A desfavorecer a vida urbana estavam as formas de organização política que sucederam o centralizado Império Romano. Eram ineficientes no controle do território e na manutenção da unidade, que era mais formal do que real, como no caso do domínio carolíngeo. Entretanto, o maior problema para a continuidade da vida urbana era a incapacidade da agricultura de gerar excedentes suficientes.

Em realidade, a crise de abastecimento já vinha se agravando desde o fim do domínio de Roma, e sua explicação não se dava unicamente em decorrência da baixa disponibilidade de servos para lavrar a terra. O padrão precedente de organização da produção agrícola, baseado na escravidão, já demonstrara muito antes o seu esgotamento. Ainda mesmo durante o Império Romano, em decorrência do absenteísmo dos proprietários e das revoltas escravas, o modelo da grande propriedade utilizadora do trabalho compulsório agonizava.

O desaparecimento do modelo de produção agrícola baseado no trabalho compulsório – inicialmente escravo e posteriormente servo e cuja falência já se tornara evidente nos últimos séculos do Império Romano – se dá, entretanto, muito lentamente, o que só fazia agravar as condições de abastecimento da população urbanizada. Somente no Século XII é que se generalizaria a ideia de que a escravidão era não-ética, não-lucrativa e desnecessária.

Contudo, não se pode atribuir, exclusivamente, às relações de trabalho a crise mais geral que se abate sobre a agricultura nos primeiros séculos da Idade Média. Concomitantemente ao problema do absenteísmo e da falta de escravos e de servos, ocorria a falência do paradigma agronómico até então dominante. O conhecimento em ciências agrárias do mundo clássico não oferecia soluções para o esgotamento das terras e o trabalho compulsório e não pago bloqueava a emergência de inovações técnicas poupadoras de força de trabalho.

O estado da arte na agricultura referia-se ao conhecimento sobre cultivo dos solos leves que circundam o Mediterrâneo, os quais já apresentavam um claro quadro de baixa fertilidade no fim do Império Romano. De outra parte, não havia se consolidado ainda qualquer teoria sobre como cultivar os solos pesados que se distribuem do norte da Itália em direção ao norte da Europa.

O esvaziamento das cidades e a incapacidade dos governantes de manter uma organização política centralizada, sobretudo depois do declínio da monarquia carolíngia, tinham como causa principal, portanto, a crise da agricultura, crise esta cuja superação só se daria com mudanças estruturais. Estas deveriam englobar a descentralização política e econômica, a recontratualização das relações de produção e a adoção de um novo paradigma de organização da produção agrícola, o qual, mesmo sendo uma imposição histórica, dependia de interações que se dessem entre a base material da sociedade (a infra-estrutura) e a base das idéias e mentalidades (a superestrutura), as quais não tinham um momento certo para acontecer, condicionando-se ao percurso histórico de cada região.

O novo contrato implicaria que a nobreza, detentora do domínio das terras, aceitasse, a título de estímulo à produção, a apropriação por produtores diretos de parte do excedente gerado e que incentivasse os camponeses a adotar inovações tecnológicas.

Estas bases terminaram por condicionar a gênese do sistema de produção familiar medieval na Europa Feudal, o qual nasce associando inovações instituídas nas relações de trabalho – as quais objetivavam superar a crise de abastecimento – com a incorporação de alguns legados em termos de agricultura familiar, que pré-existiam em convívio com o latifúndio escravista. Entre estes legados estava a divisão da superfície agricultável da terra, principalmente no centro e no norte da Itália, em esta herança do Império Romano limitava a concentração de terra e ensejava o aparecimento de imóveis menores, entre eles a propriedade ‘quiritária’, de natureza familiar e com um nexo de continuidade evolutiva com o que seria a propriedade alodial da Idade Média. Esta última, por se encontrar desonerada, seria aquela que viabilizaria e generalizaria a produção camponesa independente.

