Racionalidade instrumental e racionalidade comunicativa


O presente trabalho tem como tema “Racionalidade instrumental e racionalidade comunicativa”. O tema enquadra-se no contexto do debate da disciplina de ‘filosofia da linguagem’; sendo um capítulo que merece um destaque porque traz subsídios sobre que tipo de linguagem é usada na acção guiada para um fim egocêntrico e na acção guiada para o entendimento. E que estas duas formas de acção valem-se da linguagem para alcançar o sucesso.

A racionalidade instrumental ou teoria do agir estratégico é aquela orientada para o êxito, em que o agente calcula os melhores meios para atingir fins determinado previamente. Esse tipo de acção é dirigidas a dominação da natureza e a organização da sociedade que visam à produção das condições materiais da vida e que permitem a coordenação das acções, isto é, possibilitam a reprodução material da sociedade. A racionalidade comunicativa, por sua vez, é aquela acção orientado para o entendimento mútuo e não para a manipulação de objectos e pessoas no mundo em vista da reprodução material da vida. A acção orientada para o entendimento é aquela que permite a reprodução simbólica da sociedade. Dentro deste contexto, que tipo de linguagem é usada na formulação ou fundamentação destas acções?

O trabalho visa fundamentalmente compreender as noções de racionalidade instrumental e racionalidade comunicativa na visão de Jürgen Habermas. E ainda, definir os pressupostos da duas acções; diferenciar a racionalidade instrumental da racionalidade comunicativa e descrever as críticas que a racionalidade comunicativa cera à racionalidade instrumental.

A fundamentação teórica baseia-se nas obras de Habermas, onde aborda estes dois conceitos como sendo formas que o homem usa para alcançar suas metas, com ou sem mediação com o outro.

A acção estratégica é aquela orientada […] para as consequências do seu agir. O agir comunicativo é quando os atores tratam de harmonizar internamente seus planos de acção […] sob a condição de um acordo existente” (HABERMAS, 1989: 164).


Para a realização do trabalho, usou-se o método hermenêutico-bibliográfico, que consistiu na leitura das obras de Habermas e de outros pensadores que tratam do mesmo assunto em debate.

O trabalho tem a seguinte estrutura: definição dos conceitos racionalidade instrumental e racionalidade comunicativa; pressupostos da acção comunicativa: falar versus agir; a teoria da razão comunicativa no entrave do agir estratégica; a razão comunicativa enquanto validade discursiva; a racionalidade comunicativa como crítica da racionalidade instrumental.

Definição dos conceitos


O problema da racionalidade comunicativa e racionalidade instrumental começa a ser debatido na escola de Frankfurt, concretamente com Adorno e Horkheimer (2006). E uma vez que Habermas fora o herdeiro, então segundo Migues (2007: 249), ele pretende recuperar o potencial emancipador e universalista do projecto civilizacional da Modernidade e mostrar que a razão instrumental não tem o papel totalmente dominante nas sociedades contemporâneas que as críticas pessimistas lhe atribuem. Sendo assim, podemos levantar a seguinte problemática: até que ponto a racionalidade constitui um elemento preponderante  na linguagem?

Para Habermas (2003a: 27) a racionalidade comunicativa ou teoria da acção comunicativa tem como o seu escopo fundamental a busca pelo entendimento no âmbito linguístico e tal finalidade passa pela procura de pretensões de validade na busca de um acordo ou uma meta, esta teoria é a elaboração de um conceito de modernidade devidamente fundamentado na teoria crítica da Escola de Frankfurt, mas, sob os moldes da comunicação intersubjectiva derivada da filosofia da linguagem de Wittgenstein e Austin.

Na teoria da racionalidade comunicativa de Habermas, o saber verdadeiro não surge como uma iluminação na mente de um sujeito privilegiado tal como pretendera a razão instrumental, mas é o resultado da discussão social que chega a um consenso.

