Positivismo lógico

Círculo de Viena, também designado de positivismo lógico, é uma corrente do pensamento humano arquitetada no século XX, por um grupo de cientistas, filósofos, lógicos e matemáticos. Estes tinham como objectivo comum discutir questões relacionadas com a natureza do conhecimento científico e cuja preocupação era a formação de uma teoria crítica para o estudo e análise de conceitos fundamentais, dos princípios e objectivos do conhecimento científico em geral, bem como dos resultados de sua efectiva aplicação.

Em 1929, Rudolf Carnap, Hans Hahn Otto Neurath redigiram um manifesto intitulado “O Ponto de vista científico do círculo de viena”, em homenagem a Schlick. Este movimento teve influência direta de Ludwig Wittgenstein1 através de seu livro “Tractatus Lógico-Philosophicus”,embora não tenha ele pertencido ao grupo. Sem esta obra, os positivistas lógicos não teriam alcançado o nível de profundidade a que seus estudos chegaram e tudo a partir da afirmativa segunda a qual


os limites da linguagem são os limites do mundo”(WITTGENSTEIN apud CARVALHO, 1987:118).

 

Os vienenses atribuíram à linguagemsua maior preocupação, na medida em que ela constitui o instrumento por excelência do saber científico, bem como o meio de controlo do conhecimento. Para eles,

a linguagem natural não traduz os anseios cognoscitivos do ser humano porque é provida de defeitos que necessitam de elucidação” (CARNAP apud CARVALHO, 1987: 118).

Tomando  por  base  a  concepção  do  empirismo  canônico que defende que  todas  as sentenças científicas devem necessariamente ser confirmáveis através da experiência empírica, os membros do Círculo de Viena mostravam-se  insatisfeitos com  a  concepção  da  matemática  e da  lógica  como sendo  sistemas  de proposições  gerais. Seguindo  a  metafísica  atomista, que  ganhou  expressão  com Wittgenstein do Tratado, para os empiristas lógicos do Círculo de Viena,


toda proposição é significativa, fornece alguma informação acerca do estado actual do mundo, na medida em que afirme aocorrência ou não ocorrência  de  certos  factos  atómicos  e exclua  a  ocorrência  de outros. Assim, o valor de uma verdadede uma proposição deve serdeterminado  a  partir  doconhecimento  da  ocorrência  de  factos atómicos  envolvidos (WITTGENSTEIN  Apud SCHLICK & CARNAP,1980: 14).

Com base no argumento de que o mundo sedetermina por  factos atómicos, Wittgenstein imaginava  uma  linguagem  capaz  de  exprimir  cada  facto  atómico,  onde  toda proposição  significativa  poderia  ser  reduzida  a  uma combinação  de  proposições atómicas  mediante  funções  de  verdade  das  proposições  atómicas  componentes. Adotando esse critério, três tipos de proposições seriam irrelevantes para a metafísica atomista  de  Wittgenstein.  O  primeiro  tipo  seria  das verdades  lógicas,  cujo  valor  de verdade depende da ocorrência ou não de qualquer facto; ou seja, são tautológicas.

 

O segundo tipo de proposições seria o das verdades  matemáticas, que Wittgenstein acreditava  ser  vázias  de  conteúdo.    o  terceiro  e  o  último  tipo  de  proposições  não significativas  seriam  do  tipo  filosófico,  sem  nenhuma  função  teórica  e  científica (WITTGENSTEIN  apud  SCHLICK & CARNAP, 1980: 13).  Isso  porque,  no  entendimento  de Wittgenstein  do  Tratado,  o  conhecimento  parece  esgotar-se nas  ciências  naturais,  não restando desta maneira  à  filosofia  nenhuma  função  independente  ou capacidade  explicativa.  Essa conclusão foi decisiva para a formulação posterior  do “princípio de verificabilidade” e defesa da idéia de uma ciência unificada pelo Círculo de Viena.

 

No  trabalho  de  Moritz  Schlick,  o  verificacionismo  havia  sido  proposto  exactamente como  uma  forma  de  se  entender  a  idéia  clássica  de  que  a  verdade  de  uma  frase consiste em sua correspondência com o facto. Assim, para Schlick




a  correspondência  pode  ser  analisada  como  um  procedimento verificacional  constituída  da  comparação  entre  o  conteúdo  de  uma hipótese  e  a  experiência  perceptiva  que  a  verifica. Se  houver identidade entre o conteúdo de ambas, a hipótese é  verificada, caso contrário, ela é falseada…, localizando essa correspondência dentro de um sistema de contextos lingüísticos ( SHLICK, 1980: 81-84).

 

Estes são os pressupostos do conhecimento científico. Aceitação ou rejeição dos conteúdos  linguísticos  correspondentes.  Assim,  a  verdade  de  um  conteúdo, consiste  em  sua  correspondência  com  o  facto,  com  a  sua  aceitação.  Schlick defendeu que a correspondência pode ser analisada de forma verificável a partir da comparação entre o conteúdo de uma frase e a experiência perceptiva que a verifica.Se houver correspondência entre o conteúdo e a experiência, a hipótese é verdadeira; caso contrário, ela é falsa. Isto seria possível, dizia Schlick, indicando as regras lógicas que  permite  transformar  uma  sentença  (opinião)  em  uma  proposição . Com base nessa idéia, e sob influência posterior de Wittgenstein, Schlick propôs que a eficiência da correspondência como sendo   uma evidência confirmadora da realidade do mundo das coisas dentro de um sistema contextual linguístico.

 

Com a leitura do Tractatus logico-phylosophicusde Wittgenstein permitiu ao grupo elevar ao máximo o alcance filosófico de uma nova lógica, possibilitando, assim, incorporá-la a uma interpretação empírica dos fundamentos do conhecimento. O objectivo do Círculo era desenvolver uma nova filosofia da ciência dentro de um espírito rigoroso, por intermédio de uma linguagem lógica, e fundamentar na lógica uma ciência empírico-formal da natureza empregando procedimentos lógicos e rigor científico.

 

O conhecimento científico no Círculo de Viena acreditava assentar sobre dois fundamentos seguros: a objectividade dos enunciados científicos, objectividade estabelecida pelas verificações empíricas, e a coerência lógica das teorias que se fundam nesses dados objectivos.

 

Com isso, fundamenta que a aventura que começou no Círculo de Viena tinham objectivo comum descredibilizar a Filosofia e Metafísica. Eles queriam que a filosofia, o pensamento, refletisse a imagem da ciência, isto é, que houvesse enunciados dotados de sentido, e que fossem baseados no que é observável e verificável. Concebiam a ciência como o modelo perfeito.

 

O estudo desse modelo levou-lhes a uma série de desventuras e desilusões. Pois, eles acreditavam ter encontrado o fundamento na ciência, o que culminou num projecto fracassado. Esqueceram que a filosofia sem ciência consiste num discurso vazio, por sua vez a ciência sem filosofia não seria justificada. Tal como se esquecerem que sem Metafísica o cientista torna-se ignorante para observar, explicar, compreender e se relacionar com a realidade.

 

O processo de elucidação da linguagem, defendido por Carnap torna o discurso científico apto para proporcionar uma visão rigorosa e sistemática do mundo, o que é feito através dos recursos semióticos que permitem a análise das três dimensões da linguagem: a) a sintácticab) a semântica; c) a pragmática. Os ditos positivistas lógicos deram maior importância à sintaxe e à semântica, em detrimento da pragmática. Desta forma, não é suficiente apenas verificar-se a validade sintáctica das proposições.

 

É necessário que haja uma correlação semântica entre o suporte material dos signos e os objectos significados. O valor de verdade surge com o atributo do enunciado e, assim, para os positivistas lógicos, não só se exige a boa formação da sintaxe frásica, mas também se conclui que os enunciados nverificáveis (critério utilizado para saber-se da verdade ou falsidade dos enunciados) não integram o discurso científico. Logo, o discurso metafísico, por inverificável ou impossível de ser empiricamente verificável, resta excluído do quadro do saber científico.