A agricultura medieval passa a se estruturar a partir das mudanças em três tipos de domínio fundiário que, por sua vez, ensejavam três tipos de sistema de produção: 1) as terras de uso do senhor feudal; 2) as terras de uso comunal mas de posse legitimada pelo senhor feudal; e 3) as terras dos camponeses, oneradas ou não por corvéias e rendas e herdadas pelo senhor feudal. Além destes três tipos, os camponeses detinham uma pequena área cercada, próxima à residência, destinada ao cultivo de frutas e legumes. Na terra do senhor desenvolvia-se uma agricultura em escala maior, na qual trabalhavam os servos e, posteriormente, os assalariados, que não possuíam parcelas.

Neste caso, toda a produção dela resultante era do senhor feudal, que cuidava da alimentação e das necessidades dos produtores. As terras de uso comunal eram pradarias, pântanos e florestas, onde os aldeões mantinham seus animais para se proverem de lã, carne, leite ou força animal convertida em trabalho para tracionar arados e carroças. Destas terras retiravam turfa e madeira para suas necessidades energéticas e artesanais.

As terras do camponeses eram destinadas às lavouras, onde se praticava, basicamente, a ceralicultura. Nestas, em face do seu parcelamento que decorria da necessidade de dotar cada família com iguais condições em área e fertilidade, o trabalho de arroteamento do solo era coordenado e muitas vezes coletivo, estabelecendo-se a individualidade da posse através de cercas e limites quando os cereais começavam a crescer.

A inviabilização do latifúndio fechado – tanto pela ausência de um comércio regional como pela falência do modelo de organização da produção agrícola – determinou que, progressivamente, tanto nos domínios laicos como nos eclesiásticos, se ampliasse o sistema de uso da terra tipicamente doméstico, dependente do tamanho e composição da família e da coordenação de suas necessidades de consumo, com um conceito próprio de lucro.

Este sistema – que na falta de melhor conceituação ensejou uma sociedade definida por negação: não tribal e não industrial – malgrado as diferenças de região para região na Europa, estava firmemente amparado no direito consuetudinário de acesso à terra que veio se consolidando nos poros e brechas deixados pela ocupação latifundiária do solo, baseada na escravidão e na servidão.

Mesmo sofrendo modificações com o tempo, o modelo, manteve seus traços fundamentais até desaparecer por força de amplas transformações que, no âmbito da política e da economia, resultaram da Revolução Francesa e da Revolução Industrial.

Mudanças no “estado da arte”da agrilcutura familiar medieval

A agricultura familiar medieval revela-se mais dinâmica que os outros sistemas na capacidade de incorporar ensinamentos que começam a aparecer entre os séculos VI e VII, relacionados com o cultivo em solos pesados localizados nas vizinhanças dos grandes rios da planície Padana. Estes ensinamentos não se restringiam ao uso do novo arado munido de roda, tracionado por cavalos e com capacidade de realizar subsolagem e que foi levado para a Itália pelos conquistadores germânicos.

Iam além e resultavam de técnicas que vinham sendo testadas e aplicadas nas terras incorporadas à fronteira agrícola pelas imponentes obras hidráulicas – tipo cortes de canais, desvio de rios, etc., realizadas pelas comunidades das aldeias italianas – as quais possibilitaram ampliar os terrenos irrigados e drenados. Seus pressupostos significavam uma verdadeira revolução no pensamento agronômico e colocaram em causa as teorias de Columella e outras obras que representavam o estado da arte da agricultura dos primeiros séculos da Idade Média. Entre elas estavam (MANTOUX, 1988):

1) a escrita por um grupo de pensadores bizantinos (Anatólio, Diofane, Didimo, Africano e Tarentino);

2) a , de autoria de Rutilio Tauro Palladio; e

3) o “livro do mister do agricultor”, escrito por Al Awan – agrônomo árabe residente em Sevilha, na Espanha, que amplia o elenco de espécies tratadas por Columella e incorpora considerações sobre outras regiões como a bacia do Mediterrâneo.