Para que haja diálogo entre os interlocutores que buscam alcançar o consenso acerca de algo, é necessário que eles se comuniquem. Essa capacidade comunicativa do ser humano é algo inerente a sua própria racionalidade e esse ser não apenas conhece e age racionalmente, mas também fala. Para Habermas (2002: 98) a razão está na base da validade da fala; está presente na actividade comunicativa encaminhada ao entendimento. Trata-se de uma racionalidade que tem a ver com a forma com que os sujeitos linguísticos fazem uso do conhecimento. O propósito do filósofo é permitir que a razão deixe de ser instrumental em favor da liberdade que os sujeitos comunicativos possuem ao se entender uns com os outros (intersubjectividade).

Habermas compreende que não é possível pensar a razão fora da linguagem, pois isso implicaria o reconhecimento do ser em si, absoluto, não mais sustentável no paradigma da linguagem. Diz ele:

a unidade da razão não pode ser percebida a não ser na multiplicidade de vozes, como sendo uma possibilidade que se dá, em princípio, na forma de uma passagem ocasional, porém, compreensível, de uma linguagem para a outra” (HABERMAS, 2002: 153).


A racionalidade comunicativa é medida pela própria capacidade que os falantes e ouvintes têm de se orientar por pretensões de validade susceptíveis de críticas que devem ser intersubjetivamente reconhecidas. O importante não é a experiência subjectiva, mas as relações que se estabelecem na comunicação quando os indivíduos buscam se entender. Conforme ele diz chamo acção comunicativa aquela forma de interacção social em que os planos de acção dos diversos atores ficam coordenados pelo intercâmbio de actos comunicativos, e isso fazendo uma utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações extraverbais) orientadas ao entendimento”. (HABERMAS; 1997: 418).

Habermas defende a tese de que o entendimento se alicerça no reconhecimento intersubjectivo das pretensões de validade, compreendendo as razões de escolha do falante que busca se entender com o ouvinte. Ele comenta ainda que

o valor real do entendimento consiste, pois, em um acordo alcançado comunicativamente, que se mede por pretensões de validez e vem amparado por razões potenciais” (HABERMAS, 2003b: 380).


Para o autor, um jogo de linguagem que permite o entendimento vem acompanhado de pelo menos três pretensões de validade: a verdade, a rectitude e a veracidade. Nesse sentido, o entendimento é, pois, um processo que trata de superar a não compreensão e o mal-entendido, a não veracidade frente a si e frente aos demais, a concordância em soma, e isso sobre a base comum de pretensões de validade que se endereçam a um reconhecimento recíproco (HABERMAS, 1997: 199).

Pressupostos da acção comunicativa e acção estratégica: falar versus agir.

Para debruçar sobre os termos de acção comunicativa e estratégica, torna-se legítimo apresentar os conceitos falar e agir e explicar as suas descrições. Nesta perspectiva, Habermas toma estes dois conceitos (falar e agir) de forma diferenciada, com intuito de afirmar a sua diferença, mas mantendo sempre a sua unicidade.

Para ilustrar o ‘agir’ eu tomo certas actividades corporais comuns do dia-a-dia tais como correr, pregar […]; e explicito o falar lançando mão de actos de fala, tais como, ordens, confissões, […]. Em ambos os casos estamos lidando com acções em sentido amplo” (HABERMAS, 1990: 32).


Nesta diferença, temos que frisar que, a fala é uma questão linguística e o agir é uma acção não-linguística. Dai que, para Saussure (2006: 27), a fala é um acto linguístico individual, material, concreto, psicofísico, dependente da vontade e da inteligência do indivíduo e por isso é relativa impossibilitando a sua sistematização.

O agir é uma acção orientada para um fim, através do qual, um actor participa no mundo a fim de realizar fins propostos, aplicando meios adequados. E a fala é uma ação através do qual um falante chega ao entendimento com outro sobre algo no mundo. O agir é uma acção instrumentalista, mecânica e teleológica; e a fala por sua vez, é uma capacidade humana que possibilita aos homens chegarem ao consenso uns com os outros, ou seja, é um acto dialógico e comunicacional.

