Decolonising the mind versus logical syntax of language[1]

 

A publicação de Logical Syntax of Language data nos meados da década de 30 do século passado (entre 1933 – 1937)[2]. A simples menção deste período basta para descrever o momento privilegiado, outrora tortuoso em que se encontrara Rudolf Carnap[3] ao tentar arquitectar um sistema filosófico baseado na análise lógico-sintáctica da linguagem.

 

 VEJA AQUI: https://educacao.uol.com.br/biografias/rudolf-carnap.htm

 

Até a década de 1930, a nova lógica, iniciada por Frege e Russell (que, aliás reformou a visão tradicional da filosofia), apesar de apresentar e requisitar exaustiva análise conceptual, mostrava-se razoavelmente à prova de contradições, o que alargou o optimismo por parte dos “senhores” na vanguarda do projecto. Mas a publicação de teorema de incompletude de Gödel, assumiu segundo Tranjan (2005: 7) a peça fundamental da reviravolta, exigindo que se colocasse todo o trabalho desenvolvido até então sob novo panorama, diga-se, perturbador para os pensadores habituados em considerar a lógica formal como a base do edifício teórico. Exigia-se, doravante, posições filosóficas renovadas em contraste às anteriores.

 

É neste breve itinerário histórico que podemos inserir Rudolf Carnap e o seu Logical Syntaxe of Language, pois além de Gödel e Tarski que impulsionaram a lógica para as novas direções, Carnap foi como testemunha Pizzutti (2008: 41)

“...o pensador que mais lucidamente e com maior conhecimento de causa, tentou extrair-lhe conclusões filosóficas”.

 

Tendo dito isto, vamos em breves linhas apresentar um arsenal teórico sobre os fundamentos do ambicioso projecto sintáctico e, como este ponto de vista foi superado pela proposta semântica de Tarski, posto que, o próprio Carnap não tarda em rejeitar as opiniões levantadas nesta obra, sobretudo na publicação de Introduction to Semantics, onde ele adopta uma concepção semântica da Lógica e da fundamentação da Matemática. Não obstante a esse equívoco, não se encerra a questão, o livro merece atenção, pois como sublinha Pizzutti e Liston (2019: 189) trata de forma sem igual os problemas-chave colocados até hoje pela lógica e pela matemática.

 

O trabalho buscará examinar alguns dos principais aspectos do projecto lógico-filosófico e linguístico exposto em Sintaxe Lógica da Linguagem (SLL). Mais especificamente, concentraremos nossa atenção em combinar o princípio de tolerância lógica que se revela amplamente prevalente e a teoria da descolonização mental de Ngũngĩ wa Thiong’o.[4]

 

Em SLL, Carnap propõe para a filosofia uma linguagem sintáctica. Esta colocação permite-nos resumir o plano geral da obra nos seguintes termos: demonstrar a toda uma possibilidade de substituir os problemas estudados pela filosofia pela análise sintáctica da linguagem. Para melhor compreensão da proposta da redução da filosofia em sintaxe lógica da linguagem, é necessário considerar o conceito de sintaxe lógica. Segundo Carnap, a sintaxe lógica é

The formal theory of the linguistics forms of that language – the systematic statement of the formal rules which govern it together with the development of the consequence which follow from these rules[5] (CARNAP, 2001: 1).

 

Gödel, chamou esse projecto de “programa sintáctico” ao qual Carnap (ibidem) acrescenta que tudo o que é dito ser formal, não faz referência nem ao significado dos símbolos, nem ao sentido das expressões, mas se refere somente aos tipos e ordens dos símbolos a partir dos quais as expressões são construídas. Aqui, a noção da linguagem formal é central, dado que o “programa sintáctico” pretende o estudo dos mecanismos formais que determinam e caracterizam certas linguagens – as ditas formais.

