Interpretar a Lei é determinar o seu sentido e alcance, definindo a matéria a que elas são aplicáveis, e o critério de regulamentação que delas consta. (Manuel Cavaleiro de Ferreira)

O juiz, nas expressões de Ferrara (Trattato di Diritto Civile Italiano, pp. 195/96), é “o intermediário entre a norma e a vida”.

Dentre as concepções de interpretação, porém, nenhuma se afigura mais singela que a de Clóvis Bevilaqua (Teoria Geral do Direito Civil, 7ª ed.. p. 37): “Interpretar a lei é revelar o pensamento que anima suas palavras”.

Orientações fundamentais quanto ao modo de interpretação das leis

Orientação subjetiva e Objetiva

Numa orientação subjectiva, interpretar a lei consistirá em procurar a vontade do legislador; numa orientação objectiva, a lei, embora formulada pelo legislador, dele se separa, alcançando firme significado próprios, de modo que a interpretação procurará descobrir o pensamento legislativo, a razão ou fim da própria lei.

A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir de textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Formas de interpretação

Qualquer pessoa pode interpretar a lei. Mas importa naturalmente que saiba interpretar leis, que tenha um mínimo de conhecimentos jurídicos.
Importa distinguir: a interpretação a que pode proceder o próprio órgão legislativo de que emanou a lei (interpretação autêntica).
A interpretação das leis que é feita pelos tribunais, quando aplicam as leis aos casos concretos (interpretação jurisprudencial).
A interpretação elaborada pelos juristas, quando estudam as leis no seu conjunto (interpretação doutrinária).
A interpretação duma lei, feita em outra lei, denomina se interpretação legislativa. E a lei que interpreta outra lei denomina-se lei interpretativa.

A interpretação a que procedem, nas decisões judiciais, os tribunais designa-se por interpretação jurisprudencial.
A opinião de um tribunal, mesmo hierarquicamente superior, não se impõe aos outros tribunais ou aos cidadãos em geral, fora do caso concreto que foi objecto da decisão.

Quanto aos meios, a interpretação pode ser literal ou gramatical e lógica ou, melhor, teleológica. Partindo da presunção de que a letra da lei corresponde àquilo que ela pretende, toda a interpretação parte duma análise gramatical da letra e da lei.
A interpretação literal é o ponto de partida da interpretação.
O ponto de chegada é-nos, porém, dado pela utilização da interpretação teleológica, quando se procura desvendar o fim que a lei propõe.
E definir através da lei o seu alcance é o objectivo verdadeiro e último de toda a interpretação.

Quanto aos resultados, a interpretação diz-se declarativa, restritiva ou extensiva.
Porque a interpretação se não atém à letra da lei, pode resultar uma interpretação quando se atenda à letra da lei.
A verdadeira interpretação, como se disse, é a que toma em consideração os fins objectivos da lei. Em consequência, se do texto da lei resulta que gramaticalmente este exprimiu devidamente que efectivamente corresponde aos fins da lei, e há por isso coincidência entre o alcance da lei, interpretada em razão dos seus fins, a interpretação diz-se declarativa. A lei diz então o que pretendia dizer.
Se, por deficiência de expressão, os termos utilizados pela lei vão além daquilo que a lei pretendia ordenar, a interpretação diz-se restritiva porque o alcance da lei é mais restrito do que parece inferir-se da sua letra.
Se, continuando a não haver coincidência entre o resultado duma interpretação gramatical duma interpretação teleológica, a letra da lei não diz tudo aquilo que, em função do fim que se propunha, queria dizer, é este significado mais amplo que deve aceitar se e a interpretação diz-se extensiva.
Em geral, todas as normas jurídicas são assim interpretadas.
Fazem excepção, porém, as normas incriminadoras, que definem os crimes.

Aplicação das leis

A aplicabilidade das leis no espaço

A ordem jurídica nacional vigora, em princípio, no território submetido à soberania do Estado e ao poder da sua legislação.
Dir-se-á, assim, que as leis terão aplicação no território do Estado de que provém a legislação. Este princípio da territorialidade é rigorosamente aplicável quanto às disposições de direito penal (Cód. Penal, art. 53º, n.ºs 1) e 2).
Nas relações jurídicas de direito privado há que atender a que tais relações jurídicas podem estar conexas com mais de uma ordem jurídica nacional (por exemplo, contrato de compra e venda outorgado na Itália, entre um português e um francês, tendo por objecto bens situados em Espanha).
Há como que uma concorrência de disposições legais de vários países em razão de um aspecto de relação jurídica, especialmente relevante para cada país, de sorte que surge um conflito de leis.
Para o resolver há normas denominadas normas de conflitos de leis, que indicam qual das diferentes leis nacionais em conflito será a aplicável.
Todas as questões – e são vastas e complexas – desta decisão de competência entre legislações nacionais diferentes é objecto do direito internacional privado. Opor-se-iam dois princípios – o da territorialidade e o da coordenação das diferentes ordens jurídicas. É este que está na base do sistema de regras de conflitos.

Princípio da não retroatividade

A positivização do direito, quer se faça através da formação de costumes obrigatórios, quer pela promulgação de direito escrito ou leis, não lhe dá a característica de imutabilidade. O direito dirige e ordena a actividade social dos homens, susceptível de mudança em razão das circunstâncias e condicionalismos históricos. Os costumes poderiam ser modificados por outros costumes; as leis podem ser substituídas por outras leis.

Daqui resulta que, em princípio, a lei não terá eficácia retroactiva, isto é, não será aplicável no passado, a factos cometidos antes do início da vigência da lei.
O problema não mereceria, porém, que se lhe fizesse referência se se mostrasse resolvido com esta singela formulação. Mas não é assim.
É que os factos praticados durante o tempo de vigência da lei, enquanto regulados pela lei, se destinavam necessariamente a produzir efeitos, consequências, com relevância jurídica.
O contrato outorgado no domínio de uma lei antiga pode ter de cumprir-se no domínio da nova lei; o casamento celebrado no domínio de uma lei perdura no período de vigência da nova lei; e importa saber se os efeitos que perduram para além do termo de uma lei, deverão ser regulados por esta ou pela nova lei.

Delimitação do princípio da não retroatividade

Uma lei não pode naturalmente regular factos passados; mas somente factos futuros.
Mas os factos passados podem ter consequências que se solucionam ou produzem no futuro.
É sobretudo quanto a esses efeitos que a delimitação do princípio da não retroactividade pode oferecer dificuldades.
O Código Civil fornece o critério da delimitação que era necessário encontrar.
E distingue:
1º  – As condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou seus efeitos, relativamente aos quais se aplica a lei do tempo em que se praticaram os factos;
 – Os efeitos de quaisquer factos, que são tomados em si mesmos, independentemente da fonte que lhes deu origem, porque considerados como contendo relações jurídicas que perduram, e podem ser objecto de modificação legislativa, relativamente aos quais se aplicará a lei nova, pois que esta se referirá às relações já constituídas, quer em razão de factos anteriores, quer posteriores à nova lei.
Assim as obrigações emergentes de um contrato de empréstimo, reger-se-ão pela lei em vigor quando foi celebrado o empréstimo; mas as alterações ao regime de propriedade, embora esta tenha sido constituída por um contrato de compra e venda, serão de regular pela lei nova que tiver alterado o regime jurídico da propriedade.