Processos decisórios em sistemas políticos:

Veto players no presidencialismo, parlamentarismo, multilateralismo e pluripartidarismo

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Para TSEBELES (1997), um veto player é um actor individual ou colectivo cuja concordância é necessária para que se tome uma decisão política. Assim, a estabilidade das políticas aumenta com o número de atores envolvidos; com sua incongruência (divergência de posições políticas) e com a coesão interna a cada um deles.

Existe, porém, uma outra categoria de atores, encontrada nos sistemas parlamentaristas pluripartidários e possivelmente também nos sistemas presidencialistas: os vetos players partidários (partidos que integram uma coalizão de governo) e os vetos players institucionais. É claro que há uma grande diferença entre os dois tipos de atores: o autor vai afirmar que, segundo a Constituição, a concordância dos veto players institucionais é uma condição necessária e suficiente para haver uma mudança de política, mas a concordância dos veto players partidários não é, estritamente falando, nem necessária nem suficiente.

A concordância dos veto players partidários não é necessária para a mudança de políticas, porque os partidos coligados podem passar por cima uns dos outros ou ser jogados uns contra os outros. Isso pode ocorrer em duas situações: nos governos minoritários e nos governos de maioria superdimensionada.

Há várias outras categorias de veto players em diferentes sistemas políticos. Pode-se pensar, por exemplo, nos grandes grupos de interesse como um desses atores, pelo menos nas áreas de política que lhes dizem respeito, o exército, entre outros atores mais institucionalizadas incluem-se os tribunais, as maiorias qualificadas exigidas pela Constituição e os referendos. Em linhas gerais, o número de veto players varia de acordo com o assunto em discussão.

Um actor institucional só será computado como portador de um poder de veto se detiver poder formal para fazê-lo. No que diz respeito ao bicameralismo, há países nos quais a Câmara Alta só dispõe de poder para adiar decisões. Por exemplo, ainda que a Grã-Bretanha e a Áustria sejam formalmente sistemas bicamerais, nos dois países, em última instância, a Câmara Baixa pode anular em última instância as objecções da Câmara Alta.

Quanto ao presidencialismo, nem todos os presidentes eleitos por voto popular têm poder de veto, e quando o têm, seu veto pode ser quase sempre derrubado por uma determinada maioria de membros do Legislativo. Venezuela, Haiti e Peru - o presidente não têm poder de veto e portanto não conta como um veto players.

O sistema parlamentarista pode ser classificado como um sistema de um só veto player partidário, quando possui um governo minoritário, e também como um sistema de dois ou três veto players, quando dois ou três partidos estão no governo.

Um importante factor que afecta a congruência das posições políticas dos partidos é o sistema eleitoral. Downs (1957) afirmou que um sistema bipartidário promove a convergência e a moderação dos partidos. Sartori (1976) ampliou esse argumento afirmando que a "polarização" aumenta com o número dos partidos.

Apesar da opinião corrente de que a congruência depende do sistema eleitoral, a direcção dessa relação é menos clara. De um lado, a ocorrência da convergência em distritos uninominais foi comprovada teoricamente (inclusive nas eleições presidenciais), mas essas provas baseiam-se em premissas muito restritivas. Por outro lado, a evidência empírica é (para dizer o mínimo) incompleta.

Uma última questão refere-se à distância das posições entre veto players institucionais, isto é, as Câmaras e os presidentes. Essa distância pode variar de uma eleição para a outra. Dois veto players institucionais e composições políticas diferentes devem ser computados como dois atores distintos. Uma vez mais, a distância varia em função da composição das casas legislativas. Se essa composição for idêntica, os dois atores institucionais são idênticos e devem ser computados como um só. Esta última afirmação denomina-se regra de absorção.

De um modo geral, os atores partidários devem ser computados como distintos, enquanto os atores institucionais podem ser absorvidos (ou seja, eliminados do cômputo em virtude da congruência). A consequência disso é que se os dois grupos parlamentares de todos os partidos (que ocupam assentos na Câmara e no Senado) forem idênticos, o número final de veto players será igual ao número de atores partidários necessários para formar o governo de coalizão. Se os grupos parlamentares dos partidos não forem congruentes, o número de veto players será maior do que o número de partidos que integram a coalizão governamental.

