Gestão de áreas protegidas, conceito e seu significado

A gestão de áreas protegidas pode ser definida como o processo dinâmico mediante o qual é desenvolvida e implementada uma estratégia coordenada para atribuição de recursos ambientais, socioculturais e institucionais visando alcançar a conservação e utilização múltipla sustentáveis destas áreas.

As áreas protegidas são um dos mecanismos de preservação e conservação dos recursos ambientais adoptados no mundo.

A gestão de áreas protegidas é habitualmente abordada segundo três vertentes: “em cima dos acontecimentos”, isto é, fundamentalmente numa resposta imediata aos problemas graves de degradação ambiental destas áreas; aumentando apreciavelmente as potencialidades da área; ou segundo entendimento de que as áreas protegidas constituem sistemas dinâmicos entre processos físicos, químicos, biológicos e socioeconómicos.

A gestão de áreas protegidas (com maior ou menor diversidade de acções que nela interagem) deve estar sujeita a um processo de planeamento e de coordenação integrado de forma a gerir os diferentes recursos existentes, sendo este um objectivo a atingir a curto/médio prazo.

No entanto, vivemos um momento de preocupação quanto à extinção de algumas espécies da fauna e flora do planeta, que representam riqueza se considerarmos as infinitas possibilidades que a biodiversidade oferece à vida humana, urge a tamanha e grandiosa acção Humana na protecção de meio ambiente criando unidades de conservação.

Historial de criação das áreas protegidas

Desde o início da civilização, os povos reconheceram a existência de sítios geográficos com características especiais e tomaram medidas para protegê-los. O acesso e o uso dessas áreas eram controlados por tabus, normas legais e outros instrumentos de controlo social. Segundo CONSTATINO (2017, p23 apud MORSELLO 2006).

Atribui-se a Platão, por exemplo, ainda no século IV a.C., a preocupação com a preservação das florestas, em função do seu papel predominante como reguladoras do ciclo da água e controladoras da erosão.

A criação da União Mundial para a Conservação da Natureza (IUCN) em 1948 foi um marco para as Unidades de Conservação. O principal objectivo da IUCN foi promover o planeamento racional de áreas onde existam espécies vegetais vitais ou raras, vida selvagem e características cénicas, científicas ou culturais. Uma de suas iniciativas foi definir o termo “parque nacional” em sua Assembleia Geral de 1969. Já em 1978, foi elaborado o relatório pela Comissão Mundial de Áreas Protegidas (CMAP) enfocando as categorias, objectivos e critérios para Áreas Protegidas (Silva, 1999). As categorias propostas pelo relatório foram:

  1. Reserva Científica/Reserva Natural Estrita;
  2. Parque Nacional,
  3. Monumento Natural/Marco Natural Destacado;
  4. Reserva da Conservação da Natureza/Reserva Natural Manejada/Santuário de Vida Silvestre;
  5. Paisagem Protegida;
  6. Reserva de Recursos;
  7. Área Biótica Natural/Reserva Antropológica;
  8. Área Manejada de Uso Múltiplo/Área de Manejo dos Recursos;
  9. Reserva da Biosfera;
  10. Sítio do Património Mundial.

Desde a criação do Parque Nacional de Yellowstone nos Estados Unidos da América (EUA), em 1872, considerado um marco na história das áreas protegidas, as justificativas e motivações em torno da criação de áreas protegidas variaram de acordo com diferentes visões sobre a natureza e sobre a importância da sua protecção. Essas visões, por sua vez, reflectem os contextos culturais, sociais, políticos e científicos vigentes em cada situação e época.