 

Por essa via, substituir a filosofia é, evidentemente, “...substituir a filosofia pelo estudo sistemático e abrangente dessas linguagens formais, assim como de sua relação com a ciência...” (TRANJAN, 2009: 145). Diga e reconheça-se de passagem, que a ideia de substituir a filosofia pela simples análise sintáctica é suspeita e com indícios de fracasso devido a própria ambição; é, pois, uma redução grande demais. Mas, ela, a ideia, parece menos enigmática ao atender que:

The logical of science (...) is nothing else than the syntax of the language of Science[6] (CARNAP, 2001: 8).

 

Portanto, para o autor, a lógica é - sintaxe e a filosofia é - logica da ciência. Este último facto é evidente em: “To share this view is to substitute logical syntaxe for philosophy[7] (Ibidem). Esta redução discutida na secção sobre “Philosophy replaced by logic of Science”, Carnap escreve: “According to this view, then, once philosophy is purified of all unscientific elements, only the logic of science remain[8] (Idem, p. 279). Esmiuçando esta colocação, podemos dizer: uma vez expurgada de tudo o que é vazio e carente de sentido, a filosofia ficaria resumida em lógica da ciência [9]

 

Considerando a sintaxe lógica de uma linguagem, um sistema de regras formais sobre tal linguagem, pressupomos que a sua construção devia ser mediante a observação de algumas regras. No entanto, Carnap discorda. Segundo o autor, nós temos “total” liberdade para construir nossas formas de linguagens. Tanto as regras de formação, quanto as de transformação devem ser escolhidas de forma arbitrária num ponto de vista que o autor chamou de princípio de tolerância, desenvolvido nos seguintes termos:

In logic, there are no morals. Everyone is at liberty to build up his own logic, i.e. his own form of language, as he wishes. All that is required of him is that, if he wishes to discuss it, he must state his methods clearly, and give syntactical rules instead of philosophical arguments[10] (CARNAP, 2001: 52).

 

Por esta via, Carnap rejeita qualquer ideia de verdade absoluta em matéria da lógica, pois não estabelece proibições. É neste âmbito de abordagens que nos interessa discutir a ideia de descolonização mental, pois em contraposição aos sistemas lógicos tradicionais (atômicos), Carnap apresenta uma proposta mais pragmática, não “colonial” – na linguagem da filosofia trans-moderna, ou melhor, que não “encobre” outras abordagens, ditas não modernizadas. Mas como diz Pizzutti (2019: 131) no princípio de tolerância lógica, Carnap comete um contrassenso ao estabelecer algumas condições para a construção das regras de sintaxe lógica para a linguagem – sintaxe I.

 

Ora, vejamos: a linguagem sintaxe é o sistema onde se desenvolve a sintaxe de uma linguagem, por outro lado, a mesma linguagem sintaxe diz respeito a uma outra linguagem – linguagem objecto. Carnap (2001: 3) propõe-se a construir duas linguagens-sintaxe, nomeadamente: linguagem I e Linguagem II, e estabelece regras para a sua construção. Para a primeira, as regras devem ser finitárias, e para a segunda infinitárias.

 

É neste ponto que Pizzutti acusa Carnap de contrassenso, negando que haja “total” liberdade na construção das regras sintácticas, pois há obviamente certas condições. Neste sentido, a liberdade não é total como pretendera Carnap, mas relativa.

 

O contrassenso estabelece-se na linguagem-sintaxe devido ao modo de articular as regras de uma linguagem sem recorrer a uma metalinguagem, pois isso implicaria uma terceira metalinguagem para explicar a sintaxe daquela metalinguagem e assim sucessivamente até ao infinito. Eis que, Carnap rejeita essas metamorfoses e tenta elaborar a linguagem I exprimindo sua sintaxe dentro dela mesma, ignorando até os resultados dos teoremas de incompletude de Gödel, alegando a impossibilidade de contradições, pois esta linguagem revela-se para o autor suficientemente rica em seus modos de expressão, sendo este o segundo contrassenso, pois sustenta que:

 

“...in I – and likewise in every sufficiently rich language – there are logical senteces that are irresoluble[11] (Idem, p. 29). A sintaxe lógica trata da linguagem enquanto cálculo, limitando-se a aspectos formais da linguagem, ignorando questões ligadas ao conteúdo da linguagem, aspectos psicológicos, pese embora reconheça Carnap (2001: 5) que a linguagem vai além do cálculo.

2. O estatuto epistemológico da descolonização mental face à vigência do princípio de tolerância logica

A partir das conclusões do título anterior, acusamos o princípio de tolerância lógica de ser pragmático. Aliás, é considerado como um dos primeiros indícios do pragmatismo epistemológico, portanto susceptível ao intercâmbio com outros modus cogitandi – descolonização mental. Ela, busca o que Castiano (20113) para os saberes locais chamou de “A busca pela intersubjectivação”, mas neste caso – o de estatuto epistemológico das línguas africanas, wa Thiong’o chama da “busca para relevância”, que se anuncia nos seguintes termos:

... in this search for a liberting perpective within which to see ouselves clearly in relationship to ouselves and to other selves in the universe[12] (1981: 121).

 

Note-se que a questão de preservação do “folclore” africano por via do que se chamou “Filosofia Trans – Moderna”, tem ganhado destaque: “À todos os moçambicanos que não perdem a esperança de um dia acederem à ciência nas suas línguas maternas” (NGUNGA e FAQUIR, 2012: in dedicatória).

 

A mesma perspectiva, pode ser lida em: “This book is greatefully dedicated to all those who write in African languages, and to all those who over the years have maintained the dignity of the literature, culture, philosophy, and other treasures carried by African languages” (WA THIONG’O, 1981: in dedicatória). Essas duas colocações, julgamo-las, ainda que ambiciosas, o resumo dos trabalhos intelectuais dos africanos e africanistas nos últimos anos.

 

Tal como as línguas ocidentais são “locais”, atingindo a supremacia epistemológica por via do discurso hegemônico da ciência, da colonização e da neocolonização, wa Thiong’o (1981: 11) considera essas línguas como uma “bomba cultural” que explodem os tesouros da mente africana, sustentando-se na ideia do “pre-logismo”.

 

Trata-se de um facto evidente nas designações das grandes conferências mundiais “Conferência dos escritores africanos de língua inglesa”. Evidentemente é uma exclusão das línguas africanas. Para solidificar esse facto, wa Thiong’o (1981: 17) faz referências as grandes universidades: Harvard, Oxford, Cambridge; onde se suspeita das estruturas lógicas do africano afirmando que suas “superstições”, como diz Castiano, contaminam a pureza do inglês.

 

Por isso wa Thiong’o chama a lógica eurocêntrica de fatalista, que tornou a sua estrutura lógico-linguística como determinante do progresso, esquecendo-se que subjaz nas outras línguas, uma cultura, um ser... Será então, o princípio de tolerância um critério ideal para a intersubjectivação; da busca para a relevância diante da pluridimensionidade geográfica das línguas africanas? Quais desafios? Talvez como reiteram Ngunga e Faquir (2012: 294) seja necessário padronizar fonética e ortograficamente as línguas africanas, ditas locais.

 

 VEJA: https://filosofiadetchilar.com/a-matematica-como-sintaxe-logica-da-linguagem-2/

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARNAP, R. (2016). Superação da Metafísica pela Análise Lógica da Linguagem. In: Cadernos da Filosofia Alemã, Oxford University Press.

 

______. (2001). Logical Syntaxe of Langauge. Trad. Amethe Smeaton. London, Routledge.

 

Castiano, J. (2013). Os Saberes Locais na Academia: condições e possibilidades da sua legitimação. Maputo, Educar/ CEMEC.

 

HAHN, H; NEURATH, O e CARNAP, R. (1986). A Concepção Científica do Mundo – o círculo de Viena. In: Cadernos de História e filosofia da ciência. Trad. Fernando Pio de Almeida. Sergique, Universidade Federal de Sergique.

 

NGUNGA, A e FQUIR, O. (2012). Padronização das Ortografias das Línguas Moçambicanas. Maputo, CEA – UEM.

 

PIZZUTTI, Pedro. (2019). O Desenvolvimento e o Fracasso do Método Sintático Carnapiano. Londrina, Universidade Federal de Londrina.