As acções de agir e falar, dependem das condições específicas para serem compreendidas. No agir, para sabermos com exatidão por que alguém fez algo, temos que desvendar a sua intenção ou ainda, tomarmos a posição de protagonistas da acção; mas mesmo assim nunca concluímos com certeza o que levou ao indivíduo a praticar tal acção; deste modo, verifica-se que, o agir não oferece uma interpretação exaustiva ou explícita sobre uma determinada acção. Já o falar oferece essa exatidão porque quando um indivíduo dá uma ordem já está claro ou explícito o por que da ordem.

Quando eu capto a ordem que minha amiga me dá, ao dizer que eu devo deixar a arma, então eu sei com bastante certeza, qual foi a acção que ela realizou: ela proferiu esta determinada ordem” (HABERMAS, 1990: 66-67).


A fala está ligada aos actos de fala e, os actos de fala revelam a intenção do falante, ou seja, quando alguém profere uma dada palavra não necessita de uma intencionalidade externa a ela para representar, uma vez que, ela mesma se auto-interpreta. Desta feita, os actos de fala tem um poder de tornar evidente a intenção do indivíduo quando dá uma ordem, uma confissão e uma constatação.

De modo mais amplo, acções linguísticas assim como não linguísticas podem ser vistas como acções determinadas para um fim, porque, quando alguém ‘corre’ sempre deseja alcançar um objectivo e, quando alguém dá uma ordem espera mudança de atitude por parte do ordenado; então em ambos casos podemos verificar que sempre há um fim por ser alcançado.

No entanto, a partir do momento em que desejamos fazer uma distinção entre acção de entendimento e actividade orientada para um fim, temos que levar em conta que a teoria da linguagem e a teoria da acção não atribuem o mesmo sentido ao jogo teleológico de linguagem, no qual os actores perseguem objectivos, têm sucesso ou produzem resultados da acção, os mesmos conceitos básicos são interpretados de modo diferente (HABERMAS, 1990: 67).

Deste modo, os actos de fala revelam uma estrutura reflexiva; eles visam fins ilocucionários que não podem ser realizados sem a cooperação e o consentimento livre de um destinatário; eles sempre pressupõem um interlocutor. Como postula Austin (1990: 95), os actos ilocucionários correspondem às acções que correspondem à realização de acções como pedir, cumprimentar, exigir, desculpar-se, censurar, ordenar, informar. A sua diferença (fala e agir) reside ainda nas condições de compreensão e nos conceitos fundamentais onde os próprios actores podem descrever os seus fins ou sucessos alcançados.

Contudo, o agir difere do falar pelo simples facto de, o primeiro não depender de outrem para sua eficácia e o segundo depender directamente de outro, porque está virada para o entendimento; e, se está preocupado com o entendimento, não se realiza na ausência do interlocutor ou destinatário.

Pressupostos da acção comunicativa e acção estratégica: falar e agir


O desenvolvimento do capitalismo pós-revolução industrial contribuiu para o estabelecimento de um modo de pensamento voltado para a obtenção de resultados e fundamentado em uma racionalidade instrumental, isto é, voltada para fins. Segundo os estudiosos da Escola filosófica de Frankfurt, defensores da teoria crítica da sociedade, os ideais iluministas de libertação teriam se esgotado a partir do momento em que o sistema de produção invadiu as esferas de pensamento. Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973) admitiam um vínculo entre conhecimento racional e dominação, o que teria falido os ideais modernos de emancipação social. A racionalização opera pelas vias mais diversas e mais indirectas.

