TRANSPOSIÇÃO DIDÁCTICA NA AULA DE MATEMÁTICA
Transposição didáctica é a “transformação de objetos de conhecimento em objetos de ensino e aprendizagem” (Polidoro & Stigar, 2010, p. 2). Assim, assinala-se uma distinção entre o saber académico, que lida com “objectos de conhecimento”, isto é, científicos, e, por outro lado, o saber escolar, focado no ensino e aprendizagem.
Conforme ponta Halté,
o próprio termo “transposição” comporta a ideia de que se toma aqui para colocar lá, e que, extraindo o saber do seu contexto original, descontextualizando-o e depois o colocando num outro contexto, recontextualizando-o, mudamos o seu sentido e o seu valor (Halté, 2008, p. 119).
Para Alkimim & Paiva (2012, p. 41), a transposição ocorre quando o professor selecciona e adapta o conteúdo proposto pelo currículo de acordo com sua própria interpretação do que é relevante, visando desenvolver as competências delineadas em sua abordagem pedagógica. Isso implica que certos aspectos ou temas podem receber maior ênfase, enquanto outros podem ser minimizados, resultando em uma organização e apresentação específica dos conteúdos, que podem incluir textos, gráficos e outras representações pertinentes.
Em primeiro lugar, a transposição didáctica “não deteriora o saber escolar frente ao saber sábio, mas favorece o reconhecimento de especificidades do saber matemático escolar, situando-o dentro de um contexto próprio, com demandas e tratamentos específicos” (Pereira, Paiva & Freitas, 2018, p. 44). Ela traduz conceitos abstractos em exemplos concretos e contextualizados, tornando a matemática mais tangível e aplicável à vida cotidiana.
Outro objectivo da transposição didáctica é que ela busca promover o desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade de resolver problemas, habilidades essenciais não apenas na matemática, mas em diversas áreas da vida (Polidoro & Stigar, 2010, p. 3).
Outro objectivo importante é incentivar a autonomia dos alunos, encorajando-os a explorar e questionar o conhecimento, em vez de simplesmente absorvê-lo passivamente, o que implica em criar ambientes de aprendizagem que estimulem a curiosidade e o engajamento dos estudantes (Polidoro & Stigar, 2010, p. 3).
As características da transposição didáctica são simplificação, contextualização e adaptação dos conceitos matemáticos para atender às necessidades e capacidades dos alunos (Pereira, Paiva & Freitas, 2018, p. 44).
A transposição didáctica também implica na escolha adequada de estratégias de ensino, materiais didácticos e abordagens pedagógicas que facilitem a aprendizagem e promovam o desenvolvimento do pensamento matemático dos estudantes (Alkimim & Paiva, 2012, p. 42).
As etapas da transposição didáctica no contexto da aula de matemática ocorrem por meio de oito processos distintos, porém sequenciados. Esses processos são:
a epistemologia do regime didáctico do saber, a noosfera, as criações didácticas, a vigilância epistemológica, a desincretização do saber, a despersonalização do saber, a programabilidade do saber, a publicidade do saber, o controle social das aprendizagens, a dialética antigo/novo, a obsolescência externa e interna, a cronogênese e a topogênese (Pereira, Paiva & Freitas, 2018, p. 44).
- A epistemologia do regime didáctico do saber envolve a compreensão das diferentes formas de conhecimento matemático, como as noções matemáticas, paramatemáticas e protomatemáticas. As noções matemáticas são os próprios conteúdos de saber, enquanto as paramatemáticas são ferramentas auxiliares e as protomatemáticas são capacidades de análise e criação. Isso é essencial para entender a natureza do conhecimento a ser ensinado.
- Segundo Chevallard (1991, p. 16), a noosfera, ambiente crucial para interacções entre sistema de ensino, professores, alunos e sociedade, molda práticas pedagógicas e o currículo. Pais (2015, p. 17) destaca criações didácticas como adaptações do conhecimento científico para contexto escolar, exigindo vigilância epistemológica para preservar fidelidade ao saber original.
- Desincretização e despersonalização organizam e desvinculam teoria de autores, enquanto programabilidade e publicidade do saber estabelecem sequência didáctica e explicitam conteúdos a ensinar.
- O controle social das aprendizagens garante adequação do conhecimento transmitido aos padrões educacionais. Chavellard (1991, p. 81) destaca na dialéctica do antigo/novo a mediação do professor na relação entre conhecimento prévio dos alunos e novos conceitos.
- Obsolescência interna e externa afectam ciclos de ensino, enquanto cronogênese e topogênese delineiam programação temporal e domínio do objetco de saber (Pereira, Paiva & Freitas, 2018, p. 47).