De acordo com a Proposição 3, a estabilidade das políticas diminui quando o tamanho do yolk de cada um desses atores aumenta. O tamanho do yolk depende do grau de coesão do partido: partidos coesos têm yolks menores. Um partido que comporta pequenas divergências ideológicas é coeso porque o yolk é necessariamente pequeno. Mas a recíproca não é verdadeira. Um partido cujos membros mantêm grandes distâncias ideológicas entre si não é necessariamente um partido não-coeso. Se a disposição dos políticos eleitos pelo partido no espaço político for tal que eles se posicionem simetricamente ao redor da liderança, o tamanho do yolk será pequeno. Nesse caso, apesar das divergências individuais, o conjunto do partido se comportará de modo coeso e coordenado.

Neste momento, cabe diferenciar entre disciplina partidária e coesão partidária. A coesão refere-se à diferença de posições políticas dentro de um partido antes que se proceda ã discussão e à votação no interior do partido. Disciplina partidária refere-se à capacidade de um partido para controlar os votos de seus membros no Parlamento.

Qualquer que seja o procedimento escolhido, um compromisso prévio, juntamente com a disciplina partidária, reduz o número de dimensões das negociações e limita o winset do status quo. Isso também quer dizer que, enquanto os partidos continuarem a ter os mesmos pontos ideais, o acordo não pode ser desmanchado. De outro modo, se nenhum compromisso prévio for estabelecido, ou se ele não for crível (devido à falta de disciplina), o winset do status quo será maior e possibilitará pequenos deslocamentos ainda que nenhum actor individual mude de posição.

Antes de mais nada, o tamanho do veto player afecta a coesão. Um único veto player (um presidente ou um partido que tenha um líder carismático) tem o nível mais alto de coesão. Mas, exceptuando-se o caso de actor individual, a coesão tende a crescer com o número de diferentes atores individuais que constituem o veto player: Tudo o mais permanecendo igual, um veto player que conta com mais membros será mais coeso do que um outro que tenha menos integrantes.

Outro fator que pode aumentar a coesão desses atores é o sistema eleitoral. Já se afirmou que os distritos uninominais ajudam a promover o voto pessoal (Cain, Ferejohn e Fiorina, 1987),ao passo que o sistema proporcional com listas de candidatos geram partidos fortes (Shugart e Carey, 1992). Não é claro se esses argumentos se referem à disciplina partidária (a capacidade dos partidos de eliminar dissensos depois de tomada uma decisão) ou à coesão (o tamanho das divergências antes da discussão).

É possível, porém, que o sistema eleitoral afecte ambos os factores: os sistemas majoritários ajudam a criar amplas coalizões, o que significa que sua coesão é reduzida; por outro lado, os sistemas de representação proporcional com listas de candidatos conferem às lideranças um controle das indicações de candidatos e, portanto, aumentam a disciplina partidária.

Uma última influência sobre a coesão provém da estrutura institucional. Fazendo um resumo da literatura relevante, Mainwaring (1989 e 1991) afirmou que os regimes presidencialistas fomentam a falta de coesão porque o presidente tenta explorar as divergências entre os parlamentares com o intuito de constituir coalizões favoráveis aos seus programas de governo. Por outro lado, o parlamentarismo ajuda a criar a disciplina partidária porque votar contra seu próprio governo pode acabar por derrubá-lo e resultar na convocação de novas eleições.

Embora tanto a estrutura institucional quanto o sistema eleitoral pareçam afetar a coesão de maneira independente, não se sabe qual deles tem maior impacto. Também não é claro se há ainda outros factores que afectem a coesão e quais os resultados a serem obtidos por meio de uma análise de regressão com múltiplas variáveis: Por esse motivo, neste modelo uso a coesão como uma variável independente.

Concluindo, as Proposições 1, 2 e 3 afirmam que a estabilidade das políticas de um sistema político aumenta de acordo com o número de veto players, diminui com sua congruência.

Existe uma relação óbvia entre estabilidade das políticas e instabilidade do governo: um governo que tenha políticas estáveis pode se tornar imobilizado e se outros atores sociais e políticos exigirem mudanças, ele pode vir a ser substituído por meio de mecanismos constitucionais (instabilidade do governo). No mesmo sentido, nos regimes em que a mudança de é impossível (excepto em intervalos fixos, como nos sistemas presidencialistas), o imobilismo das políticas pode levar à substituição da liderança por meio de mecanismos extraconstitucionais (instabilidade do regime).

De acordo com esse raciocínio, os mesmos factores que conduzem à estabilidade das políticas estariam associados à instabilidade do governo (nos sistemas parlamentaristas) e à instabilidade do regime (nos sistemas presidencialistas). Em consequência disso, a instabilidade do governo ou do regime estaria associada à existência de múltiplos veto players, à falta de congruência ideológica entre eles e à coesão ideológica de cada um deles. Evidências preliminares indicam que é isso que acontece.

Warwick (1992) chegou à conclusão de que o número de parceiros no governo e as distâncias entre eles provocam a instabilidade do governo. Se alguns partidos participam do governo por motivos de política, então as coalizões tenderão a cair e a serem substituídas toda vez que o governo em vigor não puder lidar com um choque exógeno. Isso acontece ou porque o número de veto players é grande demais ou porque suas distâncias ideológicas são demasiado amplas para que consigam formular uma reacção conjunta.

O argumento de que a instabilidade das políticas causa a instabilidade dos veto players é extensivo aos sistemas presidencialistas. Nestes sistemas, a única mudança possível dos veto players se realiza por meio de eleições ou de outras mudanças exógenas (por exemplo, golpes militares ou violações da ordem constitucional conduzidas por um actor, como fez Fujimori ao dissolver o Parlamento no Peru). De acordo com a teoria do autor, as variáveis associadas com a estabilidade da política pública também se relacionam com a instabilidade do regime. Há evidências também nesse sentido.

Shugart e Carey (1992, pp. 154-8) concluíram que a existência de poderes presidenciais fortes (tanto legislativos quanto não legislativos) tende a provocar o colapso do regime. De acordo com os dados que apresentaram (incluindo regimes presidencialistas e semipresidencialistas desde o início cio século), os regimes nos quais o presidente da República tem poderes legislativos fracos fracassaram em 23,5% das ocasiões (4 em 17), ao passo que a probabilidade de um colapso atinge quase o dobro (40% das vezes, 6 em 15) nos regimes em que o presidente da República tem fortes poderes para legislar. Os resultados obtidos por esses autores é compatível com a teoria do veto player formulada neste artigo. Segundo minha terminologia, os regimes nos quais os presidentes são fracos do ponto de vista legislativo têm menos um veto player e por isso são mais estáveis.

Minha análise concluiu que a estabilidade das políticas públicas de um sistema político aumenta quando aumenta o número dos veto players, quando sua congruência diminui e sua coesão cresce.

Quando há múltiplos veto players, porém, eles tentarão cristalizar a balança de forças existente na época da elaboração da lei a fim de restringir ao máximo a liberdade de movimentos das burocracias. Até que ponto esta restrição se efectivará, dependerá do grau de concordância entre os atores. Por exemplo, suas discordâncias podem não ser apenas de natureza política, mas também se referirem a aspectos institucionais e a procedimentos. Nesse caso, se houver uma lei, ela terá um alcance muito geral, dando liberdade de movimentos aos burocratas. Dessa forma, a existência de múltiplos veto players não assegura que as descrições minuciosas de procedimentos sejam inscritas na lei.

Estamos agora em condições de sintetizar os diferentes argumentos. De um modo geral, os sistemas que comportam múltiplo veto players tendem a definir procedimentos burocráticos mais pesados do que os contextos nos quais só existe um veto player, conforme a argumentação de Moe. Mas não se deve confundir procedimentos burocráticos pesados com falta de independência; na realidade, esses procedimentos podem ser uma arma dos burocratas contra a interferência política em seus actos. As burocracias tendem a ser mais independentes quando possuem múltiplos principais (múltiplos veto players) do que quando têm apenas um.

A conexão é simples: a estabilidade das políticas leva à incapacidade dos governos para mudar o status quo, mesmo que essas mudanças sejam necessárias ou desejáveis. Em consequência disso, um governo com múltiplos atores incongruentes e coesos poderá ser substituído por outros atores, de maneira endógena (nos sistemas parlamentaristas) ou de maneira exógena (nos sistemas presidencialistas).

  • Tsebelis, George. (1997), “Processo Decisório em Sistemas Políticos: veto players no presidencialismo, parlamentarismo, multicameralismo e pluripartidarismo”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. 12/34, pp. 90-117