Uma acção chama-se instrumental quando tem por base a aplicação de regras técnicas que se apoiam no saber empírico e é avaliada pelo grau de eficiência com que se intervém no contexto de estados de coisas e acontecimentos

[…]. As acções chamam-se comunicativas se os autores ao invés de individualizarem os seus planos de acção em cálculos de sucesso egocêntricos, actuam comparativamente num processo de intercooperação cujo fim será sempre a formação de um consenso racionalmente fundado. (F. CABRAL PINTO; 1996: 431)


A teoria do agir comunicativo consiste em uma tentativa de superação da racionalidade instrumental, ampliando o próprio conceito de racionalidade: elabora o conceito de racionalidade comunicativa e, e decorrência, ocorre um movimento de uma razão instrumental, prisioneira das condições da filosofia do sujeito para uma filosofia da linguagem, do entendimento subjectivo a comunicação.

A acção comunicativa distingue-se da acção estratégica porque a coordenação da acção pode fazer se derivar, não da racionalidade teleológica das orientações de acção, mas força de motivar racionalmente que tem os processos de entendimento, de uma racionalidade que se manifesta nas condições do acordo comunicativamente alcançado.

Segundo Rossano (2009:310) afirma que com a teoria da acção comunicativa Habermas abandona de vez o veio da teoria de conhecimento enfrentado até então. Sustenta ainda que a orientação metodológica de análise do conhecimento científico feita até então foi um erro.

Habermas faz seu diagnóstico das patologias da modernidade. Sua tese central é a de que o sistema, com sua racionalidade instrumental e estratégica, colonizou o mundo da vida representativo das instâncias social e cultural da humanidade, destituindo as pessoas de sua participação e legitimidade no processo decisório científico, político e económico. No entanto, para Habermas, não se deve admitir que as formas de dominação ou a mentalidade prática da racionalidade instrumental sejam parte integrante de todas as esferas humanas, sustenta que “a razão é calculadora. Ela pode avaliar verdades de facto e ralações matemáticas e nada mais. No âmbito da prática só pode falar de meios. Sobre os fins, ela tem que se calar”( HABERMAS;1989:62).

Desta crítica elabora a noção de agir comunicativo. O conceito de agir comunicativo deve ser analisado por meio do conceito de entendimento linguístico, admitindo-se que o entendimento consiste em um acordo racionalmente motivado alcançado entre os participantes, que se mede pelas pretensões de validade susceptíveis de crítica.

Segundo Habermas o conceito de agir comunicativo refere-se à interacção de, ao menos, dois sujeitos capazes de linguagem e de acção que estabelecem entre si uma relação interpessoal. “ Objectivo agora não deve ser privilegiar deficitariamente uma forma ideal de Comunicação.” (Ibd:11). Para o autor, são racionais as pessoas que expressam afirmações fundamentadas e realizam também acções eficientes.

Dessa maneira, a racionalidade está associada à capacidade de se chegar a um acordo e também actuar com eficiência. Acrescenta que são também racionais os sujeitos capazes de linguagem e de acção, que não se equivocam sobre os fatos nem sobre as relações fim e meio. Em um contexto de comunicação, é racional aquele que afirma algo e é capaz de defendê-lo perante críticos. Essa pessoa é capaz também de seguir uma norma vigente e de justificar sua acção perante um crítico, desde que interprete a situação perante expectativas legítimas de comportamento.

A teoria do agir estratégico no entravo da razão comunicativa


A teoria do agir estratégico é aquela orientada para o êxito, em que o agente calcula os melhores meios para atingir fins determinado previamente. Esse tipo de acção é aquele que caracteriza para Habermas o trabalho, vale dizer, aquelas acções dirigidas a dominação da natureza e a organização da sociedade que visam á produção das condições materiais da vida e que permitem a coordenação das acções, isto é, possibilitam a reprodução material da sociedade.

A racionalidade comunicativa é aquele tipo de acção orientado para o entendimento mútuo e não para a manipulação de objectos e pessoas no mundo em vista da reprodução material da vida. A acção orientada para o entendimento é aquela que permite a reprodução simbólica da sociedade.