Na realidade, embora as técnicas desenvolvidas na planície Padana não constituíssem um conhecimento obtido por experiências especialmente designadas para responder a uma questão específica, o que viria acontecer bem depois, eram experiências obtidas do mundo natural, do concreto, derivadas do uso do senso comum e realizadas com auxílio de instrumentos.

Tratava-se de um conhecimento fundamentado na experiência e que não necessitava de qualquer respaldo em visões cosmológicas e questões de fé, mas sim em leis da matemática e da natureza, como defendiam os filósofos Roger Bacon e Alberto Magno.

Os primeiros incrementos de produtividade obtidos graças à adoção destas inovações adaptadas aos solos pesados levaram os agricultores a novas experiências em termos de intensificação do cultivo, rotação de culturas (por meio de um método conhecido como o de três folhas, no qual, pelo menos, um terço da área cultivada permanecia em descanso e os outros dois terços destinavam-se aos plantios de primavera e outono), seleção de cultivares, reciclagem de nutrientes, além de outras práticas, promovendo uma progressiva melhoria do padrão técnico, uma vez que a observação e a experiência passaram a fazer parte da conduta dos mesmos em toda a planície Padana.

Como resultado desta elevação do padrão técnico, preceitos de conservação dos solos mais rigorosos passaram a ser seguidos, garantindo um certo equilíbrio entre as retiradas e as incorporações de nutrientes da terra. A reposição dos nutrientes se dava por meio da utilização de restos das lavouras, do uso de “camas“ de estábulos e de esterco puro e do emprego de cinza.

Graças à difusão destas técnicas no resto da Europa, ainda na baixa Idade Média, a produção dos produtores diretos com acesso à terra passou a ser regular, apresentando uma certa diversidade, inclusive pela associação com o artesanato domiciliar. A vida camponesa neste período é descrita pelos poetas bucólicos como simples mas suportável, em que pesem os censos, que confiscavam parte dos excedentes, e a corvéia, que significava um resíduo de trabalho compulsório.

Há referências de que, apesar de habitarem em construções rústicas e de se vestirem com tecido toscos, os camponeses medievais comiam carne e bebiam vinho pelo menos três vezes por semana e alimentavam-se de cereais e leite nos demais. Para o conjunto da Europa, autores como

Se referem a esta era como sendo menos conflituosa e mais estável na relação produtor direto/proprietário dos domínios, em que pesem as contradições imanentes à mesma. Isto se explica, em parte, porque neste período a nobreza não tinha ainda sido agregada à corte – quando a extração de excedentes através dos censos se torna insuportável – e, em parte, porque o “estado da arte” do conhecimento agronômico, que se propagava da Península Itálica para todo o continente, induzia à adoção de práticas regeneradoras dos recursos naturais, conferindo sustentabilidade à agricultura medieval de base familiar.

O sistema de agricultura familiar medieval da planície Padana continuou evoluindo e seu progresso foi amplamente tratado no Século XIV por Piero de Crescenzi em retratava um conhecimento agronômico através da visão de um observador privilegiado que a condição de Juiz de Bolonha permitia a Crescenzi.

Nela havia um relato, em doze volumes, com riqueza de detalhes sobre a tecnologia empregada na agricultura. Com uma forma de , pretendia apresentar o conhecimento como definitivo e compatível com a visão cosmológica de Aristóteles. A retratou o que, àquela época, foi a agricultura mais avançada em todo o mundo, e que se desenvolvia ao norte da Toscana e na planície

Padana, fundamentada em princípios que levavam em conta a possibilidade de uso intensivo do solo com base na irrigação, na fertilização e manejo de conservação, técnicas que vinham sendo constantemente aperfeiçoadas. Contava a o sucesso daquela agricultura em manter sua sustentabilidade, a reprodução do campesinato e ainda permitir a geração de excedentes cada vez maiores, destinados à alimentação da população não agrícola, a qual progressivamente passava a residir nas cidades que voltaram a crescer a partir do Século XI.