ʺOs primeiros europeus a chegarem no continente americano hostilizavam as florestas nativas devido às ameaças, reais ou míticas, que elas representavam. Entretanto, ao longo do século XIX, por influência do transcendentalismo romântico, começou a emergir, entre alguns artistas e intelectuais norte-americanos, uma valorização e apreciação estética das paisagens naturais. O divino passou a ser reconhecido na natureza selvagem (wilderness) e a felicidade e o bem-estar dos humanos passaram a ser entendidos como entrelaçados com uma vida simples e mais próxima da naturezaʺ

Essa significativa mudança na percepção da natureza e das paisagens silvestres tem raízes, também, nos avanços das ciências naturais nos séculos XVIII e XIX. Os trabalhos de Carl Von Linné (1707 – 1778), Charles Darwin (1809 – 1882) e de Alfred Russel Wallace (1823-1913) estimularam a curiosidade, o respeito e uma responsabilidade moral pela natureza

Independente dos debates conceituais nos EUA em torno da justificativa para a criação de áreas protegidas, a iniciativa de criação de Yellowstone inspirou outros países a criar parques nacionais. O Canadá criou o seu primeiro parque nacional em 1885, seguido por Nova Zelândia em 1894, África do Sul e Austrália em 1898, México em 1894, Argentina em 1903 e Chile em 1926. Todos tinham objectivos semelhantes aos de Yellowstone – “proteger áreas consideradas ‘virgens’ e de grande beleza cénica para o deleite dos visitantes”

A criação das áreas protegidas ou unidades de conservação constituem instrumentos importantes de protecção de meio ambiente

As Unidades de Conservação são uma das ferramentas de preservação e conservação dos recursos ambientais cujo objectivo fundamental é adequar o desenvolvimento socioeconómico com a manutenção da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, buscando a sustentabilidade ambiental e a geração de serviços ambientais. Qualquer acção que tenha como finalidade estimular o processo de criação de áreas protegidas deve ser fundamentada na relação sinérgica entre as políticas públicas, a responsabilidade sócio- ambiental dos atores envolvidos e as instituições públicas e privadas.

Como tal, em Moçambique a lei preconiza um sistema nacional das áreas de conservação, que é constituído pelos (i) órgãos de administração das áreas de conservação, (ii) os mecanismos de financiamento das áreas de conservação e (iii) a rede nacional das áreas de conservação.

Esse sistema visa (i) articular as instituições públicas, privadas ou mistas na administração e financiamento das áreas de conservação, (ii) contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais e (iii) promover o desenvolvimento sustentável com base nos recursos naturais e práticas de conservação da biodiversidade nos processos de desenvolvimento.

Diferenças entre parque, reserva e coutada

Um parque É uma área de conservação total de domínio público do Estado, delimitada, destinada a propagação, protecção, conservação, preservação e maneio da flora e faunas bravias bem como à protecção de locais, paisagens ou formações geológicas de particular valor científico, cultural ou estético, no interesse e para recreação pública, representativos do património nacional.

Reserva É uma área de conservação total, de domínio público do Estado, delimitada, destinada à preservação da natureza, à manutenção dos processos ecológicos, do financiamento dos ecossistemas e das espécies ameaçadas ou raras.

Excepto por razões científicas destinadas à fiscalização ou para a prática de turismo de contemplação que não envolva a implantação de infra-estruturas.

Coutada É uma área de conservação de uso sustentável, de domínio público, delimitada, destinada a actividades cinegéticas e a protecção das espécies e ecossistemas. O direito de caçar nestas áreas só é reconhecido por via de contrato de concessão celebrado entre o Estado e o operador. As Coutadas Oficiais foram criadas com o propósito de se promover a prática da caça desportiva. Porém, é permitido o uso de recursos florestais e faunísticos pelas comunidades locais, desde que realizado de forma sustentável com fins de subsistência e não comprometa os objectivos da coutada oficial (conforme indicados acima). Pode-se também realizar, na coutada oficial, actividades de repovoamento23 de recursos cinegéticos mediante observância do disposto na legislação nacional e o respectivo plano de maneio.

Para SAL & CALDEIRA (2014, p16) ʺdiferentemente da Reserva, No Parque admite-se a presença do Homem nestas zonas, nos termos previstos no plano de maneio, contanto que tal não constitua ameaça à preservação dos recursos naturais e da diversidade biológica. Permite-se também a investigação científica controlada e monitoria dos seus recursos naturais para fins de gestão da áreaʺ.

