Por: Ezequiel Cumbe

I. SOCIEDADES MOÇAMBICANAS APÓS A FIXAÇÃO BANTU

1. Organização sócio-económica

Durante a expansão, atendendo ao tipo da sua economia, os bantu preferiram localizar as suas aldeias em terras férteis junto de cursos permanentes de água. A sua base económica era a Agricultura (mapira e mexoeira). Por isso, eram sedentários.

A caça, a pesca, a olaria tecelagem e metalurgia do ferro, eram actividades complementares da agricultura. A terra, meio de trabalho principal, era patrimônio da comunidade. Todos tinham acesso a ela, mas cabia aos membros séniores a distribuição e o controlo da sua correcta utilização.

O exercício de tarefas não produtivas por um grupo reduzido da população e o aparecimento do excedente, contribuíram para o surgimento da exploração do homem pelo homem. Estas relações de produção, expressas em tributos quer em trabalho quer em espécie, porque exercidas no quadro das relações de parentesco, eram conscientemente assumidas pelos produtores directos como manifestação de reconhecimento pelas valiosas actividades propiciatórias que os chefes desempenhavam.

O sistema de parentesco, assente em linhagens e clãs, desempenhava um importante papel na esfera política, económica, religiosa e social. Era como parente que o indivíduo tinha acesso aos recursos económicos e demais direitos da comunidade. Os parentes mais velhos, herdeiros e guardiões das experiências e tradições da comunidade, portanto os únicos detentores do saber, monopolizavam o exercício das tarefas técnico-administrativas e mágico-religiosas.

Esses parentes mais velhos¸ orientavam as cerimónias de invocação da chuva que pediam aos antepassados a fertilidade do solo, a estabilidade política e o sucesso das actividades económicas. Detinham igualmente, o poder de decisão sobre as alianças matrimoniais e política. Estes membros séniores, como chefes religiosos, eram considerados elos de ligação entre os vivos e os mortos.

 

2. Grupos Etno-Linguísticos Moçambicanos: as Diferenças Norte/Sul

Em Moçambique, identificamos dois tipos de linhagens: A linhagem Matrilinear e a linhagem Patrilinear. Grosso modo, a linhagem Matrilinear pode ser encontrada a norte do rio Zambeze; ao passo que a patrilinear está a sul do mesmo rio.


Veja também: Origem da linhagem familiar moçambicana

 

3. Caracterização de cada uma das Linhagens

 

3.1. Linhagem matrilinear

Neste sistema, o filho nascido de um casamento pertence à família da mãe; pratica-se a uxorilocalidade, isto é, depois do casamento o homem transfere-se da casa de seus pais, sua povoação para a da sua esposa. O dote (mahari em emákua) de maior significado é entregue pelo homem à mulher. A educação dos filhos não é assegurada pelo pai, mas sim pelo tio materno, já que estes crescem entregues aos cuidados da família materna.

A transmissão do poder, obedece mais ou menos à mesma lógica: com a morte de um chefe o poder não passa para o filho mais velho, mas sim para o sobrinho, filho da irmã mais velha. A caça, a pesca e a construção de casas eram as únicas actividades masculinas relevantes. As mulheres, praticando a agricultura, é que asseguravam o sustento das comunidades.

3.2. Linhagem Patrilinear

O filho nascido de um casamento pertence à família do pai. Pratica-se a virilocalidade, isto é, a transferência da mulher (esposa) para a povoação do marido por ocasião do casamento, é um indicador do papel preponderante que os homens desempenhavam na vida económica e social.

O dote (lobolo) pago pelo noivo aos sogros, aparece como um mecanismo de estabilização dos casamentos e de subordinação da mulher em relação ao homem. A transmissão da herança é de pai para o filho mais velho. A prática da pastorícia, actividade masculina por excelência, conferia aos homens o acesso a um bem duradoiro, principalmente expresso em gado bovino. O gado era o principal meio de pagamento de lobolo e simbolizava o poder económico, ou melhor, representava a capacidade de adquirir esposas.