Este quadro de prosperidade e de estabilidade da agricultura familiar medieval perdurou enquanto as atividades comerciais mantiveram-se em níveis baixos por força do bloqueio imposto pelos povos árabes no Mediterrâneo. Na medida em que as guerras das Cruzadas tiveram êxito em reabrir o Mediterrâneo, ocorreu um ressurgimento do comércio na Península Itálica, que logo se propagou ao norte dos Alpes.

Com ele veio o crescimento das cidades e as pressões sobre os agricultores para que aumentassem geometricamente a oferta de alimentos, ameaçando os fundamentos desse sistema. Não obstante a agricultura familiar medieval viesse se revelar mais tarde incapaz de dar conta das exigências crescentes do mercantilismo e da industrialização – o que exigiu novas mudanças técnicas e institucionais – foi a mesma o grande sustentáculo do ressurgimento da vida civil na Europa.

Expansão urbana, desorganização da agricultura familiar medieval e a emergência das relações capitalistas no campo

O renascimento do comércio influenciou significativamente a vida nas cidades que, progressivamente, começaram a associar a função de centros politico-administrativos com a de sistemas urbanos de porte, nos quais se localizavam as feiras, os entrepostos comerciais, os armazéns, as guildas, as manufacturas precursoras da indústria, os bancos, e outros equipamentos urbanos.

Ao mesmo tempo que assumia novos papéis, a cidade adquire formas geométricas mais abertas, possibilitando trocas mais funcionais com o meio rural e o surgimento de novas relações de produção entre os vilões – comerciantes urbanos que diferenciavam-se pelo comércio e pelas finanças e que adquiriam terras (senhorias) – e os camponeses. Estas novas relações envolviam a parceria e o risco comum e afastavam-se da servidão e da Por volta do Século XI as cidades já abrigavam uma numerosa classe de comerciantes, originalmente vilões sem terra que, ao longo do tempo, vinham adquirindo direitos cada vez mais compatíveis com as atividades que exerciam.

A fisionomia das cidades se modificava com expansões que tinham como função primordial abrigar esta nova classe emergente, os “burgos”, e suas tendas, bodegas, etc., passando a exigir um novo desenho urbano e um novo posicionamento das muralhas e dos fossos de proteção. Surgia assim os “farisburgos” ou áreas urbanas periféricas nas quais se concentrava o comércio e onde emergia um artesanato superior ao familiar da aldeia e ao dos gineceus. As transformações econômicas por que passavam as cidades terminaram por refletir na ordem política. Uma cidade ampliada não podia ser dirigida pela autoridade tradicional, mas sim por organismos que fossem representantes dos vários grupos sociais, com interesses convergentes.

Assim, dava-se no norte e no centro da Península Itálica o surgimento das cidades-Estado, e das comunas, com sua autonomia em relação aos soberanos e com seus primeiros parlamentos, anunciando novos elementos de organização de sistemas políticos que iriam se consolidar alguns séculos mais tarde em grande parte da Europa Ocidental.

À medida que evoluíam as necessidades das cidades, tanto no que se refere a alimentos como a matérias-primas, novas formas de organização da produção agrícola eram experimentadas.

Por volta do Século XII a Igreja Católica, através das abadias, iniciava a promoção da organização da produção em grandes parcelas, com o pagamento dos trabalhadores em espécie e em moeda. A Ordem Cisterciense foi pioneira na introdução deste sistema.

É ainda nesse século que se dá o surgimento e evolução de uma nova relação de produção entre o servo e o senhor feudal, nas terras de uso do senhor. Esta nova relação já não estava assentada na servidão. Generalizava-se, também, neste caso não mais na Itália mas em toda a Europa, a prática de liberar das obrigações da servidão o camponês que realizasse melhoramentos significativos na terra, mantendo-se porém o pagamento da renda, que poderia assumir a forma de produto agrícola, de trabalho ou de moeda.