Segundo HABERMAS (1989, p., 164) a acção estratégica é aquela orientada para o sucesso, isto é, para as consequências do seu agir, eles tentam alcançar os objectivos de sua acção influindo externamente, por meio de armas ou bens, ameaças ou seduções. A coordenação das acções de sujeitos que se relacionam dessa maneira, isto é, estrategicamente, depende da maneira como se entrosam os cálculos de ganho egocêntricos. O grau de cooperação e estabilidade resulta então das faixas de interesses dos participantes.

O agir comunicativo é quando os atores tratam de harmonizar internamente seus planos de acção e só perseguir suas respectivas metas sob a condição de um acordo existente ou a se negociar sobre a situação e as consequências esperadas. O modelo estratégico de acção pode se satisfazer com a descrição de estruturas do agir imediato orientado para o sucesso, ao passo o modelo do agir orientado para o entendimento mútuo tem que especificar condições para um acordo alcançando comunicativamente.

Os processos de entendimento mútuo visam um acordo que depende do assentimento racionalmente motivado ao conteúdo de um proferimento. O acordo não pode ser imposto à outra parte, não pode ser extorquido ao adversário por meio de manipulação. No paradigma do entendimento reciproco é fundamental a atitude performativa dos participantes da interacção que coordenam seus planos de acção ao se entenderem entre si sobre algo no mundo ( cf HABERMAS,2000, p., 414)

Para Habermas a acção instrumental orienta-se por regras técnicas que se apoiam no saber empírico. Estas regras implicam em cada caso prognoses sobre eventos observáveis, físicos ou sociais. O comportamento da escolha racional orienta-se por estratégias que se baseiam no saber analítico, a acção instrumental organiza meios que são adequados ou inadequados segundo critérios de um controlo eficiente da realidade, a acção estratégica depende apenas de uma valoração correta de possíveis alternativas de comportamento que só pode obter-se de uma dedução.

A acção comunicativa uma interacção simbolicamente mediada. Ela orienta-se segundo normas das vigências obrigatórias que definem as expectativas reciproca de comportamento e que tem de ser entendidas e reconhecidas, pelo menos, por dois sujeitos agentes. A validade das regras e estratégias técnicas depende da validade de enunciados empiricamente verdadeiros ou analiticamente correctos. Ao passo que a validade das normas sociais só se funda na intersubjectividade do acordo acerca de intenções e só é assegurada pelo reconhecimento geral das obrigações.

A infracção das regras tem nos dois casos consequências diferentes. Um comportamento incompetente que viola regras técnicas ou estratégicas de correcção garantida está condenado por seu fracasso, por não conseguir o que pretende, o castigo está inscrito no seu fracasso perante a realidade. Ao passo que um comportamento desviado, que viola as normas vigentes, provoca sanções que estão vinculadas à regras de forma externa, isto é por convenção (cf HABERMAS, 1968, p., 58).

Racionalidade comunicativa enquanto validade discursiva


Na filosofia de Habermas, a racionalidade está directamente vinculada ao conceito de linguagem, sendo a racionalidade comunicativa essencialmente discursiva por resolver as pretensões de validade implícitas nos proferimentos por meio de discursos.

A racionalidade comunicativa demanda uma pragmática universal da linguagem, a qual possui como núcleo constitutivo as pretensões universais de validade, sobre as quais vai se estruturar as novas bases da razão comunicativa. "A partir da perspectiva pragmática torna-se claro o quanto estão envolvidas no entendimento linguístico determinadas pretensões de validade" (MIGUENS, 2007: 248). O núcleo constitutivo da pragmática universal estrutura-se a partir das pretensões universais de validade, as quais demandam razões que as satisfaçam, exigindo tomadas de posição com um sim ou com um não por parte dos falantes e ouvintes. Estas pretensões são levantadas por actos de fala, estando expostas à susceptíveis críticas e questionamentos.

Na visão de Habermas (1989: 79) no caso de pretensões de entendimento mútuo linguístico, os atores erguem com seus actos de fala ao se entenderem uns com os outros sobre algo, pretensões de validez, mais precisamente, pretensões de verdade, pretensões de correcção e pretensões de sinceridade, conforme se refiram a algo no mundo objectivo, a algo no mundo social comum ou a algo no mundo subjectivo próprio.