O papel/ objetivo/ e importância das áreas protegidas

Segundo SILVA (2012), de uma forma geral, podem-se considerar por áreas protegidas as que visam atingir um certo número de objectivos, nomeadamente:

Estudos Científicos. Em algumas delas podem-se observar ecossistemas onde a presença do Homem é mínima, sendo, por isso, possível estudar as relações existentes fora da acção antrópica;

Proteger certas espécies florísticas ou faunísticas que estejam ameaçadas de extinção, contribuindo desta feita para a manutenção da biodiversidade;

Ensaio de novas formas de exploração dos recursos naturais na óptica da filosofia do desenvolvimento sustentável;

Preservação de paisagens tradicionais de grande valor histórico e cultural que não devem ser alvo de uma exploração unicamente economicista;

Áreas de recreio e lazer, para populações urbanas, que procuram assim um contacto mais estreita com os valores naturais, dos quais estão completamente arredados no seu ambiente urbano. É de notar a importância crescente que o ecoturismo neste momento já representa, com todas as vantagens e desvantagens que ele acarreta;

Acções de educação ambiental. É nestas áreas que as acções de sensibilização para a protecção e conservação da natureza podem ter maior alcance;

Permitir o desenvolvimento de áreas rurais deprimidas. As populações que vivem em áreas protegidas devem ser estimuladas e recompensadas pelas suas acções de protecção e conservação em relação ao meio onde estão inseridas e que, pelas suas qualidades (estéticas, culturais, históricas), vão ser desfrutadas por muito mais gente.

Prática de caça num parque ou zona de proteção

A exploração da fauna bravia existente no país deve observar as seguintes modalidades:

a) Caça por licença simples;

b) Caça desportiva;

c) Caça comercial.

A caça por licença simples é exercida por pessoas singulares nacionais e pelas comunidades locais, nas florestas de utilização múltipla e nas zonas de uso e de valor histórico-cultural, com o objectivo de satisfazer necessidades de consumo próprio.

O licenciamento da caça para os membros das comunidades locais, nos termos do número anterior, é feito pelos conselhos locais com as normas e práticas costumeiras e em coordenação com o sector de tutela.

A caça desportiva é exercida por pessoas singulares nacionais ou estrangeiras, através do turismo cinegético, nas coutadas oficiais e nas fazendas do bravio.

As pessoas singulares nacionais podem exercer a modalidade de caça referida no número anterior nas zonas de utilização múltipla, nos termos a regulamentar.

A caça comercial é exercida por pessoas singulares ou colectivas nas fazendas do bravio, visando a obtenção de despojos ou de troféus para comercialização, através da criação de animais bravios nos termos da presente Lei e demais legislação aplicável.

A caça fora das modalidades previstas na presente Lei só é permitida em defesa de pessoas e bens, contra ataques actuais ou iminentes de animais bravios quando não seja possível o afugentamento ou captura.

A caça referida no presente artigo é exercida prontamente, após o conhecimento dos factos, pelas brigadas especializadas do Estado ou pelo sector privado e pelas comunidades locais devidamente autorizadas.

Classificação dos dez países com maior biodiversidade por continente segundo o Global

Tabela 1: Classificação dos dez países com maior biodiversidade por continente segundo o Global

Sistema internacional de áreas naturais protegidas

Actualmente, áreas naturais protegidas constituem espaços geográficos claramente definidos, reconhecidos, destinados e geridos, por meios legais ou outras alternativas eficientes, com o objetivo de conservar, a longo prazo, a natureza, os serviços associados aos ecossistemas e os valores culturais (IUCN, 2008). Assim, possuem as seguintes metas múltiplas:

a) Conservação da composição, estrutura, função e potencial evolutivo da biodiversidade;

b) Contribuição para estratégias regionais de conservação;

c) Manutenção da diversidade da paisagem ou hábitats;

d) Apresentação de dimensão suficiente para garantia da integridade e da manutenção, a longo prazo, dos objectivos específicos de conservação, ou previsão da sua expansão;

e) Perpetuação dos seus valores;

f) Gerência, por plano de manejo e por programa de monitoramento, e avaliação capazes de promoção de adaptações em sua gestão;

g) Instituição de sistema de governança clara e justa, dentre outras (IUCN, 2008).