Os direitos deste camponês empreendedor – que se estabelecia em áreas consideradas não essenciais pelo senhor feudal, criando uma “cidade nova” como eram chamados estes assentamentos – assemelhavam-se mais aos dos “burgos“ que aos do servo. Tinha-se, assim, mais uma força concorrendo para a dissolução da servidão em todo o Ocidente.

Fatos como este, aliados à intensificação do comércio entre os burgos e os camponeses com nítidos proveitos para ambas as classes, revelavam brechas dentro da ordem feudal e constituíram novidades que nem sempre foram aceitas sem reação por parte da classe senhorial. Enquanto a produção camponesa independente se mantinha estável mesmo com a crescente demanda por alimentos decorrente da expansão urbana, verificava-se uma acentuada redução dos rendimentos físicos das terras senhoriais, cuja causa era o absenteísmo e uma gestão de qualidade inferior.

Diante disto, os senhores feudais passaram a pretender uma elevação do pagamento da renda nas terras submetidas a obrigações, o que significava maior renúncia do produtor ao que ele próprio produzia. Estas exigências resultaram em resistências dos camponeses, nem sempre pacíficas. Algumas delas desencadearam revoltas que só foram debeladas com apoio do poder central. Estes movimentos marcaram o início de uma transformação muito nítida na natureza da relação camponês-proprietário, com este último deixando de ser senhor feudal para se metamorfosear em latifundiário empreendedor, “landlord”, como se convencionou denominar na Inglaterra, categoria empenhada em ampliar e modernizar as áreas de produção sob o seu comando, o que significava aceitar o risco do negócio agrícola e realizar adiantamentos e investimentos para ampliar a área cultivada e preservar a sua fertilidade.

Em outras palavras significava uma metamorfose – ainda que incompleta, pois não se colocava o uso do trabalho assalariado – em direção à modernização do latifúndio e, no limite, à sua transformação em empresa, movimento exemplarmente realizado por uma parte da aristocracia inglesa, à frente da qual estava a dinastia de Hanover.

Um pouco antes desta desta época, também tinha início na Europa continental o arrendamento de grandes extensões de terra a comerciantes que passavam a empregar trabalho assalariado. Era o surgimento do capitalismo, de início coexistindo com o feudalismo ainda hegemônico, mas já dando mostras de que não haveria limites para sua expansão.

A produção capitalista na agricultura para se difundir, necessitava, entretanto, de duas pré-condições: 1) a convicção de que o trabalho remunerado era bem mais produtivo que aqueles obtidos pela coerção extraeconômica; e 2) a disponibilidade de força-de-trabalho livre, no sentido de estar dissociada da posse da terra. Como nem sempre estas condições estavam presentes, as mudanças seguiam o seu curso de formas as mais inesperadas.

A rigidez da “velha ordem”, sua falta de flexibilidade ante o fortalecimento do mercantilismo e a forma como os senhores reagiam ao incremento da demanda de alimentos por parte das cidades, elevando a extração de excedentes, deram início ao êxodo dos servos e outras formas de resistência passiva dos camponeses, mas também a revoltas violentas. Estavam dadas, então, as condições para desorganização da agricultura familiar medieval e com ela do modo de produção feudal.

As transformações evoluíram na direção do afrouxamento das obrigações feudais, de um lado, e, de outro, no sentido da difusão da grande produção agropecuária com trabalho remunerado, como alternativa à agricultura familiar. Entretanto, estes processos tinham como contrapartida a redução da área das terras comunais. Os bosques e pradarias deixavam de ser de uso comunal para se converterem em áreas de reserva e de expansão da produção em grande escala, fosse ela gerenciada pelos próprios senhores feudais ou conduzida por arrendatários, originalmente comerciantes.