Esta reconstrução das condições universais presentes na linguagem e na fala destaca algumas exigências ou condições imprescindíveis que devem ser preenchidas para que se obtenha o entendimento nas práticas de comunicação cotidianas.

Pretensões universais de validade


O diálogo que se instaura entre falante e ouvinte por meio de actos de fala, e que tem por meta alcançar o consenso por meio de entendimento comunicativo, levanta sempre, e implicitamente quatro pretensões universais de validade. Segundo Habermas (1996: 12) estará a enunciar de forma inteligível; a dar (ao ouvinte) algo que este compreenderá; a fazer-se a si próprio, desta forma, entender; e a atingir o seu objectivo de compreensão junto de outrem.

Na primeira pretensão de validade, a inteligibilidade do sistema linguístico, falante e ouvinte devem falar a mesma língua e evitar códigos linguísticos privados e secretos; na segunda, a enunciação de conteúdos proposicionais que sejam verdadeiros, para que o ouvinte possa partilhar o conhecimento do falante; na terceira, trata-se da veracidade das manifestações subjectivas do falante, devendo este expressar verazmente suas intenções subjectivas de forma que possibilite a um ouvinte acreditar em suas manifestações; e na quarta, a manifestação de forma correcta ou adequada tendo como pressuposto um quadro normativo reconhecido e compartilhado intersubjectivamente. "…, a acção de comunicação só poderá permanecer intacta enquanto todos os participantes supuserem que as pretensões de validade (…) são apresentadas justificadamente" (HABERMAS, 1996: 12). Isto porque só é racional para Habermas, aquela pessoa que se expressa performativamente orientada para as pretensões de validade e se poder comprovar ou justificar as suas expressões numa perspectiva reflexiva.

Estas pretensões universais de validade são levantadas por meio de actos de fala, preenchendo diversas funções da linguagem e vinculando-se a diferentes componentes da linguagem. A primeira refere-se à inteligibilidade do sistema linguístico; a segunda refere-se ao uso cognitivo da linguagem; a terceira ao uso interativo da linguagem; e a quarta ao uso expressivo da linguagem.

Austin citado por Habermas na obra (Racionalidade e Comunicação pp 78-86), estabelece distinção entre actos locutórios e ilocutórios que tem vindo a assumir uma importância que ultrapassa a teoria do significado: o debate a respeito dos tipos básicos de actos de fala e modos básicos de utilização de linguagem contou também com este par de conceitos como ponto de partida. Inicialmente Austin pretendia estabelecer a fronteira entre ambos de forma que ”o performativo devesse encontrar-se em oposição ao simples dizer alguma coisa .O performativo é feliz ou infeliz em relação ao verdadeiro ou falso”.

Daqui resultaram as seguintes correlações:


Actos locutórios: - Constativos,verdadeiros e ou não verdadeiros

Actos ilocutórios: - Perfomativos, felizes e ou infelizes.

Esta demarcação entre actos locutórios e ilocutórios não pode ser mantida quando se tornou evidente que todos os seus actos de fala contêm uma componente locutória e outra ilocutória.

O Próprio Austin viria mais tarde a olhar para os actos de fala constativos como uma entre várias classes de actos de fala diferentes.

Vejamos as duas frases:

“Eu garanto que...”

“Eu aviso que...”

Expressam actos ilocutórios de uma forma semelhante. Mas este facto não deixa todavia de ter a consequência interessante de a pretensão de validade contida nos actos de fala constativos constituir apenas um caso especial entre as pretensões de validade que os falantes nos actos de fala, apresentam e propõem para justificação perante os ouvintes.

Austin destaca a pretensão de estar certo ou a pretensão de validade, que se apresenta com todos os actos de fala. No entanto, apenas distingue estes aspectos de uma forma casual em relação à generalidade das condições contextuais.

