1. Introdução

O terrorismo, definido amplamente como o uso sistemático da violência para criar medo e alcançar objectivos políticos, é um problema global que afecta várias regiões do mundo, incluindo Moçambique. Nos últimos anos, a província de Cabo Delgado, localizada no norte de Moçambique, tem sido palco de ataques terroristas que têm causado morte, deslocamento e insegurança entre a população local. Esses ataques são atribuídos a grupos que se identificam com movimentos jihadistas, trazendo à tona a complexidade e a gravidade do fenómeno do terrorismo no contexto moçambicano.

O estudo do terrorismo em Moçambique, especialmente na província de Cabo Delgado, é essencial para compreender as dinâmicas locais e internacionais que influenciam esse fenómeno. Nesse contexto, é necessário identificar as causas subjacentes e os factores que contribuem para a radicalização de indivíduos e grupos. Compreender essas questões pode ajudar na formulação de políticas públicas eficazes e na promoção de estratégias de prevenção e combate ao terrorismo, promovendo assim a segurança e o bem-estar das comunidades afectadas.

Objectivos

Geral: Analisar o fenómeno do terrorismo em Moçambique, com foco específico nos ataques em Cabo Delgado, suas causas e implicações.

Específicos:

  • Definir e discutir o conceito de terrorismo, incluindo suas diversas interpretações e elementos constitutivos;
  • Explicar a história do terrorismo e suas diferentes manifestações ao longo do tempo;
  • Examinar o contexto específico dos ataques terroristas em Cabo Delgado, identificando possíveis causas e motivações;
  • Apresentar hipóteses sobre a origem dos ataques terroristas em Cabo Delgado.

Metodologia

A metodologia deste trabalho baseia-se em uma pesquisa bibliográfica, utilizando fontes académicas, como livros, artigos científicos e relatórios de organizações especializadas em segurança e terrorismo. A análise de dados foi conduzida de forma qualitativa, buscando interpretar os fenómenos em seus contextos e culturas.

 

  1. Definição de Terrorismo

O fenómeno do terrorismo tem sido alvo de grandes debates por se tratar de um problema de segurança global. Do momento, este problema também tem afectado Moçambique. É um fenómeno que tem preocupado todos os que dele são vítimas, pois coloca em causa a dignidade humana. O conceito de terrorismo não tem uma única definição. Isso deve-se ao facto de ser um conceito que muitas vezes sofre juízos de valores quando aplicado ao contexto circunstancial.

Como ponto de partida para compreender o conceito de terrorismo, fazemos uma análise etimológica. Etimilogicamente, o termo terrorismo deriva do latim terrere que significa “assustar” ou “tremer”. Neste sentido, terrorismo é o acto de criar pavor ou pânico.

O pesquisador espanhol denominado Jesús (2020, p. 14) apresenta-nos várias vertentes de definição do terrorismo. Ele afirma que a Real Academia Espanhola de Línguas define o terrorismo como uma sucessão de actos de violência executados para criar terror em suas vítimas. Para além disso, pode ser entendido como uma maneira que determinados grupos organizados têm de actuar com o objectivo de chamar a atenção da sociedade, com uma finalidade política. De outro lado, Jesús (2020, p. 14) afirma que a Enciclopédia britância define o terrorismo como o uso sistemático da violência com a finalidade de criar medo e, desta forma, conseguir determinado objectivo político.

Segundo o Dicionário de Oxford, o terrorismo é o uso da violência não autorizada para o alcance de objectivos políticos. Na visão de Sitoe (2019, p. 5), o terrorismo pode ser entendido como um acto violento ou de violência que pode ser orquestrado por indivíduos, por grupos organizados e até mesmo pelo Estado contra civis, mas com tendência a atingir vítimas maiores, com um objectivo político determinado.

  1. Elementos fundamentais na definição de terrorismo

Segundo Visacro (2009, p. 285), podemos analisar o acto de terror elencando os seus elementos constitutivos, a saber: agente perpetrador, clandestinidade, violência, alvo primário, publicidade, público alvo, meta psicológica.

  • A violência contra um alvo. Todo o acto terrorista é violento, mas isso não quer dizer que toda a violência é sinónimo de terrorismo. Esta violência pode ser cometida por indivíduos, ou grupos organizados ou pelo Estado. E sempre ocorre contra um alvo que pode ser um indivíduo, um Estado, civis, militares, etc.;
  • O objectivo. O terrorista tem sempre uma meta por atingir. Essa meta desemboca na mudança de comportamento de outrem com o uso da violência;
  • A imposição. A ideia do terrorista é sempre impor algo ao seu semelhante com o uso da força violenta;
  • A publicidade. O acto terrorista sempre deve ser tornado público, pois o objectivo deste é mudar a percepção do outro com relação a uma determinada realidade.

A partir destes elementos que compõem o acto terrorista, pode-se entender o terrorismo como sendo um acto de violência perpetrado por determinados indivíduos ou grupos que recorrem ao uso da violência para procurar incutir no público alvo uma mudança de comportamento. A ideia do terrorista é trazer algum tipo de mudança usando a violência e criando pânico.