Com a proibição do uso dos bosques para retirada de lenha e das pradarias como pastagem, a comunidade viu-se, como já se fez referência, desprovida daqueles segmentos do sistema agrícola, que possibilitavam ao camponês reproduzir-se em equilíbrio com a natureza. Com menor dotação de recursos naturais por habitante e sem segmentos com funcionalidade inequívoca na manutenção da reprodutibilidade em equilíbrio, o sistema se desorganiza.

Não mais dispondo de madeira para construção de casas, estábulos, cercas e para o uso doméstico, não mais desfrutando das pastagens comuns – tão fundamentais à produção de leite, lã e carne como para alimentação dos animais de tração e transporte – a vida do camponês medieval se inviabilizou nos padrões tradicionais. Desapareciam, assim, as bases materiais do sistema familiar medieval, equilibrado na relação homem/recursos naturais, caracterizado e enaltecido pela sua sustentabilidade.

O modo de vida camponês se inviabiliza com a redução das áreas de reserva e a intensificação do uso do solo, o que impedia a reposição de nutrientes a taxas historicamente observadas. Apresentava sinais de desaparecimento uma agricultura que havia se organizado racionalmente em quase toda a Europa Ocidental após o Século VI e cuja continuidade – em condições de absorção seletiva de novos conhecimentos científicos e de novas tecnologias – poderia ensejar, a partir do Século XVIII, um modelo de produção familiar que combinasse a eficiência em termos de geração de excedente com a sustentabilidade.

Os fundamentos do sistema familiar medieval começaram a ruir a partir do momento em que a continuada pressão sobre seus excedentes – determinada pela expansão acelerada das cidades e pela queda do rendimento das terras senhoriais – levaram à inviabilidade a produção camponesa, impelindo seus agentes produtivos ao sobretrabalho e à intensificação da agricultura, sem os requisitos da fertilização química, que somente viria a ocorrer cerca de dois séculos depois. Quando do início do Século XVIII, praticamente pouco restava da genuína agricultura familiar feudal. Mais para o fim do século, os ventos da Revolução Francesa viriam sepultar o que restava nos países da Europa Ocidental em termos de instituições e direitos do feudalismo.

Quando surgem as grandes transformações econômicas provocadas pelo aparecimento da manufatura e da maquinaria, nos campos da Inglaterra predominavam ainda dois tipos de estabelecimentos agrícolas: a) a grande propriedade dos “landlords” originárias tanto da herança como da compra; e b) a pequena produção camponesa, que sobrevivera graças a permanência em terras não contestadas. Entretanto, a sustentabilidade desta última já não era a mesma e em nada se aproximava daquela observada nos séculos XII, XIII, XIV e XV.

O sistema de produção feudal

O sistema de produção feudal era caracterizado pelo emprego da técnica de rotação de culturas.

Ao falarmos sobre a produção agrícola no mundo feudal, logo nos lembramos que o trabalho nas terras buscava o atendimento de necessidades básicas. Ao contrário de outros tempos, a agricultura medieval apresentava um desempenho produtivo baixo que limitava a ocorrência das trocas naturais e do comércio.

Em geral, essa característica subsistente é relacionada à má qualidade das sementes utilizadas e a limitação dos instrumentos e técnicas da época.

Apesar da relevância desses fatores, devemos levar em conta que os camponeses medievais também empregavam o sistema de rotação de culturas. Nesta técnica, um lote de terras cultiváveis era dividido em três porções equivalentes. Nas duas primeiras, o servo estabelecia a plantação de duas culturas distintas. Já o lote restante não era aproveitado para que, assim, o lote de terras não fosse completamente desgastado.

No ano seguinte, um terreno que foi cultivado é colocado em descanso. O campo que continua a ser explorado troca de cultura, e o campo que esteve em repouso recebe a plantação do lote que agora está descansando. No terceiro ano, o terreno que ainda não descansou não é usado e os outros dois lotes recebem uma plantação distinta da que fora empregada no segundo ano. Dessa forma, percebemos que um terço das terras era excluído da colheita de todos os anos.

 

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