Transposição Didáctica na Aula de Matemática
Para entender o que é a transposição didáctica, primeiro é necessário entender de antemão que
um conteúdo de saber que foi designado como saber a ser ensinado sofre a partir de então um conjunto de transformações adaptativas que o tornarão apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O “trabalho” que transforma um objeto de saber a ser ensinado em um objeto de ensino é denominado transposição didática (Chevallard, 2000, p. 45).
A definição supracitada pode ser esquematizada pelo seguinte diagrama:
Figura 1. Esquema da definição da Transposição Didáctica.
Fonte: (Pereira, Paiva & Freitas, 2018, p. 44).
Chevallard (2000, p. 46) explica esse esquema com o seguinte exemplo:
- A noção de distância (entre dois pontos) é utilizada espontaneamente “desde sempre”;
- O conceito matemático de distância é introduzido em 1906 por Maurice Fréchet, tornando-se objecto de conhecimento matemático;
- No primeiro ciclo do ensino secundário francês, a noção de distância em matemática, derivada da definição de Fréchet, aparece em 1971 no programa da classe do quarto ano, tornando-se objecto a ser ensinado;
- Seu tratamento didáctico varia ao longo dos anos a partir de sua designação como objecto a ser ensinado: até hoje esse “trabalho” de transposição continua.
Segundo Sousa & Freitas (2016, p. 28), um dos principais objectivos contidos neste processo de transposição didáctica é que com essa transição promove a descontextualização académico-científica e a recontextualização educacional. Brito et al. acrescentam que, enquanto o objectivo do saber científico é “satisfazer as necessidades científicas, [...] o propósito [da transposição didáctica] é que os professores lecionem e os alunos aprendam” (Brito et al., 2023, p. 187).
Uma das características da transposição didáctica reside nas suas fontes: a história das ciências. Embora tenha essas conexões com a ciência, a transposição didáctica mantém “suas características próprias. A noção de transposição estuda a seleção que ocorre através de uma extensa rede de influências, envolvendo diversos segmentos do sistema educacional” (Pais, 2005, p. 19).
Figura 2. Diagrama dos processos da transposição didáctica.
Fonte: Elaboração própria.
Chevallard (2000, p. 57) concebe duas principais fases da transposição didáctica: externa e interna.
Na primeira fase, a transposição externa, trata-se da transformação do conhecimento académico em “conhecimento ensinável”. Aqui, académicos, desenvolvedores de currículo e designers instrucionais pegam conhecimento académico complexo e o transformam em um formato que pode ser incluído em livros didácticos, planos de aula e outros materiais de ensino. Esse processo envolve:
- Desmembrar conceitos complexos em elementos menores e mais gerenciáveis.
- Seleccionar e priorizar conceitos que são mais relevantes para a idade e estágio de desenvolvimento dos aprendizes.
- Introduzir uma ordem ou sequência específica para apresentar o conhecimento.
- Escolher uma linguagem apropriada que seja clara e compreensível para o público-alvo.
- Desenvolver actividades de aprendizagem e avaliações que ajudarão os alunos a entender e aplicar o conhecimento.
Esta etapa se concentra na transformação do “conhecimento ensinado” em “conhecimento aprendido” pelo professor no ambiente da sala de aula (ver Figura 2). Aqui, os professores pegam os materiais do currículo e os planos de aula e os adaptam ainda mais para atender às necessidades e interesses específicos de seus alunos. Esse processo envolve:
- Utilizar diferentes métodos de ensino e estratégias instrucionais para atender a diferentes estilos de aprendizagem.
- Fornecer exemplos e aplicações do conhecimento no mundo real para torná-lo mais relevante e envolvente para os alunos.
- Ajustar o ritmo e a dificuldade da instrução com base no nível de compreensão dos alunos.
- Abordar concepções errôneas dos alunos e esclarecer pontos confusos.
- Estimular a participação dos alunos por meio de discussões, perguntas e actividades.