 

II. TEORIAS DE FORMAÇÃO DO ESTADO

 

1. Noções de Estado

As primeiras sociedades de Moçambique foram os khoisan, que não tinham uma organização social estável e que a partir da chegada dos povos de língua bantu começaram a surgir as primeiras formas de organização social – as linhagens.
Paulatinamente, à medida que a economia foi se desenvolvendo e a população a crescendo as necessidades de gestão da sociedade foram aumentando¸ resultando daí as formas de organização social mais complexas cujo auge foi o Estado.

1.1. Origem e natureza do Estado

Para a definição de Estado comecemos por nos deter na ideia de Prélot sobre o Estado quando afirma que
Estado é uma forma qualificada, aperfeiçoada, eminente da vida colectiva"

Se buscássemos definições de outros pensadores sobre a matéria teríamos certamente conceitos diferentes, mas todos emitindo esta ideia principal de que o Estado é algo característico das sociedades evoluídas. Portanto¸ o Estado é a forma que assume, nas sociedades modernas, a existência social, isto é, a forma que atinge a sociedade quando perfeitamente organizada.

1.2. Características dum Estado

Quando se constitui um Estado, a sociedade fica organizada de tal modo que ficam claramente patentes algumas formas de relacionamento, entre elas:

a) A monopolização do poder (centralização) – em qualquer Estado, todos os diferentes aspectos da vida social e política estão sob a alçada de um único centro de poder, neutralizando todos os outros focos de poder que possam eventualmente competir com o Estado.

b) A institucionalização da hierarquia política – no Estado, deve existir uma clara hierarquia política, ou seja, uma diferenciação entre dominantes e dominados. Significa que num Estado é sempre criado por um corpo de pessoas cuja função é governar e que, enquanto tal, se contrapõe à maioria - os governados.

c) A legitimação racional e o reconhecimento – o Estado para existir com um só centro de poder e com uma hierarquia em que uns governam e outros são governados é importante que funcione com racionalidade e que seja aceite (legitimado) aos olhos da sociedade.

d) Assim, a razão de ser do Estado pressupõe a direção do funcionamento da vida social e a procura das leis a que tal funcionamento obedece. A razão de ser do Estado reside na constituição ou na sua lei fundamental. A lei define as normas e os limites do exercício do poder, mas sobretudo a garantia ou eficácia do poder exercido por aqueles que estão em posição de mandar. O Estado torna-se legítimo na medida em que se orienta em observância a lei.

 

2. Surgimento do Estado

Existe uma estreita ligação entre o Estado e a sociedade, na medida em que o Estado é a forma que atinge a vida social numa fase adiantada do seu desenvolvimento, uma vez diferenciadas, autonomizadas e tornadas complexas as suas funções.
As funções governativas de organização e gestão da vida social adquirem um papel crescente e decisivo. Ao longo do tempo elas tornam-se necessárias e imprescindíveis, nas consciências de toda a sociedade, o que consolidou à mais a ideia da necessidade de existência do Estado. Portanto, o Estado surge como resultado de um processo de evolução da sociedade e não como imposição vinda do exterior dela.

 

  III. O Estado é um fenómeno propriamente moderno

Nem todas as sociedades organizadas, ou mesmo politicamente organizadas, constituem um Estado.

3. Teorias sobre a origem e natureza do Estado

O Estado é uma forma secular de organização social, que ao longo dos tempos foi assumindo formas e interpretações diversas. Daí a existência de diferentes teorias sobre o Estado:

a) Teoria Teocrática – considera-se o Estado como manifestação duma razão ou duma vontade transcendente e como algo absolutamente necessário à manutenção da existência social. Os governantes são considerados como mandatários de Deus, como se eles exercessem o poder em seu nome.

b) Teoria Liberal – surgiu entre os séculos XVII e XVIII como expressão ideológica e política dos interesses económicos da Burguesia em expansão.

Já neste período, o Estado não é considerado como a expressão duma vontade ou inteligência transcendental, mas como expressão duma racionalidade imanente à própria sociedade, ou seja, como a expressão da vontade geral dos indivíduos humanos racionais e livres. Como tal, o Estado deve garantir a segurança da vida social, deve estimular e possibilitar o máximo desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos.