Neste ponto iremos planificar uma aula com base na transposição didáctica. Primeiro apresentamos o tema e formulamos os objectivos da aula.
Tema: Introdução ao Teorema de Pitágoras.
Objectivos da aula:
- Compreender e aplicar o Teorema de Pitágoras em situações do cotidiano.
- Resolver problemas que envolvam o cálculo de medidas em triângulos retângulos.
- Estimular o pensamento crítico e a resolução de problemas através do teorema.
De seguida, planificamos a transposição didáctica da seguinte maneira:
- Selecção dos conteúdos:
- Introdução do teorema de Pitágoras:
- Aplicação do teorema em diferentes contextos, como medidas de terrenos, distâncias entre pontos e construção de estruturas.
- Adaptação do conteúdo:
- Utilização de exemplos práticos do cotidiano, como o cálculo da diagonal de uma tela de TV ou a altura de um poste.
- Demonstração visual do teorema através de modelos geométricos ou ilustrações.
- Metodologia de ensino:
- Início da aula com uma explicação teórica do Teorema de Pitágoras, destacando sua importância e aplicabilidade.
- Apresentação de problemas que exijam a aplicação do teorema, permitindo que os alunos desenvolvam estratégias para sua resolução.
- Utilização de actividades práticas, como a medição de distâncias em mapas ou a construção de maquetes, para demonstrar a aplicação do teorema em situações reais.
- Avaliação:
- Avaliação contínua durante a resolução de problemas em sala de aula, observando a compreensão dos alunos e sua capacidade de aplicar o teorema.
- Realização de exercícios de fixação para verificar o domínio do teorema pelos alunos.
- Feedback individualizado para corrigir erros e reforçar conceitos importantes.
Exemplo prático:
Durante a aula, os alunos são desafiados e incentivados a calcular a distância entre dois pontos em um mapa utilizando o Teorema de Pitágoras. Eles identificam os pontos no mapa, determinam as coordenadas e, em seguida, aplicam o teorema para encontrar a distância entre eles. Esse exemplo prático serve para mostrar como o teorema pode ser utilizado em situações do cotidiano, tornando-o mais tangível e relevante para o contexto de vida dos alunos, satisfazendo assim as características de um ensino baseado na transposição didáctica.
Conclusão
A transposição didáctica emerge como uma ferramenta essencial na educação matemática, permitindo a tradução dos conceitos abstractos da matemática em formas tangíveis e contextualizadas, tornando-os mais acessíveis aos alunos. Através da selecção criteriosa de conteúdos, adaptação de metodologias e apresentação de exemplos práticos, os professores podem promover uma compreensão mais profunda e significativa dos conceitos matemáticos, estimulando o pensamento crítico e a resolução de problemas.
Com o desenrolar do trabalho constatou-se que a transposição didáctica contribui para o desenvolvimento da autonomia dos alunos, incentivando-os a explorar e questionar o conhecimento matemático, em vez de simplesmente absorvê-lo passivamente. Ao criar ambientes de aprendizagem que estimulem a curiosidade e o engajamento dos estudantes, os professores podem promover uma abordagem mais activa e participativa no processo de ensino e aprendizagem da matemática.
Portanto, concluímos que é fundamental que os professores estejam cientes dos princípios e estratégias da transposição didáctica e incorporem-nos em sua prática pedagógica. Ao fazê-lo, estarão não apenas a facilitar a compreensão dos conceitos matemáticos, mas também a capacitar os alunos com as habilidades necessárias para enfrentar os desafios da vida cotidiana e do mundo contemporâneo.
Referências bibliográficas
Alkimim & Paiva (2012). Transposição Didática e o Conceito de Função. Revista Eletrônica Debates em Educação Científica e Tecnológica, v. 2., n.2., pp. 39-51.
Pais, L. C. (2015). Transposição Didática. In: “Educação Matemática Uma (nova) introdução”. S. D. Machado (Org.). 3ª ed. São Paulo: EDUC.
Chavellard, Y. (1991). La tranposición didáctica: Del saber sabio al saber enseñado. Claudia Gilman (Trad.). Buenos Aires: Aique.
Polidoro, L. F.; & Stigar, R. (2010). A transposição didática: a passagem do saber científico para o saber escolar. Ciberteologia – Revista de Teologia e Cultura, v. 6., n. 27., pp. 1-7.
Pereira, R. C.; Paiva, M. A.; & Freitas, R. C. (2018). A transposição didática na perspectiva do saber e da formação do professor de matemática. Revista Educação Matemática Pesquisa, v.20, n.1, pp. 041-060.
Halté, J. F. (2008). O espaço didático e a transposição. Fórum Lingüístico, v. 5., n.2, pp. 117-139.