  1. Breve história do terrorismo

O termo “terrorismo” surge originariamente com uma conotação positiva, e não negativa, como pretende-se conotá-lo nos dias actuais. González (2019, p. 28) afirma que o termo terrorismo pode ser aplicado a variadas situações ao longo da história, pois apresenta-se sob muitos aspectos. Todavia, a origem deste termo remonta à Revolução Francesa.

“Terrorismo” é um nome que os jacobinos utilizavam para referirem a si mesmos aquando das perseguições e sentenças de morte na guilhotina por eles levadas a cabo. Ao longo do desenvolvimento epocal, o termo passou a assumir várias formas, nomeadamente: revolucionária, nacionalista, estatal e organizacional (González, 2019).

Na primeira forma, o terrorismo manifesta-se como uma revolução contra uma forma de exploração ou de reivindicação de algum direito. O terrorismo nacionalista manifesta-se a partir do desejo de criar, dentro de um Estado, um outro Estado; pode-se tomar como exemplo o grupo separatista ETA na Espanha.

O terrorismo de Estado é praticado pelos Estados em duas vertentes: ou contra as suas próprias populações ou contra a população estrangeira através de várias maneiras, como por exemplo a xenofobia. Por fim, o terrorismo organizacional, que se refere a organizações que procuram praticar a violência com fins económicos  ou religiosos, como por exemplo a Al-Qaeda (González, 2019).

Conforme temos argumentado, o terrorismo pode assumir várias formas, dependendo do objectivo que o conduz; ou seja, é a finalidade que vai determinar o tipo de terrorismo.

  1. O terrorismo em Cabo Delgado

Os ataques terroristas em Cabo Delgado, especialmente na Mocímboa da Praia, datam de 5 de Outrubro de 2017. Todavia, antes deste acontecimento já era possível verificar atitudes que tendiam ao terrorismo. Macalane & Jafar (2021, p. 130) afirmam que, de acordo com os primeiros estudos realizados sobre o assunto, os sinais do surgimento de grupos com ideias terroristas começaram a fazer-se sentir nos finais de 2015, através da manifestação de desrespeito de um número crescente de jovens muçulmanos a outros também muçulmanos.

Esse grupo de jovens, segundo os relatos apresentados pelos autores, entravam em mesquitas de sapatos e traziam armas brancas. Os líderes religiosos locais, ao se depararem com esse tipo de postura, como forma de reagir, rejeitaram esses jovens. Neste sentido, os jovens sentiram-se excluídos e começaram a construir suas próprias mesquitas. Porém, mais do que edificar mesquitas, criavam em si mesmos sentimentos de discórdia e insatisfação com relação aos modos modernos de lidar com a vida, ou seja, não compactuavam com a ideia de um Estado laico, nem mesmo com a educação escolar, etc. Com efeito, a população passou a denominá-los Al-Shabaab (Macalane & Jafar, 2021, p. 130).

Esses grupos têm se alastrado inclusive nos dias actuais, tendo ampliado o raio de acção para outros distritos do Norte da Província de Cabo Delgado, como: Macomia, Quissanga, Muidumbe, Nangade e Palma. O grupo de terroristas que atacou Cabo Delgado identifica-se como sendo islâmico e sob a denominação de Ansar Al-Sunna. Todavia, devemos averiguar se de facto o terrorismo que este grupo está a realizar é de carácter fundamentalista islâmico ou se usa um outro tipo de fundamentalismo.

  • Possíveis causas

Os autores que pesquisaram acerca do terrorismo em Cabo Delgado apontam para várias possíveis causas do fenómeno naquela região. A causa principal para a qual apontam é o fundamentalismo religioso de carácter islâmico. Neste sentido, Feijó (2020) afirma que as assimetrias sociais existentes naquela província podem contribuir para que os jovens locais adiram a grupos terroristas. Esta é a realidade de Cabo Delgado, pois nem todos têm acesso às mesmas oportunidades, o que pode gerar uma insatisfação por parte dos jovens locais.

Outra causa que é recorrente é a mencionada por Pinheiro apud Macalane & Jafar (2021, p. 132): liberdade e tolerância. Moçambique é um Estado laico e, por isso, promove a abertura a várias confissões religiosas dentro dos termos da lei. Esta liberdade e tolerância que apresenta em relação às religiõès faz com que haja formação de grupos religiosos com tendências violentas.

Outros autores, como Chongo (2020, p. 12), apontam para a descoberta dos jazigos de gás natural; a insatisfação das comunidades locais em relação às riquezas; a má gestão desses recursos naturais; a marginalização de jovens locais e sua instrumentalização; a não satisfação das necessidades básicas, como sendo algumas causas não imediatas do terrorismo em Cabo Delgado. Para este autor, a causa imediata seria o grupo jihadista que procura impor a sua doutrina ou lei muçulmana que é contra o Estado laico, o modo de vida da população e sobretudo da população muçulmana.

