke

O estado natural tem uma lei de natureza para governá-lo, que a todos obriga; e a razão, que é essa lei, ensina a todos os homens que a consultem, por serem iguais e independentes, que nenhum deles deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas posses.

Além disso, é preciso que existam executores para essa lei da natureza. E eles existem: os próprios homens. Cada indivíduo tem o direito de castigar o ofensor da lei – buscando assim a preservação própria e/ou a de outro, se for o caso – e de buscar reparação para os danos que forem causados por esta ofensa.

No estado de natureza imaginado por Locke, o direito de propriedade existe e tem um fundamento lógico: sendo o indivíduo senhor de seu corpo, é, logicamente, igualmente proprietário dos frutos de seu trabalho. Ao modificar a natureza, um bem que é comum a todos, pelo trabalho de seu corpo, é direito do homem a propriedade sobre aquilo que modificou: seja uma maçã que ele apanhou do pé, seja um animal que ele caçou, seja um pedaço de terra que ele preparou e plantou. Esta mesma lei também regulamenta e limita a propriedade: o homem só tem direito sobre aquilo que pode usufruir. Se alguém colher muitas frutas – além das necessárias à sua sobrevivência – e elas se estragarem, este homem deve ser punido, porque o excedente ultrapassou a parte que lhe cabia e pertencia, assim, aos outros.

Ainda que Locke afirme que a lei da natureza permite uma vivência “perfeita” para os homens, ela não dispõe de mecanismos para resolver controvérsias (um juiz reconhecido por todos, por exemplo); não tem um poder maior que efetive a sentença, quando esta for justa. Além disso tudo, há outro motivo:

Se, como disse, o homem no estado de natureza é tão livre, dono e senhor da sua própria pessoa e de suas posses e a ninguém sujeito, por que abriria mão dessa liberdade, por que abdicaria ao seu império para se sujeitar ao domínio e controle de outro poder?A resposta óbvia é que, embora o estado de natureza lhe dê tais direitos, sua fruição é muito incerta e constantemente sujeita a invasões porque, sendo os outros tão reis quanto ele, todos iguais a ele, e na sua maioria pouco observadores da eqüidade e da justiça, o desfrute da propriedade que possui nessa condição é muito insegura e arriscada. Tais circunstâncias forçam o homem a abandonar uma condição que, embora livre, atemoriza e é cheia de perigos constantes.

Os homens, visando à fundação de um corpo político e a criação do estado civil ou de sociedade, precisariam, de acordo com Locke, abdicar de parte de seu poder original em favor da regulamentação dos poderes da sociedade. No estado de natureza, eram direitos do homem, como já referidos, agir em favor da preservação própria ou de outro e de buscar reparação pelas injúrias recebidas. No estado de sociedade, os homens abdicam desses dois poderes em favor do poder legislativo (que estabelece a utilização da força para a preservação dos membros da comunidade, por meio das leis, e que, portanto, é o poder supremo daquela) e do poder executivo, que é responsável por executar as leis em vigor e, consequentemente, punir os infratores.

Essas são as contribuições principais do pensamento de Locke para o Liberalismo: a ideia de indivíduo pré-social, pré-político e livre para unir-se a outros em um pacto, que definiria um poder superior e comum, respeitado por todos. Esse poder, derivado da vontade da maioria, seria o poder legislativo de cada sociedade, cujo objetivo seria a preservação de cada membro, da liberdade e da propriedade. Além disso, em Locke o indivíduo efetiva-se por si só, mesmo no estado de natureza: ele é livre, capaz de efetivar suas propriedades a partir de seu trabalho.

Para Locke, o poder legislativo poderia ser delegado pelo povo a alguns homens, de modo que estes desenvolvam as atividades pertinentes, mas sem a pretensão de governarem por meio de decretos arbitrários ou de buscarem outro fim que não o bem geral. O autor ainda ressalta que o povo pode, se os legisladores não estiverem agradando, trocá-los e até modificar a forma de organização deste poder. Desse modo, a comunidade configurar-se-ia como o verdadeiro poder supremo, embora este só se manifestasse quando o governo fosse destituído ou modificado.

Essas colocações nos permitem vislumbrar uma forma primeira (para não dizer “primitiva”, termo carregado de conotações pejorativas) de democracia representativa: a comunidade, por meio da escolha da maioria, elegeria representantes para atuarem como legisladores. Estes poderiam, contudo, ser destituídos e o próprio modelo do poder legislativo poderia ser transformado de acordo com os interesses da comunidade. Além disso, seria também delegado um poder executivo, para fazer valer as leis. Este poder executivo, sendo subordinado ao poder legislativo, estaria, em última instância, igualmente dependente da comunidade, tal como nas democracias representativas que conhecemos.

Se as contribuições de Locke para o liberalismo parecem ser maiores do que para a democracia, ao falar de Rousseau temos exatamente a impressão contrária. Partindo dos mesmos pressupostos do autor inglês, Rousseau também fala do estado de natureza e do pacto social, que chama de “contrato social”. Contudo, ele é muito menos “individualista” do que Locke, o que faz com que alguns lhe classifiquem de “antiliberal”.