Disciplina: Matemática – 7ª Classe
Objectivo de aprendizagem: Os alunos compreenderão as propriedades básicas dos triângulos, como classificação, ângulos internos e externos, soma dos ângulos internos, congruência e semelhança.
Etapa 1: Transposição externa
Nesta etapa será introduzido gradualmente o conhecimento científico sobre os triângulos, abordando seus diferentes tipos e propriedades básicas. Utilizaremos recursos visuais, como imagens e diagramas, para facilitar a compreensão dos alunos, além de proporcionar actividades práticas para que possam explorar essas propriedades por si próprios. Os materiais didácticos incluem uma apresentação interactiva, figuras geométricas recortadas, um geoplano e uma folha de exercícios com problemas sobre classificação, ângulos e congruência de triângulos.
Etapa 2: Transposição Interna
Nesta etapa o professor iniciará com uma revisão sobre polígonos e suas propriedades antes de apresentar os diferentes tipos de triângulos e suas características. Os alunos participarão de actividades práticas, como identificar tipos de triângulos com figuras recortadas e construir triângulos no geoplano. A revisão e avaliação serão feitas por meio da resolução de exercícios na folha de trabalho.
Adaptando-se às necessidades dos alunos, diferentes níveis de dificuldade serão oferecidos nas actividades, com desafios extras para alunos mais avançados. Recursos visuais e manipuláveis serão utilizados para auxiliar alunos com dificuldades de aprendizagem, enquanto actividades em grupo serão incentivadas para promover a colaboração entre os alunos.
Para avaliação, serão observadas a participação dos alunos nas actividades e discussões, além da análise dos exercícios resolvidos para avaliar a compreensão dos conceitos e a capacidade de resolução de problemas.
Por meio destas etapas da transposição didáctica, espera-se que os alunos desenvolvam uma compreensão mais consolidada sobre as propriedades dos triângulos, utilizando uma variedade de metodologias de ensino que atendam a diferentes estilos de aprendizagem e permitam avaliação individual e em grupo para garantir o aprendizado eficaz.
Conclusão
No fim deste trabalho percebemos que ao desempenhar um papel crucial na transformação do conteúdo complexo em formatos acessíveis, a transposição didáctica oferece uma abordagem flexível e adaptável para educadores, que podem ajustar o currículo e os planos de aula para atender às necessidades individuais dos alunos.
Ao longo do trabalho foi dado um exemplo de planificação que ilustra a aplicação prática desses conceitos, visando promover uma compreensão sólida das propriedades geométricas enquanto oferece oportunidades para avaliação contínua.
Por fim, percebemos que a transposição didáctica é fundamental para o sucesso dos alunos na aprendizagem da matemática, contribuindo para o desenvolvimento de competências sólidas nessa área.
Referências bibliográficas
Brito, J. W., et al. (2023). O uso da transposição didática na formação de docentes e no ensino da Matemática: Um ensaio à luz da revisão bibliográfica. In: “Reflexões sobre o Ensino e a Educação”. Kochhann, A.; & Souza, J. O. (Orgs.). Campina Grande: Licuri, pp. 185-192.
Chavellard, Y. (2000). La tranposición didáctica: Del saber sabio al saber enseñado. Claudia Gilman (Trad.). Buenos Aires: Aique.
Pais, L. C. (2005). Didáctica da matemática: Uma análise da influência francesa. 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica.
Pereira, R. C.; Paiva, M. A.; & Freitas, R. C. (2018). A transposição didática na perspectiva do saber e da formação do professor de matemática. Revista Educação Matemática Pesquisa, v.20, n.1, pp. 041-060.
Souza, E. S.; & Farias, L. M. (2016). A calculadora padrão e o trabalho dos professores de matemática em formação: Uma análise à luz das teorias da didática da matemática. In: “Contribuições da didática da matemática para a prática dos professores”. A. S. Neves, E. F. Carvalho, L. M. Farias & M. A. Campos (Orgs.). Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia.