Por: L. Pearce Williams

"Eu gostaria de fazer ura rapidíssimo comentário sobre a divergência entre Kuhn e Popper a respeito da natureza essencial da ciência e a gênese das revoluções científicas. Se bem entendi o pensamento de Sir Karl Popper, a ciência se acha, de um modo básico e constante, potencialmente à beira da revolução. Basta que uma refutação seja bastante grande para constituir uma revolução dessa ordem. Sustenta o Professor Kuhn, por outro lado, que a maior parte do tempo dedicado ao exercício da ciência é o que ele denomina ciência “normal” — isto é, solucionamento de problemas ou resolução de cadeias de argumentos implícitos em trabalhos anteriores. Nessas condições, uma revolução científica, para Kuhn, leva muito tempo para ser construída e só ocorre de tempos em tempos porque a maioria das pessoas não tenta refutar as teorias vigentes. Ambos os lados apresentaram suas posições com detalhes consideráveis, mas a mim me parece haver uma brecha muito importante nas duas teorias. É simplesmente esta: como sabemos de que trata a ciência? A pergunta talvez soe surpreendentemente ingênua, mas tentarei justificá-la.

Há, essencialmente, duas maneiras respeitáveis de responder à pergunta. Uma é sociológica; a comunidade científica pode ser tratada como qualquer outra comunidade e está sujeita à análise sociológica. Note-se que isso “pode” ser feito, mas ainda não o foi. Para dizê-lo de outro modo, a maior parte da atividade científica pode ser dirigida para a refutação ou para a “solução do problema”, mas não sabemos se o é ou não. A propósito direi que não estou impressionado com a observação da Srta. Masterman segundo a qual o paradigma é ansiosamente apreendido pelos pesquisadores em campos como a ciência dos computadores e as ciências sociais. Afinal de contas, a imagem do homem que se afoga e do pedacinho de palha é familiar. Não acredito que o Dr. Kuhn tencionasse restringir sua análise às ciências embrionárias e estou interessado em saber o que os praticantes das ciências naturais acreditam estar fazendo. Repetindo, acontece simplesmente que não temos essa informação. As dificuldades para compilá-la são enormes. Desejamos apenas uma amostra quantitativa? O que a maioria dos cientistas faz é de fato pertinente ao que constitui a ciência a longo prazo? Pesamos a opinião, digamos, de Peter Debye da mesma maneira que a de um homem que mede acuradamente amostragens nucleares? Não sou sociólogo, mas creio que enfocar o problema através da sociologia seria seguir um caminho espinhoso.

Entretanto, deveria notar-se que tanto Kuhn quanto Popper baseiam seus sistemas (no caso de Kuhn) no que os cientistas fazem (sem nenhuma prova sólida de que fazem ciência dessa maneira) ou (no caso de Popper) no que deviam fazer (com pouquíssimos exemplos para persuadir-nos de que isso está certo). Tanto Kuhn quanto Popper realmente baseiam suas concepções da estrutura da ciência na sua história e o ponto principal de minhas observações é que a história da ciência não pode suportar essa carga por ora. Simplesmente não sabemos o suficiente para permitir que se erija uma estrutura filosófica sobre uma base histórica. Por exemplo, não pode haver melhor ilustração da “ciência normal” do que as pesquisas experimentais levadas a efeito por Michael Faraday no terreno da eletricidade na década de 1830. Começando com a descoberta “acidental” da indução eletromagnética em 1831, cada novo passo parecia provir claramente do anterior. Aqui estava a solução-de-problemas mais evidente possível. Esse é o ponto de vista tradicional de Faraday, mestre experimentador, que, a crermos em Tyndall, ou mesmo em Thompson, nunca teve uma idéia teórica em sua vida. Entretanto, assim que passamos dos escritos publicados para o Diário, as notas e as cartas manuscritas, vemos surgir um estranho Faraday. Desde 1821 ele estava testando hipóteses fundamentais sobre a natureza da matéria e da força. Quantos cientistas “normais” (tais como se definem pelos seus escritos publicados) são, no fundo, realmente revolucionários? Espera-se que, um dia, a história da ciência seja capaz de responder a isso, mas, por enquanto, ninguém pode dizer.

Antes que os seguidores de Popper, fiquem demasiadamente satisfeitos eu gostaria de erguer diante deles o espectro da história da espectroscopia entre os anos de 1870 e 1900. Creio que se pode com toda justiça descrever esse período como um período de levantamento cartográfico, em que os espectros dos elementos eram descritos com precisão cada vez maior. Aqui se processa uma pequena e precisa “refutação” e, não obstante, seria difícil negar a Angstrõm o título de cientista. Nem se deveria esquecer que um dos “soluciona- dores de problemas” mais bem-sucedidos da história da ciência foi Max Planck, que se distinguiu também como um dos revolucionários mais relutantes de todos os tempos.

Como historiador, portanto, cumpre-me ver tanto Popper quanto Kuhn com um olho mais ou menos deformado. Ambos ventilaram questões de importância fundamental; ambos forneceram visões profundas da natureza da ciência; mas nenhum reuniu provas sólidas bastantes para levar-me a crer que a essência da busca científica foi capturada. Continuarei a usar os dois como guias nas minhas pesquisas, tendo sempre em mente a observação de Lorde Boling- broke de que “a história é o ensino da filosofia pelo exemplo”. Precisamos de um número muito maior de exemplos".

Por: L. Pearce Williams



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