  • Algumas hipóteses sobre a origem dos ataques

Para nós, algumas das hipóteses mais soantes sobre a origem dos ataques terroristas em Cabo Delgado são:

 

  1. Descoberta dos jazigos de gás-natural

Com a descoberta dos jazigos de gás, várias coisas sucederam: o governo expulsou os jovens garimpeiros que se encontravam a desenvolver essa actividade para a sua renda mensal e não deu apoio significativo a esses jovens; várias empresas multinacionais começaram a se interessar por Moçambique; alguns países começaram a sentir-se insatisfeitos com essa descoberta, dado que implicaria a independência económica do país, entre outras coisas.

 

  1. Proliferação de multinacionais em projectos de exploração de recursos naturais

Com a descoberta do gás natural, as multinacionais se proliferaram cada vez mais, pois ganharam mais interesse por Moçambique; como forma de ilustrar isso, pode-se verificar que há mais de 5 multinacionais de países diferentes que estão a trabalhar no processo de exploração dos recursos naturais em Cabo Delgado, tais como: como: TOTAL (França), ONGC (Índia), PTTEP (Tailândia), CNPC (China), KOGAS (Coreia do Sul),  Eni (Itália), Exxon Mobil (EUA), Mitsui e Compaby (Japão), Galp (Portugal), entre outras empresas.

O aumento massivo das multinacionais mostra que há muitas concorrência por parte das empresas em conseguir um lugar nesse projecto de exploração e, aliado a isso, qualquer uma dessas multinacionais pode estar interessada em causar terror para poder ganhar esse espaço.

 

  1. Interesse externo pela não independência económica de Moçambique

Moçambique é um país que alcançou a sua independência a menos de meio século, e que ainda não é economicamente independente devido a vários motivos, dentre os quais os escândalos de corrupção. Neste âmbito, nem todos os financiadores deste país estão satisfeitos com a possibilidade de Moçambique sair dessa dependência.

Com a descoberta do gás natural, as chances de Moçambique sair da dependência externa aumentaram de maneira significativa. Entretanto, nem todos estão satisfeitos com esta possibilidade, o que pode servir de motivo para que armem um terrorismo com vista a retardar cada vez mais o desenvolvimento do país. Essas são algumas hipóteses que encontramos para esse fenómeno. Todavia, concluímos que o fundamentalismo religioso não é uma das causas do terrorismo em Cabo Delgado.

Conclusão

Este estudo analisou o terrorismo a partir de suas diversas definições, elementos constitutivos, manifestações históricas e o contexto específico dos ataques em Cabo Delgado. A partir da análise etimológica e conceitual, verificou-se que o terrorismo é um acto de violência deliberada, com o objectivo de incutir medo e alcançar objectivos políticos, frequentemente praticado por indivíduos, grupos organizados ou até mesmo estados.

No contexto de Cabo Delgado, identificamos que os ataques terroristas têm raízes em múltiplos factores, incluindo fundamentalismo religioso, desigualdades socio-económicas, marginalização de jovens, e a exploração de recursos naturais por multinacionais.

O trabalho também identificou possíveis hipóteses sobre as causas dos ataques em Cabo Delgado, tais como a descoberta de jazigos de gás natural, a proliferação de multinacionais interessadas na exploração desses recursos, e interesses externos que podem estar contrariados com a potencial independência económica de Moçambique.

É crucial destacar que o fundamentalismo religioso, embora frequentemente mencionado, não é a única causa do terrorismo em Cabo Delgado. As assimetrias sociais, a má gestão de recursos naturais, a marginalização de populações locais e a falta de oportunidades para os jovens são factores igualmente importantes que contribuem para o ambiente de insatisfação e radicalização.

Para enfrentar o terrorismo de maneira eficaz, consideramos que é necessário um esforço coordenado que envolva o governo moçambicano, organizações não governamentais e a própria população local. Medidas devem ser tomadas para promover a inclusão social, melhorar a gestão dos recursos naturais e oferecer oportunidades de desenvolvimento económico para as comunidades afectadas. Também, um dos pontos que achamos ser de crucial importância é investir em programas de desradicalização e de fortalecimento das instituições de segurança para garantir a protecção dos cidadãos e a estabilidade da região.

 Referências bibliográficas

Chongo, D. M. L. (2020). Epicenntro da instabilidade: lições e mecanismos de inversão do conflito em Moçambique. Maputo: [s.n.].

Feijó, J. (2020). Assimetrias sociais: pistas para entender o alastramento do jihadismo islâmico em Cabo Delgado. Rio de Janeiro: Friedrich Ebert Stifung.

González, W. P. (2019). El concepto de terrorismo. Salamanca: FioCruz.

Jesús, C. E. (2020). Terrorismo y relaciones internacionales. Madrid: Uned.

Macalane, G. L., & Jafar, J. S. (2021). Ataques terroristas em Cabo Delgado (2017- 2020): as causas do fenómeno pela boca da população da Mocímboa da Praia. Pemba: Universidade Rovuma.

Sitoe, R. (2019). Terrorismo em Moçambique? Que soluções de políticas: um olhar aos ataques de Mocímboa da praia. Maputo: RMEI.

Visacro, A. (2009). Guerra irregular: terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história. São Paulo: Contexto.