SÍNTESE DA TEOLOGIA DESDE A PATRÍSTICA ATÉ AO VATICANO II: ASPECTOS DE CONTINUIDADE ATÉ AOS NOSSOS DIAS
1. Noção geral de Teologia
Aquando dos primórdios da Idade Média, a teologia, especialmente na comunidade monástica, não era considerada uma ciência que falava propriamente de coisas divinas, mas de mistérios. Naquela época, a teologia era considerada importante apenas porque apela à razão para rejeitar falsas interpretações que poderiam obstruir a contemplação do homem.
São TOMÁS DE AQUINO (2009, p. 138), considerado o expoente máximo da escolástica, define a teologia como uma ciência sagrada que coloca um corpo de verdades religiosas em um sistema racional baseado em um reconhecimento mais claro das verdades sobrenaturais aceitas como tais.
Na concepção de ABBAGNANO (2007, p. 950), a teologia é entendida como uma discussão sistemática, reflexiva e crítica sobre Deus e tudo o que se relaciona a Ele. Uma teologia que alimenta a revelação divina contida na palavra de Deus, que a igreja prega e proclama em sua instituição de ensino. Um discurso aberto ao pensamento humano e capaz de iluminar a mente e permitir que ela se desafie.
2. Teologia Patrística
A principal característica da teologia patrística é a união da fé e da razão. O princípio patrístico, assim, é deduzido das palavras do expoente máximo da patrística, SANTO AGOSTINHO (2002, p. 102), que afirma que “se não crerdes, não compreendereis”, e, se não compreenderdes, não crereis.
Segundo REALE & ANTISERI (1990, p. 424-427), o ponto de partida da teologia patrística é uma intensa experiência de leitura dos mistérios revelados, celebrados e vividos na Bíblia e na realidade terrena. Os que fazem teologia são os bispos, os sacerdotes e os leigos (homilia, textos litúrgicos, comentários a textos bíblicos, ensinamentos religiosos, etc.).
As principais ocupações teológicas da patrística foram: teologia bíblica, litúrgica, cristã, eclesiástica, cultural e pluralista. Onde a liturgia mostrava-se como a fonte da teologia patrística, apresenta como se formulam as ideias e se celebram as crenças.
3. Teologia Escolástica
A teologia escolástica medieval experimentou três épocas importantes ao longo de oito séculos: a dialéctica (Santo Anselmo), a Grande Escola e a Escola Tardia. Na primeira época escolástica, a teologia se limita a ler e comentar a palavra de Deus. Aos poucos, esse modo de fazer teologia foi afetado por importantes alterações na sociedade e na igreja. O aparecimento de associações, sociedades, seitas religiosas e universidades terá um impacto positivo no funcionamento da teologia do século X ao XII, mais precisamente de 1120 a 1160, onde a escolástica redescobriu o pensamento de Aristóteles e confirmou sua metodologia - usando a dialéctica (Cf. REALE & ANTISERI, 1990, p. 478-479).
SANTO ANSELMO (1973, p. 12) combinou a teologia monástica agostiniana em favor da total suficiência da fé em relação ao pensamento dialéctico da razão, conforme ele atesta com suas próprias palavras:
“Ao examinar [o meu manuscrito] repetidas vezes, nada encontrei que esteja em discordância com os escritos dos padres católicos e maximamente com os de Santo Agostinho. Por isso, se alguém tiver a impressão de que, neste opúsculo, alguma coisa pareça demasiadamente nova ou que não esteja de acordo com a verdade, rogo-lhe não me tachar, precipitadamente, de inovador presunçoso ou de assertor da falsidade. Leia primeiro o tratado De Trinitate, do citado Santo Agostinho, e, depois, julgue o meu opúsculo segundo essa obra” (SANTO ANSELMO, 1973, p. 12).
Por mais habilidoso que Santo Anselmo pudesse ser, todavia, não conseguiu ser o ícone do pensamento escolástico. Por outro lado, Tomás de Aquino foi o coroamento da escolástica, combinando rigor teórico com engenho e arrojo. Ele desenvolveu uma teologia que obedece à revelação, de acordo com as exigências da epistemologia de Aristóteles, e por isso, conforme OLSON (2001, p. 401) foi chamada de “ciência”, conforme podemos notar por meio do seguinte comentário na introdução da Suma Teológica: “… ao assumir em teologia o logos aristotélico, e levando a compreensão da fé […] até o “estado de ciência”, Sto. Tomás não faz mais do que realizar o projeto inicial de Sto. Agostinho: a teologia como intellectus fidei” (GEFFRÉ, 2009, p. 128).