De maneira alguma a sua ação deve ser de domínio ou repressão, mas ao contrário deve proporcionar a segurança, a liberdade, defender a propriedade dos cidadãos.

c) Teoria Romântica ou Idealista – O Estado não tem a sua razão de ser numa ordem transcendente à história nem tão pouco resulta da vontade arbitrária dos indivíduos que o compõem. Ele exprime uma lei da natureza e surge na história como uma forma superior de organização da vida exterior dos homens. Cada povo ou cada sociedade está chamado a organizar-se racionalmente em Estado de modo que cada um dos seus membros se integre organicamente no todo e o Estado se preocupe com a existência de cada um dos seus membros.

Ao Estado é, deste modo, atribuída uma missão ética e espiritual: Ele está ao serviço da espécie humana, da humanidade, ao serviço das ideias superiores que a humanidade se propõe. A integração dos indivíduos no Estado não deve ser exterior, mecânica, por imposição mas deve ser pelo reconhecimento e pela consciencialização. Daí o papel atribuído à educação.

d) Teoria Anarquista – Surgiu na época moderna (sec. XIX) e teve em Montaigne, La Boetil, Max Sticner, Bakunine o seu desenrolar.

O Anarquismo consiste na rejeição de qualquer princípio do poder ou de autoridade sobretudo se entendida em termos de instituição estatal. A razão de tal rejeição reside no facto de o Estado se apresentar sempre como uma máquina de opressão e de coerção, como impeditivo da realização da plena liberdade dos homens e das verdadeiras potencialidades humanas.

No lugar da organização estatal o anarquismo propõe uma organização social baseada na livre união dos indivíduos e grupos excluindo-se qualquer tipo de coação e de obrigação exteriores (leis, polícia, exército). Anarquismo: Utopia ou a voz da razão?

Anarquismo é considerado pelas demais concepções políticas (marxismo, liberalismo, fascismo) como uma utopia irrelevante, sobre a realidade da vida social e a incapacidade de organização baseada na força e na violência.

e) Teoria Marxista – o Estado encontra a sua razão de ser no desenvolvimento da sociedade (no processo histórico) interpretado como sendo o resultado do desenvolvimento das forças produtivas materiais.

Com o desenvolvimento das forças produtivas e das técnicas de produção surge um novo tipo de economia – a economia de produção: os homens passam a produzir por si próprios aquilo de que necessitam para viver. Passa a existir um excedente de produção que não é investido imediatamente no consumo.

É neste momento que, de entre os membros do grupo social, até aí em plena igualdade, se destaca um sector que se apropria desse excedente de produção e dos meios que o garantem: a terra os rebanhos, o trabalho alheio.

Este processo conduz ao surgimento da propriedade privada e, com ela, a desigualdade social e consequentemente o antagonismo no corpo social – a divisão da sociedade em classes com interesses antagónicos. Neste conjunto de circunstâncias é que surge o Estado como forma de manter constante esse antagonismo e de permitir o domínio do grupo detentor dos meios de produção sobre a restante parte da sociedade.

Segundo Lenine, grande seguidor teórico de Marx pode-se definir Estado como "uma máquina destinada a manter a dominação de uma classe sobre uma outra."

i) Carácter de classe – o Estado constitui, a nível político, o reflexo do poder da classe economicamente dominante.

ii) Carácter repressivo – o Estado é a organização que assegura a ordem. Constitui uma unidade de repressão, uma violência exercida contra uma parte da sociedade em favor de uma outra.

iii) Carácter alienante – Estado é "um aparelho desligado e posto acima da sociedade" - assim se destaca um grupo de homens especializados em governar, enquanto os outros estão sempre condenados a ser governados.

Segundo a teoria Marxista o Estado assume diferentes formas, conforme se avança na história:

 

    1. Estado Esclavagista

 

    1. Estado Feudal

 

    1.  Estado capitalista

 

    1. Estado Socialista

 

 

f) Teoria Fascista e Corporativista

estado fascista é o antípoda do estado liberal, uma vez que: afirma o carácter absoluto do estado; nega o princípio do liberalismo – o princípio do indivíduo; nega o princípio da democracia e de igualdade entre os homens.
O estado fascista supõe uma teoria das elites ou dos homens providenciais chamados a conduzir a massa (Duce; Fuhrer).

Veja também: fontes-históricas