É verdade que as afirmações tal como os avisos, conselhos, promessas, apenas podem ser bem sucedidos se ambas as seguintes condições forem satisfeitas:

Estarem em ordem e estarem certas

As afirmações não divergem dos outros tipos de actos de fala na sua dupla estrutura perfomativa e ou proposicional da mesma forma que não divergem em termos de condições contextuais gerais, uma vez que estas variam de forma caracteristica em todas as acções de discurso. Contudo divergem de todos os outros tipos de actos de fala na medida em que implicam uma inconfundivel pretensão de validade.

“Com as expressões constativas, abstraimos-nos dos aspectos ilocutórios do acto de fala e concentramo-nos nos locutórios”.

Austin, após ter reconhecido que os actos de fala constativos representam apenas um de entre vários tipos de actos de fala, desistiu da ideia do acima mencionado contraste a favor da ideia de um conjunto de familias desordenadas de actos de fala. No entanto é nossa opinião que aquilo que procurava atingir com o contraste “constativo” versus “perfomativo” pode ser adequadamente reconstruido.

Ao fazê-lo, estaremos a optar por uma utilização mais interactiva ou mais cognitiva da nossa lingua. Na utilização interactiva da linguagem tematizamos as relações que falante e ouvinte estabelecem. Na utilização cognitiva da linguagem, pelo contario, tematizamos o conteúdo da expressão enquanto declaração a respeito de algo que se está a passar no mundo, ao mesmo tempo que expressamos a relação interpessoal de uma forma meramente indirecta.

O próprio Austin, chegou a analisar a objecção de que existem diferentes pretensões de validade em acção nestes casos.

Portanto, partindo do pressuposto de que ao declararmos de que o réu como culpado, chegamos à nossa sentença de uma forma correcta e de boa fé. Assim, na utilização cognitiva da linguagem, o falante deve num sentido trivial expressar os seus sentimentos, opiniões e conclusões.

Racionalidade comunicativa como crítica da racionalidade Instrumental


A racionalidade comunicativa da filosofia da linguagem de Habermas pode ser concebida como um aspecto intersubjectivo de uma acção dialogal, que serve para classificar o discurso como em caso de conversação, debate ou disputa de opiniões. Em contrapartida, a racionalidade instrumental pode ser entendida como um processo pelo qual o sujeito toma a decisão de que conhecer é dominar a natureza. Nesta ordem de ideias, pretende-se, no presente trabalho, debruçar sobre as críticas da racionalidade comunicativa à racionalidade instrumental. Desta feita pode-se indagar: o que é racionalidade comunicativa e instrumental? Em que medida a racionalidade comunicativa apresenta-se como crítica à racionalidade instrumental? A presente abordagem será uma tentativa de dar resposta à problemáticas levantadas.

A acção comunicativa pressupõe, antes de mais, a existência de uma base de pretensões de validade mutuamente reconhecidas, isso deve ser exclarecido, em primeiro lugar, em confronto com o agir comunicativo.

… falamos então de agir comuinicativo quando agentes coordenam seus planos de acção mediante o entendimento mútuo linguístico […] quando eles os coordenam de tal modo que lançam mão de forças de ligação ilocucionárias dos actos de fala…” (HABERMAS, 2004: 118)


A partir da citação acima, pode-se perceber que há condições para que a racionalidade comunicativa ocorra, tais como: reconhecimento dos intervenientes como seres livres e iguais, uma posição de véu de ignorância da sua posição social, política e por fim a capacidade de proferir um discurso racional.

A acção instrumental por seu turno, orienta-se para o sucessso, isto é, para as consequências do seu agir, ela alcança os objectivos da sua acção influindo externamente. A coordenação das accões de sujeitos que se relacionam dessa maneira, isto é, estrategicamente, depende da maneira como se entrosam os cálculos de ganho egocêntrico. Isso deve ser exclarecido, em segundo lugar, em confronto com o agir estratégico.