Com Tomás de Aquino, continua-se a crer e a compreender, como faziam os patrísticos. Ora, na escolástica o aprofundamento sistemático do pensamento se dá pela afirmação, negação e síntese das relações: o movimento do pensamento é uma elipse, não um círculo. Temos um duplo propósito na teologia: a ciência ensinada por Deus e a ciência adquirida pelo homem através da autorreflexão, que combina as visões de Deus com as do homem, e combina fé e razão.
4. Da escolástica à neoescolástica
Segundo PIEPER (2020), nem toda escolástica é particularmente medieval e, portanto, nem toda escolástica pertence definitivamente ao passado morto. Há elementos permanentes para todos os tempos. A pesquisa histórica moderna mostra claramente que filósofos e teólogos modernos clássicos como Descartes, John Locke, Spinoza e Gottfried Leibniz dependiam fortemente do pensamento medieval; e, conforme PIEPER (2020), mesmo Charles Sanders Peirce, o fundador do pragmatismo americano, menciona máximas escolásticas. Em segundo lugar, houve uma clara tentativa de explorar os pensadores escolásticos e encorajar um renascimento de suas ideias básicas. Dois grandes movimentos desse tipo foram baseados nas obras de Tomás de Aquino, o renascimento escolástico dos séculos XIX e XX e a neoescolástica.
A escolástica renascentista recebeu seu primeiro impulso da Reforma. Um de seus protagonistas, o cardeal Caetano, cujo nome dominicano era Tommaso de Vio, teve uma famosa discussão com Martinho Lutero. O grande comentário de Caetano ao Compêndio de Teologia de Tomás de Aquino teve grande influência na formação da teologia católica por pelo menos três séculos.
A chamada Idade de Prata do pensamento escolástico, que ocorreu no século XVI, é representada por dois espanhóis: Francisco de Vitoria, na primeira metade do século, e Francisco Suárez, na segunda metade. Esse período chama-se ‘contra reforma’. Suárez foi um dos escritores mais reverenciados por mais de 100 anos, mas mesmo nas universidades protestantes, o pensamento iluminista e o idealismo alemão erradicaram a escolástica renascentista. Isso acabou dando origem ao neoescolasticismo (ou nova escolástica) do século XIX. Seu promotor mais eficaz foi o jesuíta alemão Joseph Kreutgen. A encíclica Papal, Aeterni Patris, de LEÃO XIII. (2015?, p. 17), proclamou explicitamente sua meta de “restaurar a renomada doutrina de Tomás de Aquino, devolvendo-a ao seu antigo esplendor”. Como resultado, novos centros de pesquisa acadêmica e ensino superior surgiram em todo o mundo, e um grande número de periódicos e livros didáticos sistemáticos foram produzidos.
Para várias gerações de estudantes, no entanto, os imensos benefícios educacionais da neoescolástica eram inegáveis, assim como a contribuição singular de alguns pensadores neoescolásticos para a vida intelectual contemporânea. As fraquezas, por outro lado, pareciam uma abordagem a-histórica da realidade e da existência. De qualquer forma, não é coincidência que a influência do existencialismo e do marxismo do pós-guerra tenha causado um declínio acentuado na neoescolástica, e que as posições dos escritores escolásticos posteriores já estivessem além da neoescolástica.
5. O Concílio Vaticano II
Segundo GIUSEPPE (2005, p. 27), em 25 de dezembro de 1961, o Vigésimo Primeiro Concílio Ecumênico da Igreja Católica foi convocado por decreto papal do Papa João XXIII, através da bula Humanae salutis. Foi inaugurado pelo próprio Papa João XXIII, em 11 de outubro de 1962, em um ritmo incomumente rápido. O conselho realizou um total de reuniões até 8 de dezembro de 1965, quando foi o papado havia sido dado a Paulo VI.