 

Carnap substituiu a noção de verificabilidade para a da confirmabilidade. Carnap chama de confirmabilidade aquelas sentenças capazes de indicar as observações não existentes na realidade, porém possíveis de serem confirmadas. Como ele mesmo coloca;




…quando chamamos uma sentença de confirmável, não quer dizer que ela exista realmente…O que nos interessa é a sua circunstância possível significativa que retrata a linguagem-coisa”. (CARNAP, 1980: 190)

 

A solução encontrada por Carnap, para estabelecer o princípio da confirmabilidade, consistiu na distinção entre as questões lógicas e empíricas através de método de teste observacional de hipóteses. Ele procurou provar que todas as sentenças devem ser compreendidas como sentenças confirmáveis das linguagens das coisas. Com essa distinção entre as questões lógicas empíricas, Carnap defendia uma concepção de ciência muito diferente da posição inicial da concepção lógica do mundo, de 1929, com a sua ideia de uma ciência unificada.

 

A principal contribuição de Carnap à filosofia da linguagem consistiu na criação de um sistema constitutivo de conceitos empíricos, ou seja, um conceito em que todos os enunciados (expressões linguísticas) seriam possíveis de verificação.

 

Otto Neurath foi crítico da concepção de ciência como experiência de constatações particulares. Sustenta que “os enunciados não são incorrigíveis, pois a única forma da linguagem de ciência seria a linguagem fisicalista intersubjetiva”(SAUER apud NAURATH, 1996: 802). Com base nas ideias de Neurath, Carnap propôs a substituição da tese fisicalista da testabilidade para a das regras de correspondência. Segundo as regras de correspondência, toda sentença sintética da linguagem científica quando devidamente analisada, deve fundamentar-se na experiência observacional que serve de base para outras sentenças, ainda que não confirmadas.

 

Não obstante, ao adoptar o princípio de correspondência entre leis teóricas (sentenças sintéticas) e o mundo, surge cada vez, o problema com as “regras de correspondências”. Como enfatiza:




…hoje os empiristas do círculo de viena concordam que alguns critérios anteriormente propostos eram muito restritos; hoje saibamos que estes requisitos são muitos fortes, pois as regras que unem as duas linguagens a teórica e o empírico (regras de correspondência) podem dar somente uma interpretação parcial da linguagem teórica” (CARNAP, 1980:204).

 

Como mostra a citação, os problemas aumentaram e as dificuldades de sua resolução também. As sentenças protocolares, verificáveis, sentenças de redução e regras de correspondência não teriam como garantir o significado à ciência. A linguagem empírica, a mesma empregada pelos empiristas lógicos, demonstrou extremamente insuficiente e pouco plausível. À crítica dos empiristas à filosofia tradicional parece entrar em crise, ameaçando colocar o empirismo lógico no mesmo nível da metafísica, já que as sentenças acima mencionadas não são conclusivas.

 

A concepção de ciência do empirismo lógico do Círculo de Viena, e consequentemente os embates teóricos que ocorrem no interior do Círculo ocupam um lugar especial na filosofia da ciência contemporânea. Apesar de se constituir uma corrente de pensamento extremamente diversificado, o que aproximam os empiristas entre si é a recusa da metafísica.

 

No seio da modernidade, as primeiras tentativas sobre a deslegitimação das ideias propostas por Descartes e aplicadas no Círculo de Viena foram dadas por Wittgenstein II na sua obra “Investigações Filosóficas”. Nessa obra, o filósofo abandona as concepções objectivas sobre o conhecimento expostas em outra sua obra intitulada “Tratado lógico filosófico”. Porém, propondo uma visão pluridimensional sobre o conhecimento, admitindo a convergência de diferentes tipos de saberes e aceitando a ideia de jogos de linguagem.

 

A esse debate pode se associar a ideia segunda a qual a ciência progride através do pluralismo metodológico, pois reconhece o valor de todos os saberes, tais como metafísico, mitológico, etc. Feyerabend zela pela igualdade de tratamento e de valorização entre o conhecimento científico e outras tradições (como magia ou astrologia).

 

Ainda neste fio de pensamento, se fundamenta que a ciência enquanto humanitária aceita que existarupturas, erros, revoluções,  e refutações para o progresso da ciência.  Portanto, torna-se evidente que buscar um método que lhe permite observar, analisar e explicar objectivamente a realidade exluí alguns saberes pertinentes que válida o conhecimento do próprio homem. Deste modo, Feyerabend fundamenta que não há uma única metodologia que possa ser dogmaticamente prescrita para a ciência e também não há uma única metodologia que tenha sido obedecida em todos os momentos da história da ciência. Entrentanto, diz que


A ciência é um empreendimento essencialmente anárquico, pois, o único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale” (FEYERABEND, 1977: 9).