O sistema internacional de áreas naturais protegidas, definido pela IUCN em 1994, é composto pelas seguintes categorias de manejo, considerando os graus de intervenção e de naturalidade dos ambientes (Figura 1): Strict Nature Reserve (Reserva Natural Estrita– Ia), Wilderness Area (Área Silvestre – Ib), National Park (Parque Nacional – II), Natural Monument (Monumento Natural – III), Habitat Species Management Area (Santuário de Vida Silvestre – IV), Protected Landscape / Seascape (Paisagem Terrestre / Marinha Protegida – V) e Managed Resource Protected Area.

Figura 1: Representação esquemática dos graus de conservação e das categorias de manejo das áreas naturais protegidas propostas pela International Union for Conservation of Nature (IUCN)

Quadro 2: Principais funções das categorias de manejo das áreas naturais protegidas propostas pela International Union for Conservation of Nature (IUCN)

Segundo IUCN (2004), este sistema visa proporcionar um diálogo mais claro entre as diversas categorias de manejo existentes em âmbito internacional e minimizar a adopção de diversos termos para a sua descrição a partir do estabelecimento de normas que possibilitem comparações entre sistemas nacionais, assim como a quantificação e o monitoramento das áreas naturais protegidas.

Contudo, apesar da IUCN apresentar conceitos e princípios claramente definidos e atuar junto às agências ambientais de diversas nações, o sistema proposto não possui caráter obrigatório, ou seja, cada Estado opta pela adoção ou não de suas diretrizes na legislação relacionada às áreas naturais protegidas, fator que dificulta que suas metas sejam alcançadas frente à multiplicidade de posicionamentos adotados por inúmeros países.

 

Bibliografia

  • CONSTANTINO, Joaquim. Manual de Curso de Licenciatura em Gestão Ambiental- 4º ano: Gestão de Áreas Protegidas. CED- BEIRA, 2017,
  • DIEGUES, António Carlos. Populações tradicionais em unidades de conservação: o mito moderno da natureza intocada. São Paulo: CEMAR/USP/NUPAUB, 1993.
  • FRANCO, José Luiz de Andrade. Natureza no Brasil: idéias, políticas, fronteiras (1930-1992). In: SILVA, Luiz Sérgio Duarte da (org.). Relações cidade-campo: fronteiras. Goiânia: Editora UFG, 2000.
  • IUCN – International Union for Conservation of Nature. Guidelines for protected areas: management categories. Gland: International Union for Conservation of Nature – IUCN, World Conservation Monitoring Centre – WCMC, 1994.
  • MCCORMICK, John. Rumo ao Paraíso: a história do movimento ambientalista. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992.
  • MEDEIROS, R. A Protecção da Natureza: das Estratégias Internacionais e Nacionais às demandas Locais. Rio de Janeiro: UFRJ/PPG. 2003, 391p.
  • MORSELLO, C. Áreas protegidas públicas e privadas: selecção e manejo. São Paulo: Anablume, 2001.
  • NASH, Roderick. Wilderness and the American Mind (Fifith ed.). New Haven: Yale University Press, 2014.
  • RUNTE, Alfred. National Parks: The American Experience (Fourth ed.). Lanham: Taylor, 2010.
  • SILVA, C. E. F. Desenvolvimento de Metodologia para Análise da Adequação e Enquadramento de Categorias de Manejo de Unidades de Conservação. Centro de Estudos Ambientais, Universidade Estadual Paulista – Rio Claro, 186p., 1999.