… no agir estratégico […] os envolvidos coordenam seus planos de acção mediante uma influenciação recíproca, a linguagem não é empregada comunicativamente, mas [que se orienta] a consequências […] as perlocuções fornecem uma chave apropriada. (Ibidem).


Tomando em consideração os trechos supracitados, pode-se perceber que a crítica feita à racionalidade instrumental é no sentido em que Habermas entende por acção comunicativa uma interação simbolicamente mediada. Ela orienta-se segundo normas que definem as expectativas recíprocas de comportamento e que têm de ser reconhecidas, pelo menos, por dois sujeitos agentes. Mas, a situação muda quando chegamos à acção estratégica, dado que, se na atitude comunicativa, é possivel conseguir-se um entendimento mútuo directo em relação às pretensões de validade. Na atitude, pelo contrário, apenas pode existir um entendimento mútuo indirecto, via indicadores determinativos, ou seja, se entendermos o agir em geral como consistindo em dominar situações, o conceito do agir comunicativo extrai do domínio da situação o aspecto comunicativo da interpretação comum da acção, sobretudo a formação de um consenso.

Mediante a crítica supracitada, entende-se que a racionalidade dos jogos linguísticos religada à acção comunicativa vê-se confrontada, no limiar da modernidade, com uma racionalidade das relações fim/meio, que está ligada à acção instrumental, instaura-se o princípio do fim da sociedade tradicional: entra em colapso a forma de legitimação da dominação. Habermas afirma que quando é reduzida à racionalidade técnico-científica, a razão perde seu carácter de auto-referencialidade e criticidade. Por isso ele propôs o paradigma da comunicação segundo o qual o sujeito cognoscente não é mais definido exclusivamente como sendo aquele que se relaciona com objectos para conhecê-los e dominá-los.

Ele analisa o entendimento intersubjectivo entre sujeitos capazes de falar e de agir e põe em descoberto uma dimensão na clássica teoria de Weber sobre a racionalização, trata-se da racionalidade comunicativa, ou seja, na teoria comunicativa busca constituir uma forma de reflexão crítica sobre tal instrumentalidade racional como forma de emancipação social, isto é, desenvolve na teoria da acção comunicativa uma análise teórica e epistémica da racionalidade como sistema operante da sociedade mostrando que a racionalidade dos indivíduos é mediada pela linguagem e comunicatividade.

CONCLUSÃO


Em virtude dos factos mencionados, percebemos que a razão comunicativa é uma análise teórica e epistémica da racionalidade como sistema operante da sociedade proposta por Habermas, como uma contraposição da razão instrumental. Pretendendo com esta recuperar o potencial emancipador e universalista do projecto civilizacional da modernidade e mostrar que a razão instrumental não tem o papel totalmente dominante nas sociedades contemporâneas. Nesta dinâmica, Habermas procura diferenciar a racionalidade comunicativa da racionalidade instrumental partindo dos seus pressupostos (falar vs agir), sendo o falar uma acção linguística e agir uma acção não linguística que partem de condições específicas para serem compreendidas.

Do trabalho pode inferir-se que o agir estratégico, sua finalidade é o sucesso nas consequências da sua acção. Os sujeitos que operam dessa forma fazem cálculos egocêntricos visando o benefício de si frente ao colectivo, visto que esta teoria do agir estratégico é orientada para o êxito, em que o agente calcula melhores meios para atingir fins determinados previamente. E a razão comunicativa é a possibilidade do entendimento, ser a finalidade contida na linguagem, dada através do reconhecimento intersubjectivo da validade de um proferimento linguístico aberto a crítica; um reconhecimento mútuo que visa um acordo que depende do assentimento racionalmente motivado ao conteúdo do proferimento.

Não obstante, a racionalidade comunicativa apresenta-se como crítica da racionalidade instrumental na medida em que Habermas entende por acção comunicativa uma interação simbolicamente mediada. Habermas afirma que quando é definida e reduzida à racionalidade técnico-científica, a razão perde seu carácter de auto-referencialidade e criticidade.

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