O objetivo do Concílio foi discutir as acções actuais da Igreja voltadas para promover o desenvolvimento da fé católica e o saudável renascimento dos costumes e hábitos do povo cristão, e a adaptação da disciplina eclesiástica às condições de nosso tempo. Em outras palavras, o Concílio queria uma renovação e abertura da Igreja; e, como princípio fundamental, a reavaliação do papel da fé católica na sociedade, nas questões sociais e um maior papel participativo na economia. Esta postura lembra muito a tentativa de alguns patrísticos e escolásticos de conciliar a fé (que nos liga ao divino) com a razão (que nos dirige no mundo material); assim, com este Concílio, ao nosso parecer, a Igreja tinha a consciência de que as necessidades de hoje são melhor atendidas validando as doutrinas e tradições católicas, em vez de repreendê-las; e buscar se adaptar ao mundo no qual estamos circunscritos, pois, vivemos tanto no corpo quanto no espírito.
Conclusão
Tendo concluído a síntese proposta para a presente pesquisa, concluímos que, no início da Idade Média, a teologia, especialmente no mundo monástico, não era considerada uma ciência que falava propriamente das coisas divinas, mas sim uma ciência mística. A teologia era então considerada importante apenas porque apelava à razão e rejeitava falsas interpretações que pudessem impedir a contemplação humana. Notamos que a principal característica da teologia patrística é a combinação de fé e razão. De seguida, aferimos que as principais especializações teológicas dos Padres dessa época eram a teologia bíblica, litúrgica, cristã, eclesiástica, cultural e pluralista. Uma consequência muito provável dessas especializações dos Padres é o facto de a liturgia ser apresentada como fonte para a teologia patrística, apresentando as formas como as ideias e as crenças são constituídas.
Notamos, também, que a teologia escolástica medieval viveu três períodos importantes em oito séculos: a dialética, a Grande Escola e a Escola Tardia. Tomás de Aquino foi o culminar do sucesso escolástico, combinando teoria rigorosa com originalidade e ousadia. Ele desenvolveu uma teologia de obediência à revelação, conforme exigido pela epistemologia de Aristóteles.
No que disse respeito ao desenvolvimento e continuidade da escolástica e da patrística, assinalamos que pesquisas históricas recentes mostram claramente que filósofos e teólogos modernos como Descartes, John Locke, Spinoza e Gottfried Leibniz se basearam fortemente no pensamento medieval; e, inclusive o fundador do pragmatismo americano, Charles Sanders Peirce, se referiu ao princípio escolástico.
No contexto do fracasso da neoescolástica e da crise humanística causada pelas grandes guerras mundiais, em 25 de dezembro de 1961, por decreto papal do Papa João XXIII, foi convocado o XXII Concílio Ecumênico da Igreja Católica por meio da Bula Humanae salutis. O objectivo do encontro foi discutir o momento das acções em curso da Igreja para promover o crescimento da fé católica e o renascimento saudável dos modos e costumes do povo cristão, bem como a adaptação do sistema eclesiástico às novas circunstâncias de vida moderna.
Referências bibliográficas
ABBAGNANO, N. (2007). Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes.
GEFFRÉ, C. (2009). Introdução e notas. In: “Suma Teológica. Parte I: Questões. Volume 1.”, Tomás de Aquino (Aut.). São Paulo: Loyola.
GIUSEPPE, A. (2005). Breve historia del concilio vaticano II: (1959-1965). Salamancia: SIGUME.
OLSON, R. (2001). História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida Académica.
PAPA LEÃO XIII. (2015?). Aeterni patris. Trad. Maria da Fonseca e Sávio Campos. [s/n.], [s/l.].
PIEPER, J. (2020). Scholasticism: history and issues. Acessado em: 2022.10.21, pelas 10 horas. Link de acesso: https://www.britannica.com/topic/Scholasticism/History-and-issues
REALE, G. & ANTISERI, D. (1990). História da filosofia: antiguidade e idade média. Volume 1. São Paulo: PAULUS.
SANTO AGOSTINHO. (2002). A Doutrina cristã: manual de exegese e formação cristã. São Paulo: PAULUS.
SANTO ANSELMO. (1973). Monólogo. In: “Os Pensadores”, Volume 7. São Paulo: Abril Cultural.
TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. Parte I: Questões. Volume 1. São Paulo: Loyola.