 

PIZZUTTI, P e LISTON, Gelson. (2019). O Projecto Lógico-Linguístico e Epistemológico Aufbau de Rudolf Carnap. Londrina, Universidade Federal de Londrina.

 

TRANJAN, T. (2005). A Sintaxe Lógica da Linguagem de Rudolf Carnap: uma análise do princípio de tolerância e da noção de analiticidade. São Paulo, USP.

 

WA THIONG’O, N. (1981). Decolinising the Mind. Harare, ZPH




[1] Diga-se de passagem, que os títulos das duas obras; Decolinising the Mind e Logical Sintaxe of Language, de Ngũngĩ wa Thiong’o e Rudolf Carnap, respectivamente, serão neste trabalho tomados em Inglês, dado que, não existem as traduções oficiais para Português. Ocasionalmente traduziremos Logical Syntaxe of Language para - Sintaxe Lógica da Linguagem com abreviatura SLL e, Decolinising the mind como Descolonização mental. As traduções das citações em inglês para português serão da nossa autoria, pelos motivos anteriormente citados

 

[2] A primeira edição da obra escrita em alemão foi publicada em 1934, a edição em Inglês, revista e estendida, ficara pronta dois anos mais tarde, e publicada somente em 1937.

 

[3] Membro proeminente da Kreis Wiener, nascido em Viena, Rudolf Carnap (1891 – 1970) foi um dos principais defensores do atomismo lógico. Herdeiro da nova lógica, pertencia a um conjunto de intelectuais que sob orientação de Moritz Schlick e, que em homenagem a Ernest Match encontravam-se com regularidade na Universidade de Viena. Além de Schlick que ocupava a cátedra da Filosofia das ciências indutivas, este empreendimento contava também com Otto Neurath, Hans Hahn, Alfred Ayer e outros da mesma ordem epistemológica. Cfr, Manifesto da Kreis Wiener.

 

[4] A preferência por esses dois autores (Carnap e wa Thiong’o), parte do pressuposto de que o princípio de tolerância lógica, dada a permissividade lógico-linguístico e filosófico, pode-se inserir as abordagens da filosofia e literatura africanas discutidas por wa Thiong’o e analisar as suas condições de episteme.

 

[5] A sintaxe lógica de uma linguagem é a teoria formal das formas linguísticas dessa linguagem, isto é, ela é a colocação sistemática das regras formais que governam essa linguagem juntamente com o desenvolvimento das consequências que seguem de tais regras.

 

[6] A lógica da ciência (…) nada mais é do que a sintaxe da linguagem da ciência.

 

[7] Para tornar clara esta visão, é substituir a sintaxe logica pela filosofia.

 

[8] De acordo com esta visão, então, uma vez que a filosofia é purificada de todos os elementos não científicos, apenas a lógica da ciência permanece.

 

[9] Este entendimento de purificar a filosofia pode ser lido em Carnap (2016: 96) ao referir-se a metafisica da seguinte forma: “...as supostas proposições desse domínio são completamente sem sentido...”. Esta postura, Carnap (2012: 131) designa como superação da metafísica em função da transição da filosofia especulativa à epistemologia. Trata-se de uma atitude designada concepção cientifica do mundo, ou seja, não só uma reação contra a Metafisica, mas antimetafísica (Hahn, Neurath e Carnap, 1986: 9)

 

[10] Na lógica não há moral, todos têm a liberdade de construir a sua própria lógica, ou seja, sua própria forma de linguagem, como desejar. Tudo o que é exigido dele é que, se ele deseja discutir isso, ele deve declarar seus métodos claramente e fornecer regras sintácticas em vez de argumentos filosóficos.

 

[11] Na linguagem sintaxe I, e da mesma forma em toda linguagem suficientemente rica – existem sentenças lógicas que são irresolúveis.

 

[12] Essa é a busca por uma perspectiva libertadora dentro da qual pretendemos ver claramente a nos mesmo em relação aos outros seres no universo.